terça-feira, 30 de agosto de 2011

Horizonte

Guiseppe Parisi, 2009

Desabituei-me da pressa de chegar, desabituei-me da noção de distância, de sentir a demora e correr com medo de faltar. Desabituei-me de olhar para o relógio e temer chegar atrasada a todo o lado e a parte nenhuma. Desabituei-me do ponto de partida como ponto de chegada e vice-versa. Desabitei-me do tempo e do espaço como medida de existência. Não tenho pressa nem destino. Porque o destino não existe e a pressa não é solução. Abraço a vontade como luz que vence a escuridão. E oiço as histórias sem tempo gravadas com o coração num horizonte infinito.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Coisas importantes

Anabark, Wilderness [AGO2011]

Olhei à minha volta e vi um mundo cheio de coisas com importância. E concentrei-me para olhar mais de perto pormenores que descurei quando morava num mundo pequeno e fechado, onde apenas havia uma casa, uma rua e um jardim. E quando olhei, descobri que, houve um tempo em vivi num mundo de importância relativa que a ilusão constrói. Dentro de mim, havia coisas cheias de importância desperdiçadas por falta de atenção. Dentro de mim havia um mundo infinito que, de não ter fim à primeira vista, foi abandonado à falta de cuidados. Eu chamava-lhe Amor, mas, se calhar, era só eu a chamá-lo assim e a vivê-lo nessa dimensão de grandeza, sem peso nem medida para além do sopro de vida que só ele contém. Um dia as minhas coisas com extrema importância desequilibram-se e espalharam-se pelo chão. E eu corri muito e corri tudo para as apanhar, mas tudo desapareceu nos buracos que faziam de chão. Hoje, reparo que o mundo à minha volta está repleto de coisas valiosas e que, das minhas coisas cheias de importância, sobrou pó levantado pela tempestade.

domingo, 28 de agosto de 2011

Pedra solta

Gordon W., Rock Leaf Abstract, 2004

A pedra que se atravessa na pressa de chegar magoa-nos a fé de chegarmos inteiros ao fim da corrida. E as pedras somos nós nos passos que damos desequilibrados e cambaliantes, sem saber ao certo o que queremos, o que temos e o que esperamos conquistar. O primeiro obstáculo no caminho seremos sempre nós pelo que não sabemos dar nem receber dos outros, pelo desencontro, pelo despropósito e pelo desperdício. Não sou tudo, não começo nem acabo sequer em mim mas no que sou aos outros no espaço que lhes ocupo na alma. Na viagem que fazemos, o caminho seguro é feito de afectos, do que me dou e do que recebo á minha passagem. Fora desse trilho atravessam-se pedras que nos magoam a caminhada e nos vão despindo de vontade e de fé. E quando deixamos as pedras chegar ao coração morremos antes de a vida se nos acabar. Perdemos e perdemo-nos do essencial. E sem darmos por isso, é tarde demais e contam-se pelos dedos de uma mão as oportunidades de voltar atrás e confiar em quem nos quer bem.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Em alto mar

Geert Goiris, Resonance #41, Liepaja, 2004

Por vezes, naufragamos a vontade e carta de marear e partimos por mares incertos porque estamos vivos e acreditamos que, um dia, havemos de chegar à terra prometida. Por vezes, deitamos tudo borda fora para sentir que alguém nos segura no momento de saltarmos nós também. Por vezes, arriscamos o que temos e o que gostávamos de ter realmente, para sentir que não nos acomodámos a metade nem desistimos de querer tudo por inteiro. Por vezes, galgamos rochas pela costa adentro, para encontrar o tesouro que perdemos em alto mar. Por vezes, encontramos mares de areia onde dantes havia oceanos infinitos de vontade. Por vezes, rasgamos as velas do barco por descuido e ficamos, teimosos, no mesmo sítio à espera de soluções... Por vezes, basta pegar nos remos para evitar os rochedos que barram a chegada a bom porto.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

50 mil visitas

Sanjibm Wne, Glass Splashes, 2010

Hoje, dia 25 de Agosto de 2011, exactamente às 2 horas da manhã, este blog atingiu as 50 000 visitas contabilizadas desde Outubro de 2006. Não que isso tenha alguma coisa de especial ou que a estatística seja importante, mas apeteceu-me assinalar o facto para agradecer a todos quantos estão 'dentro do copo' desde sempre e fazem parte dele, aos que o vão descobrindo e o tornam um hábito, aos que voltam, sem compromisso, depois da primeira vez, aos que por ele passeiam timidamente sem deixar testemunho... 
A todos quantos, por aqui passando, se deixam ficar... obrigado!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Desfocagem

