quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Bom Ano...

Vincent Isler, Sands Of Time, 2010

Contagem decrescente... 
Que 2011 traga felicidade, com tudo o que a palavra felicidade inclui.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Votos de...

Anabark, Gelo, 2009

...FELIZ NATAL

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Aviso


FECHADO PARA OBRAS

Não há motivo para te importunar a meio da noite


Não há motivo para te importunar a meio da noite,
como nâo há leite no frigorífico, nem um limite
traçado para a solidão doméstica

Tudo desaparece. Nada desaparece. Tudo desaparece
antes de ser dito e tu queres dormir descansada. Tens
direito a um subsídio de paz.

Se eu escrever um poema, esse não é motivo para te
importunar. Eu escrevo muitos poemas e tu trabalhas
de manhã cedo.

Toda a gente sabe que a noite é longa. Não tenho o
o direito de telefonar para te dizer isso, apesar dessa
evidência me matar agora.

E morro, mas não morro. Se morresse, perguntavas:
porque não me telefonaste? Se telefonasse, perguntavas:
sabes que horas são?

Ou não atendias. E eu ficava aqui. Com a noite ainda
mais comprida, com a insónia, com as palavras
a despegarem-se dos pesadelos.

José Luís Peixoto

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Química de alcova


Vamos imaginar que é apenas um alcalóide natural, chamado Feniletilamina, que põe em acção a dopanima, a oxitocina, a norepinefrina, a serotonina e todas as outras 'inas' que desconheço mas que acontecem em mim durante um beijo teu. Vamos imaginar que é apenas bioquímica e que o estado de paixão não é mais do que a combinação de diversas substâncias químicas misturadas, sem esquecer as feromonas. Então por que é que os teus beijos são diferentes de todos os outros beijos que experimentei na minha vida? Por que é que os teus braços são mais à minha medida do que todos os abraços que me embrulharam antes? Por que é que só a tua pele é a pele da minha pele? E por que é o teu cheiro é único e inconfundível? Por que é que os teus fluxos de prazer me enlouquecem de sede como se não existisse outra água nem nunca tivesse existido? A endorfina que em mim se liberta quando as minhas e as tuas outras 'inas' se combinam é quase inexplicável, não fosse a ciência dar-lhe nome e um nexo causal. Hoje, recordando o estado de sítio dos nossos lençóis de ontem, lembrei-me de pensar cientificamente no assunto. Não cheguei a uma conclusão diferente daquela que, no estremecimento do prazer, te segredei, ao ouvido: 'AMO TU'.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Leituras do Desassossego

Rob Oele, See Buoys 5, 2010

O desassossego de Pessoa fez-me entender que 'o maior domínio de si próprio é a indiferença por si próprio' e que se pensarmos muito sobre a vida é porque estamos perto da morte e da agonia que é darmos conta de todas as coisas que não fomos e, como diz o poeta, 'não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram'. Viver é saltar muros e não erguê-los. E, mesmo que o poeta diga que 'a vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final', a verdade é que temos de viver com coração e o coração não pensa, o coração sente. Aliás, 'o coração, se pudesse pensar, pararia', e isso seria a morte. Há em mim 'uma vontade de não querer ter pensamento,(...) um desespero consciente de todas as células do corpo e da alma', uma vontade de vida absoluta e pura, concreta e definida pela certeza de um coração ingénuo e indomável. Porque 'amanhã também eu – a alma que sente e pensa, o universo que sou para mim – sim, amanhã eu também serei o que deixou de passar nestas ruas (...) E tudo quanto faço, tudo quanto sinto, tudo quanto vivo, não será mais que um transeunte a menos na quotidianidade de ruas de uma cidade qualquer'. E por isso entristece-me não viver a vida num só dia, dia após dia. As perdas de tempo são puro desperdício e desgaste de tudo quanto é belo na alma humana.

Extractos a sublinhado retirados do "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Levemente

Nealy Bob, Butterfly August 2*, 2007

Levemente, com a imponderável leveza daquilo que não se acaba te sonhei a vida inteira. Levemente, como quem chamou por mim, vieste ao meu encontro cheia de cor na alma, num dia cinzento diferente de todos os outros dias cinzentos de todos os invernos. Levemente vieste e ficaste em mim com a mesma cor do primeiro momento. Levemente cresci uma vida e um coração maior do que o peito para te abrigar. Levemente como uma flor que se balança ao vento me tornei prisioneira de um sentimento combinado de intensidade e infinito. Levemente me encostei a ti como a natureza se encosta à chuva e ao sol que a fazem florir. Levemente como um sopro de luz, um céu aberto de certeza, um querer constante e sem idade. Assim, levemente, como uma carícia que só as tuas mãos sabem na minha pele, eu existo e a ti me dou em Amor pleno, por inteiro, porque o Amor é essa leveza de sentir-te permanentemente em tudo o que sou e me descubro.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Intemporalidade

