sábado, 29 de novembro de 2008

Meteorologia

Zenmatt, Snow slidding down, 2006

O frio que, lá fora, despe as árvores até à próxima estação e pinta o chão de folhas em tons de Outona quase Inverno, aconchega-nos num abraço que queremos sempre mais quente e mais demorado. O calor que procuramos no corpo uma da outra prolonga-nos a vida numa estação única e a certeza da escolha - o Amor escolheu-nos e nós escolhemos o Amor. Sinto, no abraço que nos recolhe ao fim do dia, a essência desse encontro feliz que nos devolve a vida que antes de 'nós' só existiu enquanto promessa. Sinto, no beijo em que nos damos e recebemos por inteiro, a alma e o corpo encontrados e a eternidade que ouvi dizer, sem acreditar, tantas vezes antes de ti. Hoje sei que o Inverno é apenas uma estação do ano e que a lã das mantas que nos cobre, embrulhadas uma na outra, não nos deixa passar frio. E que depois do Inverno virá a Primavera e assim sucessivamente. Tenho sorte, porque, às vezes, a vida é um deserto de gelo onde o sonho esmorece e morre, porque ouço dizer a alguns que o Verão é uma apenas promessa. Eu acredito no calor que me aninha todo o ano. Tenho-te a ti, não dependo da meteorologia.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Sem lugar

Adrian Reilly, The Chimneys of Griffithstown, 2006

Recordo a rua que nos encontrou ou em que nos encontrámos pela primeira vez. Já não existo no mesmo sítio e faltam-te poucos dias para deixares a vizinhança que me tem ausente. Pouco importa quando conquistámos um mundo depois disso. Para trás ficam instantes feitos de primeiros momentos, coisas nossas que não morrem no tempo. Para trás ficam apenas lugares que continuam nossos para além do espaço que ocupam. Nada se perde numa partida de mãos cheias. Os dias que aí vêm são o resto da nossa vida e será sempre assim. Tu e eu existimos em todos os cantos do mundo, tu e eu não temos nem tamanho nem distância porque não existe medida quantificável que nos contenha no que vivemos por debaixo da pele que nos embrulha numa só. Os dias que aí vêm são mares infinitos por onde nos navegamos de corpo e alma. O lugar que nos acolhe é a nossa certeza de ser sempre sem limite e incondicionalmente. A rua que, um dia, nos encontrou continua no mesmo sítio, mas nós, que deixámos de por lá passar, existimos muito para além dessa recordação do princípio. Somos os dias por vir e a esperança de que o tempo não tenha fim. Recordo a rua pelo prazer eterno de te revisitar ao meu encontro pela primeira vez. Será sempre assim.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Na terra inteira

Adrian Reilly, Love like Blood, 2007

Está escrito em todo o lado, nas paredes, nos muros, no chão, o que corpo reconhece infinito no coração. Tudo à minha volta me fala de ti. Está escrito em toda a parte que tem de ser para toda a vida, que nós somos sem tempo em todas as dimensões. Este nós em que crescemos cada vez mais uma é um estado de existência superior. Porque crescemos para além de um 'eu' e aprendemos a melhor parte de nós. Porque nos cumprimos, partilhando. Porque o ser é mais inteiro por ser capaz de integrar o outro e renascer nessa união. O Amor para toda vida é capacidade de nos reaprendermos uma na outra num nós forte e adulto. A minha vida é hoje infinitamente mais rica pelo que te aprendo e o que dou de mim. Eu e tu somos em tudo mais porque amamos e sabemos a importância do Amor. Está escrito na terra inteira que tu e eu somos um lugar infinito, um caminho único, um universo por descobrir. Debaixo da minha pele o nós é imortal.

sábado, 15 de novembro de 2008

Cá em cima

Jakob Ehrensvärd, Windows of the past Series,2008

Lá fora, as horas avançam de um lado para o outro e ignoram-nos. Espreitamos cá de cima o que não nos apetece e ficamos coladas à janela ausentes do tempo que, lá fora, não é nosso. Aqui, onde nós estamos, o tempo é História - a nossa era, passado, presente e futuro. Por debaixo da janela, na rua, onde as horas correm apressadas, as pessoas vivem indiferentes a esta ideia de imortalidade. Tu e eu sentimos e vivemos uma outra dimensão, onde a medida de tempo é o ritmo cardíaco do teu toque na minha pele, do teu beijo no meu coração. E nesta eternidade de sentidos em que nos concebo, nada nos interrompe. Nesta História heróica e exemplar vivemos muitos anos, ontem, hoje e depois disso. Tu e eu somos o espaço e o tempo do Amor - indiferente à vida e à morte, absoluto e incondicional. Para além do Amor, não há matéria nem outro tipo de partículas - só vazio, escuridão, o nada.

