quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Patamar

Timmy Gambin

Encontrei uma vontade e junto tudo o que não foi para deitar fora e partir. Ao cimo desta escada, haverá uma outra escada para subir. As paredes deixaram de fazer sentido no sítio onde estão, o corredor, cada vez mais estreito e comprido, não tem qualquer utilidade. Encontrei uma vontade, refaço a casa inteira, subo a escada que me leva a outra forma de ocupar o espaço e o tempo. Tudo o que não preciso fica nos andares de baixo, na parte velha da casa, feita de paredes e corredores esguios e imcompreensíveis. Encontrei uma vontade e um quarto amplo, sem mobília, no andar de cima. Lá em baixo não chega o sol e tudo vai desaparecendo na falta de claridade. Desfaço-me do que não tenho, na sombra encontrei-me essa vontade.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

No cimo da escada

Anabark, Saída Luminosa (AGO2012)

Antes havia uma pressa de chegar, uma pressa de voltar, uma vontade de não sair. Antes havia uma urgência, um estado de ansiedade constante fora do abraço, um desassossego partilhado. Antes havia uma ideia crescente, um plano, um encontro de vontades numa escada sempre a subir. Havia luz ao fim do dia e estrelas à noite sobre a cama até o sol colorir a manhã. E havia o desejo sem fim de um corpo de perfume único e cores plenas transpiradas a toda a hora. E havia tempo contado que se vivia infinito, sem desperdício e sem descanso. E havia ausência que era saudade e havia saudade que era dor e havia dor que era Amor. E o pensamento voava sempre para o mesmo lugar e havia uma velocidade escaldante em cada regresso a casa. E havia palavras penduradas nos dedos como abraços à espera de se encontrarem. Antes, quando tudo era 'sempre' no fim das frases.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Fronteira

Anabark, No Ar (AGO2012)

Menos seria nada e o Nada já vem sendo, tomou forma e reproduz-se como as horas que passam na sucessão infinita dos dias. O relógio não parou, o tempo desencontrou-se mas não parou. Uma linha, que divide e não se vê, foi traçada e, de um lado e do outro nada acontece da mesma maneira. De um lado é passado e tudo se apaga, sentimentos, memórias, bem querer. Do outro, o sonho e um querer infinito que não morre. O Amor que, outrora, era tambor a marcar o ritmo da vida abrigou-se do lado que sonha e acredita o infinito. E tem vergonha de ser orfão, já não fala nem se deixa ver, vive no silêncio escondido. O relógio não parou, mas o Tempo não existe, só o princípio e o fim. E entre um extremo e o outro aconteceu o Tudo, mas dele só sobram palavras. Menos seria nada... como se nada tivesse acontecido.

domingo, 19 de agosto de 2012

Prémio dos Dardos #3


Obrigado Viajante  pela distinção, que muito me honra, atribuída a este blog com um prémio que tem como objectivo "...distinguir blogues que contribuem de forma significativa para o enriquecimento da cultura virtual, através da veiculação de valores culturais, éticos, literários, pessoais… premiando os blogueiros que demonstram a sua criatividade através do pensamento vivo e através das formas de comunicação que utilizam para o expressar...." 

Prémio dos Dardos atibuido por: 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Querer para poder

Anabark, Before the rain (AGO2012)

Como se o tempo que está por vir fosse mais importante do que tudo o que já conheço, procurei desenhar momentos à escala do possível, brincar com ideias de coisas por fazer e ter fé no amanhã que sonhei nas entrelinhas do desejo.  E enquanto assim me tinha ocupada, uma certeza tomou forma concreta e definida: é preciso querer para poder e só podemos aquilo que decidimos querer. E querer é acreditar muito e nunca desistir nem ceder a caminhos fáceis. O difícil desanima e desencoraja mas, no fim, será certamente o mais feliz e recompensador. E é preciso ousar para lá chegar e sofrer para reconhecer a diferença. Desistir é deitar fora a oportunidade de saber aceitar e vencer o desafio que a vida nos propõe nesta breve passagem por aqui.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Percepção

Anabark, Perceptions (AGO2012)

"The truth is a battle of perceptions, people only see what they are willing to confront. It's not what you look at that matters but what you see, and when different perceptions battle against one another the truth has a way of getting lost and the monsters find a way of getting out."

In «Revenge» (ABC series, 2011)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Jardim de inverno

Anabark, Quase flor (AGO2012)

Recordo flores que eram ideias cheias de cor e ideias que nunca se tornaram flores. Recordo flores que segurei na alma à procura de casa e que ficaram à porta rejeitadas como ervas daninhas. Recordo a noite que me chegou no instante em que, sem terra nem semente, me atiraram ao chão. Recordo flores que apanhei pelo caminho e levei para casa com a pressa de quem tem um beijo urgente para dar. Recordo a urgência que não encontrei nos lábios que tanto eu queria beijar. Recordo sinais e prenúncios de fim e tudo o que me desacreditava preferi ignorar. Recordo um jardim inteiro que definhou à falta de água por preguiça de regar. Recordo Amor, que acreditei de pedra e foi de vidro, julgado e condenado. Recordo a primavera e toda a luz do infinito em mim sacrificada ao passado.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Cegueira

William Rivelli, The Wall


Não se pode ir ao encontro do nada, só existimos realmente no que sentimos, no que nos está por debaixo da pele e não se vê mas que nos define a essência. Não se pode encontrar quem não sente como nós na justa proporção. No nada nada cresce, no nada tudo morre. No que não se sente por inteiro a alma definha aos poucos até secar completamente e assim, toda a vida que pudesse ser será demasiado tarde. No nada morre-se depressa mesmo que continuemos a respirar à vista de toda a gente. Crescer para além da cegueira dos muros é ser adulto e humano também. Não será preciso uma escada, mas apenas compreender que ninguém é perfeito nem feito à nossa imagem e semelhança, porque nós não somos deuses nem podemos esperar dos outros aquilo que não somos.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Azul sem casa

Anabark, Azul (AGO2012)

Às vezes acreditar é força suficiente para acontecer e há dias felizes em que nos acorda essa força de ser e o mundo vem, generoso, ao nosso encontro. Hoje a manhã chegou cheia do azul-água que, ontem, segurei, com fé, nos braços. Hoje acreditei em cores luminosas e num céu que está quase a acontecer. Hoje acreditei que as boas pessoas podem mudar o mundo e apostei na minha fé. O que ontem era nada, hoje é um céu aberto e amanhã, talvez, o paraíso. Hoje o verde de esperança é a cor das horas decrescentes. Amanhã será um dia azul, infinito nos olhos e na alma que os espera. E um sorriso no coração de quem neles, hoje, acreditou.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Mar-a-mar

Anabark, Cabos (JUL2012)

E tudo o que navegar não será em vão. Na alma levo um oceano e os olhos rasos de água e parto, todos os dias, para alto mar. Já naufraguei na maré vazia e morri na areia mesmo à beira do mar. Tudo o que fui não chegou para me salvar, o que me resta foi-se nas ondas e eu não sei nadar. Construí um barco de vento que empurro com a minha vontade de salvar quem sou no que me conheço como alma. E no coração me navego neste barco à vela e, nesse mar, tudo o que navegar nunca será em vão.