Bob Reynolds, The colors of the Fall #3

O futuro é uma floresta densa, virgem e livre e não um caminho plano, onde o horizonte se adivinha e tudo nos surge sem sobressaltos porque só caminhamos pelo que nos é conhecido. O futuro é uma missão, um compromisso com a vida, o futuro é caminhar livre sobre todo o tipo de terreno com a certeza de que vamos em frente, mesmo quando não fazemos ideia onde vamos, mas sentimos o prazer da caminhada. O futuro é o destino de um 'tu e eu' como nós. São os passos que damos lado a lado, o que tu andas e que eu ando também, o que eu avanço e tu avanças também que nos constrói o tempo, passado, presente e futuro. O nosso futuro é feito do que ontem conquistámos, do que queremos hoje e do que caminharermos amanhã. O futuro é essa vontade que nos embrulha uma na outra para chegarmos ao mesmo tempo onde quer vamos. E porque ninguém sabe realmente onde consegue chegar, porque o horizonte é uma miragem no coração de uma floresta, nós caminhamos convictas de que o mais importante não é a chegada mas a viagem que fazemos juntas. Porque nos cumprimos na partilha da paisagem, porque o futuro é um acto de fé e uma viagem de esperança. Porque o Amor é a nossa viagem sem fim, sem distância nem tempo. A intemporalidade do teu primeiro beijo é, para mim, uma visão luminosa de futuro.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Pisar o risco

Yves Rubin, Above And Beyond, 2010

Que maçada seria se a vida fosse apenas um traço contínuo, numa recta sem altos nem baixos, nem direcções alternativas! Se andar em círculos é um desperdício de tempo, seguir involuntariamente uma linha, só porque tem de ser porque é a ordem das coisas, é caminhar moribundo para um ponto indefinido, incerto, inconsistente, numa viagem que deixa de fora qualquer esforço de descoberta. E quando caminhamos pela vida sem o prazer de descobrir a paisagem, sentimos o corpo velho antes do tempo, privado do sobressalto de espreitar desvios que nos desvendem segredos e nos revelem o desassossego interior que nos faz sentir vivos. A vida que quero contigo é a aventura da eterna descoberta, porque não te sei completamente e quero aprender-te tudo. Quero o desassossego permanente de te adivinhar o jeito, o corpo e o pensamento. Quero que corras atrás de mim para me atirar da cama para o chão e do chão para a cama, no divertido reboliço ateado pela pele incendiada uma na outra. Quero que as nossas noites de corpo aceso nunca cheguem ao fim, porque o desejo é infinito e nunca fica satisfeito. Quero continuamente pisar o risco, contigo, sempre, sentir-nos em alto e baixo relevo, sentir-te à flor da pele e em profundidade. Arriscar. Desvendar-te uma e outra vez, mil vezes mil, e inventar-nos segredos para nos partilharmos infinitamente com o mesmo brilho no olhar de quem se apaixona pela primeira vez. Quero arriscar continuadamente contigo, pisar o risco ao teu encontro, ao meu encontro, ao encontro do que a vida tem para nós.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Um castelo de seda

Lester Weiss, Spider web in abandoned shed, San Francisco, Ca., 2004

A nossa casa é a luz que nos sabemos acrescentar na alma dia após dia. Porque é na alma que a vida se reproduz, se desenvolve e se estende ao que fica do lado de fora. Porque é na alma que devemos permanecer abrigadas, longe de todos os perigos, imunes aos temporais. Na alma viva nada é impossível, de tudo se recolhe força e vontade de ser maior. É na alma que nos devemos preservar e viver o que acreditamos sermos nós e o nosso sentido de existência. Muitas coisas se passam do lado de fora, muitas delas são ruído e distorção e nós sabemos que assim é. O que está do lado de dentro de nós importa como luz fundamental. A nossa casa são esses fios de seda em que nos embrulhamos indestrutíveis, como numa teia de aranha que, apesar da sua aparente fragilidade permanece eficaz e suficiente. A alma não tem paredes de cimento nem telhado. Porque a alma não tem limite, é tudo o que tu eu soubermos construir como a NOSSA casa, resistente e inviolável.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Supernova

 Lester Weiss, Modern Nature series

Logo mais à noite, as estrelas esperam por nós indiferentes ao céu de tempestade que se abateu desde a noite e durante todo o dia. A luz das estrelas, que não é de hoje mas de há muito tempo atrás, continuará cintilante, a iluminar-nos gestos, pensamentos, palavras e acções. Logo mais à noite, seremos nós a intemporalidade dessas estrelas e não há vento nem chuva suficientes que nos extingam a chama que vive de dentro para fora, quando somos um corpo só. Pele da minha pele, dirás tu, coração único, acrescento eu. Nem a noite invernosa nos arrefece o sentir que nos queima incondicionalmente e nos deslumbra como explosões de luz pelo universo fora.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Reacção em cadeia

Rob Oele, Streetart in the NL, 2004

Se fosse fácil, não seria um desafio. Se não fosse um desafio, seria entediante. Se fosse entediante, seria superficial. Se fosse superficial, seria dispensável. Se fosse dispensável, não seria importante. Se não fosse importante, não seria a sério. Se não fosse a sério, não faria sentido. Se não fizesse sentido, seria coisa nenhuma. Se fosse nada, nós não existiríamos. Mas nós estamos aqui e carregamos um universo inteiro entre as mãos. A minha força é a tua força e vice versa. A nossa força é um sentimento raro que, de tão simples, chega a ser de difícil convivência para quem não está habituado a reconhecer as suas infinitas possibilidades. Pode alguma coisa ser mais intensa do que sentir essa força ilimitada? Penso que não e acredito que concordas comigo.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Bip bip