domingo, 9 de novembro de 2008

Am(arte)

Sharon Rrogers, Lace, 2006

Haverá arte maior do que o rendilhado do Amor? Porque a malha que o tece exige-nos uma inegualável disponibilidade e porque somos absolutos e verdadeiros para nós mesmos quando amamos. Se te sinto de forma plena nada me faz desistir da parte que és em mim, porque sem ti não sou eu, sou apenas um estado de existência transitório. Amar-te é ser mais do que apenas eu, é acreditar que tenho um sentido e que me cumpro na arte de viver. Porque o Amor é vida e o contrário é morrer. Sem ti cuidei que morria e morri todos os dias e todos os dias sobrevivi porque acreditava que eras tu a minha vida e que, um dia, me voltarias. Porque, apesar da dor do longe e da distância, acreditei em nós, porque o Amor vivia em mim e sempre soube que em ti também. Haverá maior arte do que esta que me esculpe, no coração, o teu nome?

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Mistério

John Lamb, A small place in the country

Assim, no meio de uma paisagem aberta ao infinito, visto-me de céu e saboreio o vento que me empurra. Tenho a sorte de reparar na brisa e nos diferentes tons de azul que me espreitam lá de cima. O espaço que ocupo é pouco mais do que o meu tamanho e, por pouco que seja, não preciso de mais porque não sou mais do que eu mesma, logo dispenso o excesso ao qual não serei capaz de dar uso. A dimensão das coisas é a grandeza da vida interior que as habita e não o que a física torna lei. Do tudo ao nada vão muitas vidas num só tempo, vidas de nada e vidas de tudo. A existência perfeita é aquela em que coincidimos no que somos com o que os outros nos reconhecem. É difícil, senão impossível - somos múltiplos em nós mesmos e nos outros uma imagem apenas. Numa paisagem deserta, embrulhada de vento, tudo parece mais simples e inteligível.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A fragilidade das horas

Jakob Ehrensvärd, More glass crushing, 2005

A fragilidade dos dias é vivida hora a hora, segundo após segundo. De um momento para o outro a luz pode tornar-se noite escura, impossível de navegar e, por vezes, definitiva. E nem sempre nos damos conta deste estado de fraqueza que é passar pelo tempo sem perceber que os dias passam sem retorno. Esbanjamos o que não é nosso, deitamos a perder o que jamais conseguiremos ganhar. De uma hora para a outra perdemos tempo de vida a pensar que temos uma vida cheia e adormecemos indiferentes à contagem decrescente que, irremediavelmente, caminhamos. Consumimos tempo por tudo e por nada menos pelo que é essencial. Ou porque achamos que os dias não têm fim ou porque não sabemos o que é importante. Passamos pela vida sem cuidar do jardim cujo o verde primavera, um dia, terá fim. Não chegaremos a tempo de salvar coisa nenhuma se não soubermos a medida exacta de cada segundo que respiramos.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Do lado de fora, o Inverno

John Lamb, Gathering Storm

Agora que o Inverno se aproxima da cidade onde tu e eu somos uma, dou-me conta que esta é a primeira estação fria que passamos em nossa casa. As minhas mãos frias nas tuas, tão geladas quanto as minhas, encontram debaixo da tua pele um verão tão longo quanto o Amor que nos embrulha indiferente às estações e à mudança de cor da paisagem. O tempo frio e as tempestades são meros intervalos que nos engrandecem o aconchego de um nós sempre quente e pulsante como a vida que anima as montanhas de fogo. Em nossa casa há mantas quentes em cada corredor da alma e no quarto abraça-nos um sol permanente como o centro de luz que organiza galáxias e dá forma ao Universo. O frio não nos chega, o calor que vem de dentro retem o Inverno à porta de casa. O Amor embrulha o teu corpo quente no meu e quando adormecemos sonhamos com a luz intensa que nos abraça o passado, o presente e os dias por vir.

sábado, 1 de novembro de 2008

Things to remember

Ricardo Alves, Seascapes of Portugal (Praia da Adraga), 2008

"...Love Anything
Use a metaphor and tell us that your lover is the sky
Sometimes
Sometimes nothing often means the beauty of the human experience
These things are to be remembered
To be remembered"
PETER MURPHY, "Things to remember"
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Lá estaremos no Coliseu, hoje à noite, para lembrar com o mesmo prazer de sempre...