Anabark, Quadradinhos [JUL2011]

Contruir o mundo que melhor nos convém é uma forma de nos descobrirmos intrinsecamente e de espelhar o que somos para fora. Mas o mundo existe de forma independente e não se define nesse egoísmo de percepção do 'eu' como medida de todas as coisas. Acreditamos que a realidade é o que vemos e julgamos ser, mas nada, fora de nós, é o que nos parece na linearidade do nosso olhar. Queremos muito construir á nossa imagem e semelhança, porque temos necessidade de espelhos para nos vermos mais em pormenor e estarmos acompahados, no bom e no mau, que nos descobrimos. Mas o mundo é tudo o que existe antes, durante e depois de nós. E nós só existimos coexistindo, em estado de reciprocídade fundamental ao equilíbrio, pessoal e transversal. Porque o mundo não começa nem acaba em nós. Construimos o nosso tempo e o nosso espaço no mundo, não ficamos indiferentes nem passivos - empurramos, fazemos cair, caímos e somos levantados. E, nos intervalos, aprendemos a cair melhor da próxima vez e a tentar, sem desistir do que queremos. O mundo que mais nos convém não existe nem nunca vai existir. Há que estar atento para saber receber o que vem ao nosso encontro e nos acrescenta como seres humanos. Há que ser generoso e caminhar para fora de nós para encontrar o mundo a meio caminho. Temos de aprender a encaixar sem distorcer nem manipular porque nos convém ou porque nos dá jeito. Temos, sobretudo, de respeitar para merecer respeito.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Quero...

Untitled

Há tanto que eu não sei nem vou saber nunca se calhar, mas sei que me anima uma vontade teimosa de aprender caminhos para lá chegar. Não quero que a vida me aconteça como um caderno de encargos de um projecto alinhado com princípio, meio e fim. Quero essencialmente não perder de vista a noção do fim e organizar-me nos dias, um de cada vez, como se cada um deles fosse o último. Quero adormecer sem me arrepender de coisas que não fiz e acordar apressada para ganhar tempo ao dia e torná-lo feliz. Quero o  sobressalto de quem espera tudo das horas decrescentes e estremecer nos pormenores. Não quero ouvir os outros contar nem emitir opiniões sobre o que não vivi. Quero saber, porque tropecei, caí e me levantei, como quero sorrir, porque abracei, amei e segurei. Quero a vida na primeira pessoa, mesmo no que estremeço por falta de jeito, ignorância e dor. Quero tudo em discurso directo, crescer com o erro e congratular-me pela vitória. Quero respirar livremente o peso da minha consciência, perdoar-me, perdoar e ser perdoada. Quero a responsabilidade das minhas próprias decisões. Quero amar e acreditar que cada dia valeu a pena e que alguém me amou com a mesma urgência. Quero porque quero a vida num só dia, todos os dias da minha vida.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Interiores

Anabark, No canto da sala [MAI2011]

Ali, na parede branca, que os meus olhos preenchem com ideias fixas todas as noites, passeiam-se sombras de coisas que-não-foram. No branco da parede ideias tomam forma como se o-que-nunca-foi pudesse acontecer ali, nos contornos que a luz define... O branco da parede teima nesse constante desafio de inventar uma outra dimensão de vida, onde tudo acontece de acordo com o plano ilumidado pela artificialidade da luz. E tudo existe e tudo é possível, nada existe e o tudo o-que-não-foi não será nunca e eu sei. Na parede branca desenho pensamentos que teimo em ter por companhia, em casa e por todo o lado, tanto de noite como de dia, como se o tempo fosse sombra sem passado, apenas presente alheio ao futuro. A certeza do que-nunca-foi tornou-se uma assombração. A saudade do que poderia-ter-sido aninhou-se ao meu lado e nela encosto a cabeça e adormeço neste canto de sala.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Em tempo real

Anabark, Jungle of thoughts {JUL2011)