Rob Oele, See Buoys 3, 2010

Saí à pressa de casa. Deixei coisas por fazer, desarrumadas, e outras tantas espalhadas pelo chão. Nem sei se me vesti completamente, nem reparei em nada a não ser nos ponteiros do relógios em nítida provocação. Saí à pressa de casa. Não sei se fechei a porta, se apaguei as luzes nem sei se trago comigo as chaves da porta para poder entrar logo mais à noite. Sei apenas que trouxe as saudades que tenho tuas porque me estão debaixo da pele, inevitáveis, constantes e incómodas como sal numa ferida. Corro pelo dia fora em carne viva, com a ansiedade de quem não sabe se o dia terá fim. Já passaram muitos dias desde que somos uma mas continuo ansiosa à espera de voltar-te como a vida que me corre nas veias, em tudo em que me cumpro e nos descubro em certeza e sentido.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Em contra-luz

Lester Weiss, Spilled oil, Mojave, Ca., 2004

Quando olho para o chão por onde ando encontro duas sombras paralelas debaixo do mesmo sol. Tu e eu. Quase inevitavelmente sigo às cegas as linhas que sei confluirem num mesmo ponto. Nós. Não estranhes a geometria descritiva de um percurso que não sabemos mas sentimos há muito tempo como nosso. Confia na sombra que segue à nossa frente com a certeza de saber por onde vai. Confia no movimento do sol que, dia e noite, se mantém num céu radioso, único, desenhado pela cintilância do que nos vem de dentro de forma tão inevitável. Temos a sorte de ser luminosamente recíprocas em qualquer estação do ano. Temos a sorte de termos um astro de luz na alma que nos descobre um mundo inesgotável que o Amor organiza à sua própria vontade.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Indisponibilidade

Rob Oele, Mysterious green device with rusty head, 2004

Caminho apoiada numa certeza que dá pelo teu nome. Se somos aquilo que sentimos, aquilo que sinto é absoluto e concreto, mesmo quando o chão é feito de areia e os pés me fogem, desarticulados. O meu caminho és tu em todas as direcções, mesmo naquelas em que me imaginas secreta, omissa ou apenas silenciosa. O que sinto e que te escrevo é o meu caminho definido pelos contornos que o Amor lhe desenha todos os dias, desde o dia que nascemos lado a lado. Pudesse eu ser mais concreta e definida para que me sentisses por inteiro neste desígnio que assumo tão completamente... Perdoa-me pela falta de palavras que me expliquem mais consistentemente. Perdoa o que falho em dizer, mas acredita na grandeza do que sinto sem limites de espaço e tempo, porque eu sou onde estiveres comigo, em qualquer parte ou mesmo num não-lugar.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Mundo insuficiente

Paulo Calafate, Canon G10 series, 2009
Não acho que o mundo tenha sido feito para nós. Não foi. Importa navegar pelo tamanho das ondas e não esperar o que procuramos, importa partir do nosso lugar e encontrar ilhas para sentir e querer mais do que o mundo nos mostar. O mundo não foi feito para nós. Importa, no peito, a coragem rumo à dor que houver para vir e dar sentido à viagem do que em nós temos por descobrir. O mundo não foi feito para nós. O mundo é feito por tudo o que somos capazes de alcançar, pelas ondas que persistem como vontade de navegar. Importa, antes de morrer, saber que tocámos quem nos tocou, que agarrámos o que sentimos e quisemos segurar. Partir em paz é ter, na alma, uma paixão alimentada por Amor. Viver é esculpir o mundo à nossa medida, dar-lhe a forma dessa paixão que nos segura, lado a lado, num imenso mar que somos nós numa só.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Já te volto, Amor

Roan Kneppen, f.o.m.-sandbox-538

Hoje de manhã tropecei num dia cheio de cores e fiz estragos por toda a parte onde passei. Os lençóis estão manchados de tons alegres e vivos como a intensidade dos nossos corpos um no outro. O tapete deixou de ser monótono, porque a cor explodiu sobre ele de uma forma rebelde e transformou-o num organismo quase vivo e cheio de opinião, acho até que andou a passear pela casa enquanto nós, pele na pele, viajávamos uma na outra. Pelo chão, manchas de tinta de cores diferentes desenham contornos que imagino serem os teus passos misturados com os meus, numa abstração perfeita que condiz harmoniosamente com a sintonia de duas pessoas que foram Uma durante toda a noite. As paredes desapareceram e deram lugar a quadros que nos observam e interagem numa espontaneinade surpreendente e impossível de descrever. Por todo o lado tudo é cor, a casa, o carro, as minhas mãos, os meus olhos nos teus. Esta noite acordámos todas as cores do mundo e pintámos um dia bonito por todo o lado. O Amor é esta forma abstracta de te procurar e de te encontrar de surpresa aqui, agora e daqui a um bocadinho, ou mais logo, ou ontem... amanhã, sempre. O Amor é esta capacidade de rir, escrever cartas cheias de histórias e tropeçar em tintas de cores diferentes sem medo de sujar o chão.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Paixão da alma

Lester Weiss, Cracked glass, bus in junk yard, Barstow, Ca., 2004

Sinto os olhos em estilhaços e a alma um pouco desfocada e vascilante, debaixo de vento forte. Passou por mim uma imensa tempestade. Não caí. Estou agarrada a uma ideia que é, no fundo, o meu sentido de existência. Uma ideia que me salva e que me organiza, mesmo quando os olhos se partem em pedaços e se espalham pelo chão. Não sei desistir da ideia do Amor. Não desisto dessa paixão que me alinha os dias desde que te encontrei. Não desisto de acreditar porque sei que existes e, sabendo que és, eu existo para ser contigo. Trago em mim esta ideia, como parte de mim mesma, a segurar-me o corpo, a alma e o coração contra a fúria das tempestades. Pode alguém desistir de uma ideia que nos materializa o sentido da vida? E se o Amor é a vida, pode alguém desistir da ideia apaixonada de amar e ser amado? Não. Não imagino o amor sem esse estado de paixão pela vida, essa urgência por quem se ama em estado de permanência no pensamento. Se é demais, não sei. O que sei é que a ideia apaixonada do amor que te tenho é sangue e oxigénio que me anima e me torna consistente. Desistir de viver apaixonadamente esta ideia não é possível.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Recados

