terça-feira, 25 de maio de 2010

O todo pelas partes

Anabark, Parede Tripla, MAI10

A superfície de todas as coisas é feita de várias camadas. Todas distintas em testemunho de espaço e tempo específicos, como impressões digitais das experiências que nos constroem, umas boas, outras más, outras nem uma coisa nem outra porque não as recordamos com o pormenor de quem aprendeu algo pertinente. Camada sobre camada vamos construindo a pessoa que somos. O interior vai ficando cada vez mais para dentro, longe do que se vê de forma descuidada. O centro esconde-se sobre camadas de muitas coisas diversas, às vezes incoerentes, que reforçam ou condenam a essência pelo que condicionam a nossa forma de existir e ser no mundo dos outros. A superfície não nos define nem o meio nos explica simplesmente. Somos a soma do que trouxemos connosco ao nascer e o que nos vamos sobrepondo em camadas. Nem sempre fazemos sentido e muito raramente somos por inteiro as competências acumuladas. Mareamos por entre a expectativa dos outros e a nossa vontade. No fundo, a nossa maior liberdade é o espírito de contradição.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Na soleira

Glenn Franco Simmons, Flowers, 2010

À minha porta cresceram três flores de um rosa quase lilás que me impedem de sair. São inesperadas como o tempo mas estão lá, a marcar território, abertas ao vento e contentes, parece-me, por viverem mesmo em frente a uma porta, como um bom presságio ou um pensamento feliz à nossa espera do lado de fora. Não posso deixar de assinalar o inesperado e a falta de propósito da natureza que, de uma vasta porção de terra verde e fértil, escolheu um espaço limiar para se expandir por sua conta e risco.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Antinatural

Luc Tricot, How would you name this one, 2010

Hoje, que não é sábado nem feriado, apetecia-me organizar as coisas e partir como na semana passada. Voltar de férias é tudo menos motivador... O egoísmo de ter os dias feitos por medida é um prazer supremo que a 'alegria do trabalho' não consegue igualar. E aqueles que dizem que 'adoram trabalhar' são loucos ou não têm vida para além daquela que o ambiente de trabalho proporciona – não são ninguém, apenas uma ilusão que se mantém em horário de expediente. Ser o dia inteiro implica uma liberdade rara, um luxo, algo só atingível pelo dom da contemplação. Há ruído por toda a parte e distracções por todo lado - estamos demasiado habituados a acreditar que somos o que nunca seremos realmente. A liberdade de ser completamente é um estádio de evolução. Nascemos, morremos: talvez um dia, se tudo correr bem, tenhamos novas oportunidades.