E à noite os pensamentos ganham uma velocidade diferente, tudo se passa mais depressa, fundindo-se passado, presente e futuro. De manhã, quando acordo, tenho impressão que já vivi este presente, ou que o passado se repete e, á força da repetição, tornou-se presente com o á-vontade da visita de um velho amigo. E as ideias e pensamentos sucedem-se num perpétuo movimento que não sei interromper, nem sei se devo, talvez não. Tudo tem de acontecer na altura  devida e, por pouco sentido que façam os dias sem tempo verbal definido, tenho de deixar acontecer o que estiver para ser. O destino, como lhe chamam, não acontece nem antes nem depois, independentemente da nossa vontade. O passado que volta a ser presente não garante segundas oportunidades. A velocidade que encontro à noite, de um pensamento ao outro, é excessiva, comporta a vertigem que esbate a noção de tempo. Tudo o que tenho a fazer é viver o momento em tempo real, só e apenas isso. Amanhã é sempre longe demais mas não vou andar mais depressa que o pensamento, nem mesmo nos dias em que a incerteza esvazia o coração do sangue que o mantém vivo.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Último recurso

Katjas, Every book tells a story


"Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue;outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer."

Clarice Lispector

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Nem a morte

Anabark, Obscuridade [JUL2011]

Seria mais fácil ser igual a toda gente e não querer mais do que os demais. Mas não quero tornar-me uma vulgar história de amor desfeita não sei como nem porquê. Não quero pensar-me igual a todas essas histórias que se contam por aí como troféus de vida, em que tudo acaba e, orgulhosamente, se exibe o fim do que, um dia, se acreditou infinito. Não quero ser esse momento de desencanto absoluto e desamor evidente dos que perdem tudo e destroem o que sobrar. Não quero ser comum e fazer conversas de passado aligeiradas de conteúdo como se quem viveu como pele da minha pele perdesse essa importância que o Amor lhe vestiu um dia. Não quero ser a vulgaridade de ter uma história para contar. Não quero ser banal e dizer que, na minha história de amor, não fui 'feliz para sempre', que tudo é passado e que para frente é caminho. Para a frente só é caminho pela esperança acarinhada no porvir, porque podemos acreditar que o melhor está para vir, fantasiar a perfeição, iludir-nos e enganarmo-nos a nós mesmos para encontrar a paz de espírito e o perdão que nos procuramos. Mas eu não quero isso para mim. Quero assumir que chorei, que lutei e que perdi. E, nesse desaprumo, celebrar-me pelo que sei sentir em mim, o Amor apesar de tudo. Quero a dignidade dos que perdem  acreditando sem desistir antes da meta. Não quero a cobardia dos que afirmam que o Amor se desfaz como um castelo de areia à beira do mar. O Amor vive na alma e a alma que alberga o Amor é uma fortaleza que, talvez, nem a morte, saberá derrotar.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Espinhos em flôr

Anabark, Green Stars, AGO11

É preciso olhar com atenção. As estrelas que habitam a paisagem, por vezes, ferem a mão que se estende para as segurar. É preciso saber tocar. Por vezes, as estrelas têm pontas afiadas que rasgam a pele de mãos descuidadas. É preciso saber evitar espinhos e admirar para além deles. É preciso distinguir beleza onde ela parece menos óbvia e cuidá-la para que não seque nem se extinga por displiscência ou falta de atenção. Nem sempre é fácil, nem sempre  seguro. Mas aquilo que nos é único é o nosso maior investimento. A raridade com que se instala na alma vale a vida inteira. E, por muitos espinhos que nos arranhem a pele, o que é raro não é substituível. Toda a gente aprecia flores óbvias e passivas. Só alguns conseguem perceber o encanto selvagem dos cardos e admirar para além da sua forma defensiva.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Ausência do verão

Sem título

Suponho que o verão foi roubado ou que o calendário saltou uns quantos meses atrás da chuva e do vento que vem do oceano. À minha volta, a natureza parece ignorar a estação do ano, as árvores coleccionam folhas de um outono adiantado e eu não sei muito bem se as nuvens que o céu carrega serão feitas de pesar, de tristeza ou apenas de água desencontrada das estações frias. Não que me faça diferença realmente, mas não deixo de estranhar a peculiar sintonia do meteorologia com o ritmo do mundo. No meu inverno particular, os dias coincidem com as noites frias de um verão ausente. Não que isso me incomode, o luto tem de ser feito debaixo de céu cinzento. Quando morremos a alguém pouco importam as estações do ano. Precisamos, sim, de uma primavera que nos pinte o olhar de tranquilidade do azul viajado pelas andorinhas portadoras da boa nova. O verão que aqui não chegou é um estado de ausência que transcende o próprio tempo. É um monumento cósmico erguido num buraco da alma.