Paulo Calafate, Photographing Everything Series, 2010

Quase sem dar por nada, encontrei um recado num bolso que nunca reparo que existe. E, porque hoje reparei, procurei-lhe sentido e encontrei. Era um recado simples, algo que escrevi para me surpreender a mim mesma no futuro. Fui à procura de outros bolsos de roupa e sacos e neles encontrei notas e apontamentos que falam de ti, de coisas soltas nossas, de instantes únicos e impressões de alma. Há pedaços nossos em todos os compartimentos, gavetas e bolsos interiores. Fui escrevendo em toda a parte para depois lembrar. Parece que escondi para descobrir e recordar. Não me lembro de o ter feito, mas há recados de nós por todo lado, de ontem, de hoje, e se procurar bem, de amanhã também. Lembro-me do que está escrito, passado, presente e futuro. Percebes agora porque passo tantas noites sem dormir? Para espalhar recados nossos, mensagens importantes sobre o Amor que nos viu nascer e se escreve a si mesmo nos cantos e recantos da casa onde somos incondicionalmente sempre.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

No fundo do mar

Patrick Smith, Point Reyes Light, 2009

Hoje espreitei o fundo do mar e senti-me pobre por viver à superfície. Aqui, sentada no conforto e abrigada da chuva, desejei ser peixe das profundezas, irresistivelmente luminoso numa escuridão sem fim, apenas quebrada pela vida desses reflexos de luz. Hoje deixei-me seduzir por esse mundo de diferença, onde tudo é ao contrário do que aqui existe ao sol. Porque a diferença seduz e torna tudo mais encantador. Foi assim que te vi pela primeira vez, como se fosses o fundo mar, onde eu nunca fui mas onde presssinto a vertigem e a sedução hipnótica da diferença, do desconhecido. E assim te vejo hoje quando nem suspeitas que estou a olhar. Gosto tanto da forma como me encantas sem saberes, nesses instantes em que te visito no fundo do mar.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Folhear o chão


Barry Green, Japanese Maple in Autumn 3, 2006

Hoje, quando acordei, havia um enorme silêncio no mundo inteiro e eu estranhei mas não soube explicar. Quando olhei à minha volta, por todo o chão do quarto havia folhas secas, caídas, imóveis à espera de vento que as levasse. Estranhei mas não soube explicar. As paredes continuavam brancas, as portas abertas e havia luz tímida e indefinida a entrar pela janela, mas, no quarto, apenas um chão de folhas se percebia, até a cama tinha desaparecido. Estranhei mas não soube explicar. Procurei-te um beijo como todas as manhãs mas encontrei a tua ausência como almofada. Estranhei e, só então, percebi o vazio que me visita quando o Amor não está em casa. Percebi que, durante a noite, coleccionei os milhares de folhas secas que jazem pelo chão, para escrever nelas frases soltas de histórias nossas, memórias, fragmentos de momentos que nos estão debaixo da pele. Escrevi também o teu e o meu nome em todas elas e não me lembro de ter dormido realmente. Quero mostrar-te cada uma das folhas quando chegares, para que acredites que me fazes falta, que a tua ausência é um silêncio imposto ao mundo, que as saudades são folhas mortas cheias de histórias de vida interior que transbordam o coração. Fica sempre comigo, mesmo que a vida se nos acabe fica em mim como tu, em mim, estás sempre.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Vivacidade

Bob Reynolds, The Colors of the Fall series

E por entre o que caminhamos, em cima e debaixo do chão, a vida impõe-se na sua espontaneidade florida, indiferente ao nosso humor, cheia de sentido. Quase milagrosamente passamos de um estado ao outro, de baixo para cima, na contemplação dessa força maior e inexplicável. Porque a vida é vontade e a vontade leva-nos onde quisermos se quisermos, de facto, lá chegar. Porque a vida é acreditar numa ideia e cultivá-la resistente, amadurecê-la e crescer com ela e por aquilo que nos é essencial. Ideias simples e identificantes de centralidade e pertinência, como o Amor. Esgota-se-nos a vida no dia em que perdermos a ideia de centro e divagarmos na secundaridade de linhas concêntricas. Como eu, já pensaste nisso certamente, por isso caminhamos de mão dada o permanente milagre da vida de um amor correspondido.

domingo, 12 de setembro de 2010

Formas condicionais

Jêrome Le Dorze, Vases series, 2010

Se eu pudesse punha-te dentro de um frasquinho portátil e levava-te comigo para todo o lado, se tu quisésses, claro. Se fosse possível tu e eu seríamos indivisíveis e assim não haveria horas mortas entre nós. Se tu quisésses, claro. Se pudesse ser, seríamos corpo e alma uma da outra e ocuparíamos exactamente o mesmo espaço visível e invisível, se tu quisésses, claro... Se eu pudesse abreviava estes condicionais que nos dividem em duas pessoas distintas e, sendo duas, seríamos uma. Se tu quisésses, claro. Temos o sempre do nosso lado e o Amor para vencer as condições do humanamente impossível.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Festejar-te

