segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Ao relento

Douglas Allchin, Branches totally encased, 2007

Hoje senti frio a caminhar pelo dia soalheiro que nos amanheceu. Senti o frio de não te encontrar nos meus olhos durante o intervalo que deixámos por fazer. E o dia foi passando por mim a reclamar por atenção, indiferente ao frio instalado debaixo da pele que só aquece ao pé de ti. Agora que as horas mudaram e é quase noite sem o ser aqueço as mãos uma na outra, para que o sangue me regresse nesta pressa que tenho de chegar-te a casa. E tu, que corres mais depressa contra o tempo que não te sobra e estarás à minha espera, poderás reparar no arrepio dos dias sem ti, que disfarço no calor destes braços urgentes para te aconchegar. O meu abraço queima da impaciência que o dia me acrescentou. Se as palavras falham tantas vezes a eloquência de te fazer saber o que sinto, os braços que te abraçam têm a força de ontem e a confirmação de amanhã. Hoje celebro a certeza de que é em ti que quero morar em todas as estações do ano.

domingo, 26 de outubro de 2008

Segundo a segundo

Sheila Smart; Dali's clock with second clock, 2002

A vida é a soma das horas e do que deixamos construido nelas. Depois do fim dos dias, seremos apenas o que deixarmos ficar da nossa presença no tempo que percorremos dentro e fora de nós. Nada acontece sem consequências, tudo é um princípio um meio e um fim. Cada gesto, cada palavra contam, fazem a diferença de um antes e um depois na distância que vai daqui a ali. A vida é esse contra-o-tempo em que corremos todos os dias de olhos fixos no relógio. Por vezes, perdemos tempo e envelhecemos nessa inconsciência. E quando damos por isso é tarde demais para regressar ao ponto útil das coisas, porque o momento certo não se repete, é único e quando acontece é nossa missão fâze-lo durar para toda a vida. Sensatez e sabedoria é perceber que o tempo que dispomos, que é tão pouco para o tanto por fazer, é valioso em cada segundo.

sábado, 25 de outubro de 2008

Escada

Zenmatt, Stairs, 2006

Subimos e descemos quilómetros de vida. Aqui e ali paramos e depois continuamos, nem sempre descansamos. Subimos e, por vezes, caímos. Descemos e, por vezes, escorregamos. Por vezes magoamo-nos e magoamos. Subimos e descemos quilómetros de incerto, de corpo tremido pela dor dos estilhaços da queda. Subimos e descemos em círculos e partimos e chegamos ao mesmo sítio incansavelmente. O caminho é uma escada em caracol, porque a vida não é uma recta. São montanhas e planícies que nos olham de frente como desafios à grandeza da alma.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Sem igual

Lawrence Ripsher, New Home, 2006

Sabes o que é tão único como o inexplicável do Amor? É encontrar em cada beijo teu uma nova casa com a dimensão de lar. Nos lábios que se queimam neste encontro de almas há uma transcendência que apenas alguns poderão testemunhar. Tenho a sorte de aprender contigo a vida e o que houver depois disso, se alguma coisa houver depois de nós. E se nada houver, viveremos em tudo o que ensinarmos agora. O que é urgente é este Amor infinito que torna caminhos de pedra em passadeiras de veludo. A minha pressa é apenas essa, percorrer-te passo a passo como um milagre que me faz maior por dentro e mais inteira pelo entendimento da verdadeira essência das coisas. E vejo-te crescer como eu e repouso nessa tranquilidade de quem tem a mesma terra debaixo dos pés. Sabes por que é, afinal, tão único e inexplicável o Amor? Porque nos abraçámos por debaixo da pele contra todos os improváveis. Que outra coisa existirá com a mesma força de infinito?

sábado, 18 de outubro de 2008

Noite e dia

Zenmatt, Wrong channel, 2008

Porque queremos tudo ao mesmo tempo e desejamos infinitamente o que não conseguimos ter no mesmo momento. Porque inventamos caminhos e pintamos de nós o céu e a terra por onde viajamos. Porque procuramos canções em que a rima vem de dentro e não da forma arrumada das palavras. Porque acreditamos uma na outra mesmo quando o que dizemos, desastradas, não faz muito sentido. Porque sabemos que não há vida sem nós porque tu e eu somos uma. Porque sentimos para além da pele a aflição da ausência e sabemos que sem nós morremos. Porque a vida só é vida quando o sonho existe. Porque vivo um sonho. Porque tu existes, porque te encontrei. Porque nos temos. Para sempre e mais um dia. Sweet dreams are made of this...

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Alimento

Jakob Ehrensvärd, Ice and water, 2004

porque sim, porque és tudo, porque te prometi e
amar-te é ter a ousadia de acreditar na eternidade
para além de nós nada existe
amar-te é caminhar inteira,
mais segura e mais verdadeira,
e encontrar-me e cumprir-me de corpo e alma

domingo, 12 de outubro de 2008

Quinta Dimensão

Jakob Ehrensvärd, Stockholm Gloom, 2005

Olho à minha volta e para dentro também. Observo as marcas, os rasgos na paisagem que vai mudando na sucessão dos dias. Tudo acontece naturalmente como uma queda de água durante o degelo que anuncia a Primavera. Tudo é tão inevitável, tão cheio e dramático também. À minha volta observo objectos envelhecidos e todas as outras coisas que, a seu tempo, chegarão ao fim maltratadas pela inevitabilidade dos anos que passam. O tempo envelhece por fora mas nem sempre por dentro, nem sempre nós e o tempo que nos assiste caminhamos em simultâneo. Nós, por exemplo, respiramos à margem do tempo e vivemos para além dele. Nós, por exemplo, rejuvenescemos por dentro ao cumprir cada beijo que nos falta dar, porque te devo, e tu a mim, todos os beijos que não demos antes de nos encontrarmos. Nós, por exemplo, abraçamos o Amor como se os dias tivessem pouca importância na força do abraço que é sempre mais intenso e mais demorado, imenso. Nós, por exemplo, não somos o tempo, somos a força de vontade contra a qual o tempo nada pode. Porque queremos passado, presente e futuro tudo na mesma hora, porque o que nos habita não é tridimensional. O Amor é a nossa dimensão de corpo e matéria sem fim.

sábado, 4 de outubro de 2008

Toda a vida

Katie Jones, 5th January 08

Se 'para-toda-a-vida' fosse uma paisagem, eu seria o farol a abraçar-te o caminho, a olhar-te por ti incansavelmente, da noite escura às manhãs cheias de sol, através do nevoeiro ou da transparência dos dias de cristal, sempre no mesmo sítio de porto seguro, de terra firme onde podes descansar confiante de que o nosso abraço vale a eternidade. Sou essa vontade de horizonte sem fim, de braços estendidos para um nós cada vez mais além, forte e infinito como tudo o que nos prometemos com absoluta certeza do que sentimos. Se 'para-toda-a-vida' fosse o instante de beijo apaixonado, eu beijar-te-ia com o desejo de quem te descobre os lábios pela primeira e última vez, como se não houvesse mais dias a não ser o momento exacto em que duas almas se encontram e se fundem num único corpo. O que tenho como certo é que 'para-toda-a-vida' é hoje e o que sabemos ser hoje, o que aprendemos agora, o que damos de nós livremente e recebemos com a mesma vontade. Vivemos no encadeado dos dias, sei que o resto da minha vida é feito de hoje e, hoje, eu aposto tudo.