Rob Oele, 2008

E os anos passam e nós por eles navegando. Hoje, que é o teu dia, quero chegar, partir e voltar sucessivamente, numa viagem sem fim, a ti e contigo e desejar que passes por muitos anos e que eu navegue no mesmo mar, ao sabor do mesmo vento que nos empurra o coração na aventura de um amor infinito. Seguimos em frente, amarradas pela mesma corda robusta, cujo nó não desata porque, na nossa viagem, o sempre é um destino. PARABÉNS!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Mais e mais de perto

Rob Oele, A look at the sea, 2004
Por um instante, deixa-te ficar aqui, sentada ao meu lado, sem fazer nada, como se o tempo não existisse para além deste momento em que eu desenho a verdadeira extensão do mar com o horizonte de olhos que não alcançam mais do que o preciso lugar que ocupas dentro e fora do corpo. Não te mexas, deixa-te ficar assim, quase imóvel para além do respirar, para que tudo seja exacto, feito por medida, a nossa medida. Deixa-te estar, descansa por um instante e imagina os mil mundos que estão para além deste nosso ponto de fuga. Imagina tudo quanto existe e mais aquilo que podemos descobrir. Imagina tudo isso e mais aquilo que não cabe na nossa imaginação. É muito, não é? Respira fundo e anda, levanta-te, vem daí comigo até onde podermos ir com o desejo de infinito no coração e o Amor a puxar-nos pela mão. Meu Amor, nunca te canses de ir até longe comigo.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Recapitulando


Anabark, Braços ao vento (AGO2010)
No outro dia, enquanto tu não estavas à distancia de um abraço e eu ficava suspensa no contar dos dias, entrei no carro, no fim do entardecer, ausente do mundo a minha volta, e deixei-me surpreender por um pedaço de sol e gratidão da natureza reflectidos no meu retrovisor. Fiquei quieta com receio de desmaterializar o momento que me espreitava do lado de fora do vidro traseiro e, só a custo, acordei a ideia e recuperei o gesto para poder guardar a imagem dessa liberdade e sintonia que só existem na natureza e nos afortunados que experimentaram o amor pleno. Quando penso em ti, consigo definir dois ou três conceitos primordiais que nos distinguem enquanto espécie humana: amor, felicidade e vida. Não por lógica ou pensamento inteligente, mas porque sei que, contigo, aprendi coisas essenciais e porque, hoje, sou maior, muito mais e melhor graças ao que consegui aprender desde o momento que nos descobrimos uma na outra. E os dois ou três conceitos que julgo saber definir acontecem inseparáveis, vivo-os num só, porque se implicam reciprocamente. A vida não existe sem Amor e quem não ama não pode ser uma pessoa feliz. Porque o Amor é o princípio de tudo e o infinito da vida. Porque a felicidade é o estado que se alcança quando percebemos a importância dos braços que nos amam à nossa espera. Porque nada vale a pena sem esse sentido de dádiva desinteressada e livre. Porque a vida é, acima de tudo, um acto de amor. Não se vive em desertos áridos e num coração vazio e moribundo cabem todas as pessoas infelizes do mundo. És em mim esta clarividência das coisas.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Buraco negro

Black Hole

Este lado do infinito sou EU

Verdade absoluta

Patrick Smith, Maelstrom #3 (Kauai, Hawaii, 2009)

O outro lado do infinito és TU

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Pulsar


Gerla, Dreaming of a white christmas, 2009

O amor não é uma planície a perder de vista. O amor não é um horizonte plano onde não se passa nada para além da luz que alterna a noite e o dia. O amor não é um traço contínuo numa estrada nem uma linha recta geometricamente calculada. O amor não é branco que não é cor nenhuma mas ausência dela. O amor não é uma esfera, monótona, sem pontas por onde pegar. O Amor é uma montanha, alta, íngreme e agreste que nos faz olhar para cima e nos desafia a subir, na esperança de tocar o céu com a ponta dos nossos dedos e sentir os pés vitoriosos sobre a vertigem da escalada. O amor é um pedaço de gelo cheio de arrestas e muitos lados, uma forma prismática de perceber quem somos, o que vemos na complexidade dimensional que nos estrutura a existência. O amor é uma parede rugosa, irregular, viva e de personalidade difícil que não nos deixa encostar, que nos incomoda e nos faz reparar em coisas que nem suspeitamos em paredes lisas. O amor é velocidade, é cor, é estado líquido e estado sólido alternados e em simultâneo, é fogo e gelo, como uma ilha islandesa mais do que qualquer outro lugar no mundo. É um livro sem texto permanente, que se escreve a si próprio sem nunca chegar ao fim. Porque o amor é selvagem, cheio de tempestades, um movimento em espiral que nos leva numa viagem alucinante dentro e fora de nós. O amor é o infinito matemático, as casas decimais intraduzíveis. Amar é perceber que o Amor é acima de tudo um ritmo, um pulsar, um coração que bate, o milagre da vida na sua complexidade microscópica em que tudo se transforma, tudo evolui. Tu e eu somos vida, o reboliço que nos vem de dentro é Amor. Nem mais nem menos do que este perpétuo movimento de uma em direcção à outra. Sempre sem parar.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Menos é mais

Andrei Baciu, Haiku 4339, 2010

Reagindo à hiperemotividade e ao expressionismo abstracto da arte dos anos 50 e 60, o despojamento e a simplicidade do minimalismo deixa-nos perceber que menos pode ser mais. Não sei porquê, esta paisagem mergulhou-me no conceito como num sonho de pura objectividade...
'O minimalismo não se refere directamente ao conceito de "pouco", e sim de ampliar a essência do que realmente é importante, chegando ao ponto de tornar todo o restante dispensável perante o verdadeiro foco da criação, podendo ser dito como a redução da variedade visual numa imagem.' (Alexandre Aguirre)

terça-feira, 25 de maio de 2010

O todo pelas partes

Anabark, Parede Tripla, MAI10

A superfície de todas as coisas é feita de várias camadas. Todas distintas em testemunho de espaço e tempo específicos, como impressões digitais das experiências que nos constroem, umas boas, outras más, outras nem uma coisa nem outra porque não as recordamos com o pormenor de quem aprendeu algo pertinente. Camada sobre camada vamos construindo a pessoa que somos. O interior vai ficando cada vez mais para dentro, longe do que se vê de forma descuidada. O centro esconde-se sobre camadas de muitas coisas diversas, às vezes incoerentes, que reforçam ou condenam a essência pelo que condicionam a nossa forma de existir e ser no mundo dos outros. A superfície não nos define nem o meio nos explica simplesmente. Somos a soma do que trouxemos connosco ao nascer e o que nos vamos sobrepondo em camadas. Nem sempre fazemos sentido e muito raramente somos por inteiro as competências acumuladas. Mareamos por entre a expectativa dos outros e a nossa vontade. No fundo, a nossa maior liberdade é o espírito de contradição.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Na soleira

Glenn Franco Simmons, Flowers, 2010

À minha porta cresceram três flores de um rosa quase lilás que me impedem de sair. São inesperadas como o tempo mas estão lá, a marcar território, abertas ao vento e contentes, parece-me, por viverem mesmo em frente a uma porta, como um bom presságio ou um pensamento feliz à nossa espera do lado de fora. Não posso deixar de assinalar o inesperado e a falta de propósito da natureza que, de uma vasta porção de terra verde e fértil, escolheu um espaço limiar para se expandir por sua conta e risco.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Antinatural

Luc Tricot, How would you name this one, 2010

Hoje, que não é sábado nem feriado, apetecia-me organizar as coisas e partir como na semana passada. Voltar de férias é tudo menos motivador... O egoísmo de ter os dias feitos por medida é um prazer supremo que a 'alegria do trabalho' não consegue igualar. E aqueles que dizem que 'adoram trabalhar' são loucos ou não têm vida para além daquela que o ambiente de trabalho proporciona – não são ninguém, apenas uma ilusão que se mantém em horário de expediente. Ser o dia inteiro implica uma liberdade rara, um luxo, algo só atingível pelo dom da contemplação. Há ruído por toda a parte e distracções por todo lado - estamos demasiado habituados a acreditar que somos o que nunca seremos realmente. A liberdade de ser completamente é um estádio de evolução. Nascemos, morremos: talvez um dia, se tudo correr bem, tenhamos novas oportunidades.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Reticências

Dragomir Vukovic, All, 2010

Que acontece aos espaços em branco que ficam dos dias? Porque há dias incompletos e horas que não se esgotam totalmente no que esperamos delas. Que acontece a esses intervalos de tempo imaterial? Acumulam como pontos de um crédito impalpável para usar numa outra ocasião de maior conveniência? É confortável a ideia de que existem vazios, intervalos e branco, espaços de tempo disponível, alternativas de voltar a fazer e fazer melhor o que ainda não aprendemos totalmente, o que perdemos ou o que não demos conta que existiu. É importante agarrar essa possibilidade como fruta fora de época que nos desperta maior vontade, porque viver é mais do que tempo contado, universal. A vida é a subjectividade do espaço temporal que ocupamos combinada com o desejo de rosas quando não as possa haver. Se assim não fosse, o universo inteiro seria uma imensa maçada, porque a previsibilidade é cansativa e porque não vivemos realmente se sabemos invariavelmente o que vem a seguir.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Liberdade

Sanjibm, Flying in the wind, 2009

Free your mind and the rest will follow

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Se calhar hospital

S. Sabine Krause, A try at perfection, 2010


Hoje acordei mais envelhecida do que o habitual, hoje dói-me o corpo e o dia pesa demasiado. Deitei-me doente. Durante a noite senti a tua mão cheia de calor aninhar-me e o sono veio e levou-me. Ou então, acordada, esqueci-me de tudo, dos ossos fora de sítio e de nervos inflamados, debaixo da tua mão quente reparadora. Durante o dia, quando o corpo se impacienta dorido, regresso à palma da tua mão quente sobre a minha pele da noite anterior e aí me recomponho e restabeleço a força que preciso para chegar a casa...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Tu também não

Maria João Arcanjo, Theatre of the escape, 2010
Sou capaz de não ter razão. E tu também não. E talvez ninguém tenha a razão que quer ter porque é essencial acreditarmos em nós mesmos íntegros, sobretudo quando sobramos em fragmentos, onde não cabemos nem sabemos encaixar. Querer ter razão é uma procura de sentido quando nos apercebemos em pedaços, sem nexo, pelo chão. Sou capaz de não ter razão. Sou capaz até de nem saber o que é ter razão. Talvez não conheça, de todo, a razão. Talvez assim me justifique a minha intolerância e o desejo, oblíquo talvez, de razão. Ou talvez não. Talvez queira apenas aprender a reconhecer a razão e não teimar em tê-la simplesmente. Talvez a ti te seja indiferente a diferença, mas para mim são dois mundos à parte e um barco entre eles que não sei equilibrar. Não espero que percebas, entende apenas o esforço do meu querer, em ti e por nós, navegar.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Insatisfação

Aziz J. Hayat, Broken Metal, 2009
"Sofremos demasiado pelo pouco que nos falta e alegramo-nos pouco pelo muito que temos..."

William Shakespeare

terça-feira, 9 de março de 2010

Parece que é

Cosmo, Dusseldorf Hafen #2, 2009

No fundo, vemos o que queremos, da forma que melhor nos convém. A realidade será outra coisa qualquer, nem concreta nem definida, algo elástico, variável em função de factores inconstantes como a luz, o ponto de observação ou a capacidade cognitiva do sujeito, por exemplo. No fundo, nada do que parece é e de nada do que é realmente temos absoluta certeza. E ainda que acreditássemos na realidade tal como a observamos, erraríamos, porque a verdade é inatingível como a essência do tempo, que só usamos de forma conceptual por uma questão funcional e porque temos absoluta necessidade de medir o universo à escala humana. Porque não sabemos de onde viemos nem para onde vamos. No fundo, a dúvida define-nos como espécie viva. No fundo, a maior parte dos mortais não tem a menor ideia do seu propósito de vida. Respiram apenas um dia atrás do outro. A realidade é o que cada um conseguir perceber de si próprio na sua relação com o mundo. No fundo, o Amor é um estado avançado de percepção do ser.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Sobreaquecimento

Ilse Rehn, Secret Journey, 2010

Tocar o corpo a caminho da alma encontrada. Sentir o corpo com a intensidade da vida que o coração controla. Fundir a alma no mesmo compasso que nos descontrola o corpo. Derreter por dentro a queimar por fora. Ontem é também hoje e assim será deste lado do universo, onde tu e eu somos o espaço infinito de um corpo só.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Capricho da Natureza

deep-x, sem título, 2010

Continua a chover por todo o lado. A chuva passeia-se pela rua e dentro de algumas casas, não poucas, também. E de pouco nos adianta a saudade de dias de roupa leve e céu aberto e lento. De nada serve queixarmo-nos do corpo encharcado e cheio de frio que arrastamos todos os dias por entre os intervalos da chuva, vento ou as duas coisas ao mesmo tempo. O Inverno reina no tempo dele, indiferente à indignação humana. E nós queixamo-nos por haver estações do ano umas menos azuis do que outras. Queixamo-nos da falta de água quando a chuva não chove e, quando chove, achamos sempre que é em demasia, convencidos de que sabemos melhor do que a Mãe-Natureza em que quantidades deve vir e ficar o Inverno. Melhor seria preocuparmo-nos em pensar soluções para melhorar o tempo dos homens em vez de dedicarmos os nossos dias debaixo de chuva a discursos inúteis sobre a metereologia, cheios de queixas infantis e caprichosas contra aquilo que realmente não podemos mudar nem alterar de acordo com vontades, jeitos e conveniências... e ainda bem.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Antes de chegar

h-pom, untitled 093, 2010

Ponto de partida, de chegada, ou simplesmente porto de abrigo. Os dias são viagens numa viagem desconhecida. O destino pouco importa, é durante a viagem que acontecemos e que o mundo muda de sítio e nas voltas que o mundo dá multiplicamos a nossa oportunidade de crescer. Ser adulto é assumir a responsabilidade e o compromisso dessa evolução. O erro e o medo fazem parte da viagem, assim como a vontade de descobrir e de vencer os dias pela experiência e conhecimento adquiridos no dia anterior. E do medo se faz força e do erro sabedoria. Durante a viagem podemos escolher viver.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Viver com urgência

Misu Schwartz, Temporary Structure, 2010

Talvez não sentisses frio se te abandonasses à fome de viver e percebesses que o resto da tua vida não começa amanhã, mas ontem ou hoje o mais tardar. Talvez não sentisses frio se te permitisses essa urgência de sangue a queimar por dentro pela falta de tempo a que, inevitavelmente, todos estamos condenados pelo simples facto de nascermos e morrermos demasiado depressa.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Escrever de luvas

Anabark a partir de Mischa Bronstring, Lockedbibles, 2007

Hoje lembrei-me de ir buscar as polaroids que nunca tirámos à gaveta das coisas impalpáveis e publicá-las aqui ou arquivá-las noutro sítio, de acordo com a sua importância. Assim, a olhar para elas, percebo que são muitos os momentos que ocupam este armário a guardar dentro a memória do que somos e do que erámos quando tudo começou. Hoje, sem mais nem menos, lembrei-me de desarrumar a memória e reviver o tempo desordenado. Foi assim que passei o meu dia, não me apeteceu fazer mais nada. Porque está a chover e está frio, refugiei-me no cheiro reconfortante de um móvel de madeira imaginário cheio de coisas nossas quentes, momentos de agasalho de ontem, hoje e sempre, que nos embrulham até que as massas de ar frio, que lá fora sopram os dias, deixem de o ser.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Inesperado

Derek Pullan, Hawai'Ian Islands

Outra vez o beijo, o mesmo beijo, sem tempo, de sabor infinito, vivo, intenso a queimar para além da boca. O mesmo fogo no corpo e nos lábios... Outra vez, meu amor, hoje e daqui a um ano e sempre, essa mesma força infinita de um momento inesperado.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Horas de gelo

F-Pappenheimer, Starlight, 2010

Conto as horas gota a gota, o tempo estende-se, torna-se longa a espera. Reparto os grãos de areia que ficam entre o que eu aguardo e o que me separa. Conto sem fim o fio de areia que vejo esvaziar lentamente minuto a minuto. Espero. E tudo anda mais devagar no tempo em eu espero. As gotas de água que substituem a areia cansada de contar as horas quase se tornam gelo e suspendem o tempo na ponta das folhas das árvores. Tenho as mãos e o corpo frio, porque me fazem falta os teus braços durante as horas geladas que as gotas de chuva prolongam na distância em que não estamos embrulhadas e no tempo que, daqui até aí, nos demora o calor do abraço.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Chão de água

Rudi Kokic, Nirvana, 2010

E, caminhando o Inverno, o chão tornou-se água, que abraça os pés em toda a volta, como se fosse essa a forma de fazer entender que assim é mais fácil a caminhada. Aqui e ali encontramos pedras, reais e imaginárias, pequenas, grandes, do tamanho que nós lhe inventarmos à nossa medida. Aqui e ali perdemos o pé e estremecemos. Depois olhamos para baixo. A água continua a embrulhar-nos os pés, como se fosse essa a forma de nos fazer saber que a carícia translúcida das ondas nos faz ver melhor por onde vamos. De resto, pouco importa se o Inverno se mantém invernoso, se a maré sobe ou desce, se o ceú se abre ou escurece. Não faz diferença a quem tem a claridade de saber onde quer ir.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Dentro, uma janela

Jola Dziubinska, Frosty Diamonds, 2010

Nem sempre reparamos nos diamantes que tropeçam no nosso andar. Nem sempre perdemos tempo para contemplar a luz que nos ilumina, não a noite mas os dias por inteiro para além do tempo contado em unidades. Nem sempre estamos há altura de ver mais longe, para lá da matéria em que fixamos o olhar. Nem sempre encontramos a beleza onde ela existe sem senão - pura, translúcida, infantil. Perdemos tanto e percebemos quase tudo pela metade. Os olhos enganam-se e, às vezes, derrapamos numa cegueira continuada. Perdemos. Anoitecemos sem reparar. E o tempo foge mais depressa do que a nossa teimosia. O tempo é curto. Não nos espera. Vem, meu amor, à procura de tudo o que ainda não sabemos, e sabemos quase nada. A casa que construimos é o que nos falta descobrir e o que já encontrámos pelo caminho. A viagem é uma janela aberta virada para os diamantes que guardamos dentro e que nos oferecemos generosamente quando saimos à rua ao encontro uma da outra.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Podemos almoçar?...

Barry Green, Helical Pink, 2006

Não foi há muitos anos, mas já passaram alguns. Não temos muito tempo, mas temos uma outra vida. Podia ter sido ontem, lembro-me como se tivesse sido hoje, há poucas horas atrás. Podia ser amanhã e eu saberia reconhecer-nos, como me reconheceste da primeira vez. Seria fácil, como foi quando inesperadamente nos chegámos. Seria fácil hoje, amanhã, sempre. Porque há momentos instintivos, como nascer, respirar e morrer. Reconhecer-nos esse instinto de quem se acolhe na manta quente que corpo e alma sempre precisaram e nunca antes desse dia nos embrulhou, é renascer, crescer e viver. A vida só existe nesse acto instintivo que reconhecemos como Amor. Foi neste dia que te conheci e, reconhecendo-te, conheci-me. De forma inesperada, aprendi a respirar e a correr riscos pelo prazer de viver. Viver é amar-te e continuar a reconher-nos todos os dias.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A dimensão do básico

Cindy Diaz, Wiltered Flower, 2005

Espaço básico, a dimensão do que somos dentro de nós e não o espaço que apropriamos. Espaço básico. As fronteiras são por dentro e por dentro o espaço tem o tamanho da alma que nos anima. Na alma tenho-te a ti e a fronteira do que te quero não tem fim. O espaço básico do meu querer é um infinito de nós, sempre em frente um horizonte sem longe em que o abraço em que nos embrulho tudo torna perto aqui e agora. Neste espaço básico em que te enlaço não existem recantos abertos ou pontos de fuga. Tudo é amplo, tudo é desejo de mais. Maior e mais além. Porque nada limita o tamanho do coração. O que somos dentro do espaço que a vista não alcança, tem a grandiosidade de todas as coisas impossíveis de medir numa escala precisa. O que sentimos é palpável como espaço básico de existência. Por dentro existes como minha vontade infinita de vida.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A culpa é da vontade, amor da minha vida

Linda Mingay, Playing with FIRE, 2004

Uma canção que não me sai da cabeça quando penso em ti. 'A culpa é da vontade que vive dentro de mim e só morre com a idade, com a idade do meu fim':

A culpa não, não é do sol
Se o meu corpo se queimar
A culpa não, não é do sol
Se o meu corpo se queimar
A culpa é da vontade
Que eu tenho de te abraçar

A culpa não, não é da praia
Se o meu corpo se ferir
A culpa não, não é da praia
Se o meu corpo se ferir
A culpa é da vontade
Que eu tenho de te sentir

A culpa é da vontade
Que vive dentro de mim
E só morre com a idade
Com a idade do meu fim
A culpa é da vontade


A culpa não, não é do mar
Se o meu olhar se perder
A culpa não, não é do mar
Se o meu olhar se perder
A culpa é da vontade
Que eu tenho de te ver

A culpa não, não é do vento
Se a minha voz se calar
A culpa não, não é do vento
Se a minha voz se calar
A culpa é do lamento
Que sufoca o meu cantar

A culpa é da vontade
Que vive dentro de mim
E só morre com a idade
Com a idade do meu fim
A culpa é da vontade


ANTÓNIO VARIAÇÕES