quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Eclipse

Anabark, Passado (JUN05)

Perdi qualquer coisa que não vou encontrar no tempo dos achados e perdidos. Perdi uma parte de mim, não sei onde, que não posso restaurar. Perdi-te. Perdi algo indefinível, algures, num dia qualquer do passado. Perdi-me. Por detrás dos escombros, mantenho um fogo ardente no centro do corpo, que começa na cabeça e me incendeia a alma, que me queima por debaixo da pele, de dentro para fora, de fora para dentro, sempre e em toda a parte. Sentes-me como eu te sinto e, nesta nossa intensidade indecifrável, somos um eclipse do sol. Escurecemos o astro na imensidão do desejo que nos consome.

Nem tarde nem cedo


Porquinho Feliz (aka Senhora Saudades), PS: I changed my mind. Good luck. 2006

"...Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto..."

Só é tarde quando se acaba cedo o que se quis tanto. E o tanto que se acaba, tarde voltará a ser de novo. Quando cedo se descobre o que é tão verdadeiro e único, acaba-se a procura na certeza de que existe e que foi encontrado. Às vezes acontece ser maior do que o tamanho inifinito do coração e, quando se acaba sem deixar de querer, entardece a alma nas horas sombrias do fim que não gastam sequer a despedida. E quando se quer tanto a luz que se acaba, é cedo nos dias para adormecer e tarde na vida para esquecer. Não é tarde nem cedo para sentir o sempre de um querer demasiado.

"...Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza"


«Estrela da Tarde», Carlos do Carmo, letra de José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Adormecer-te

Theodor Severin, Sea and Sky

Se, nas noites que te deixam acordada, eu pudesse embrulhar-te a insónia e adormecer-te no calor que me conheces debaixo da pele, ficaria sem dormir só para embalar-te num poema feito de nós e das palavras que reinventámos num sentido original que escapou aos demais. Prescindiria do meu sono para ficar a ver-te dormir e a vigiar-te os sonhos para que nada te perturbasse, até acordares por ti e pela vontade de despertar e agarrar um novo dia. Ou contava-te uma história começada por 'Era uma vez...' sem meio nem fim, até sentir-te respirar um sonho feliz, embrulhada no meu abraço infinito sem noite nem dia. E eu ficava quieta, a olhar-te e a passear as pontas dos dedos pela tua nuca até o cansaço me vencer e adormecer também ao teu encontro algures, num sonho partilhado.
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E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

DAVID MOURÃO-FERREIRA

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Outro mundo

Jim Fentom - Sea Fog, Sunrise at 7 below zero, 2002
"...Neste curto espaço entre nós e a morte
onde me vais perdendo,
onde te vou buscando,
nosso amor se vai embora alimentando a despedida;
não porque morra o tempo em teus braços,
mas a vida"
Victor Matos e Sá, «Corpo de Esperança», 14
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Na fragilidade que nos une neste espaço que é só nosso e que ninguém sabe, despejamos o que nos sobra de um fogo que sempre dura. Neste espaço entre nós e o nada, sinto quando encostas a cabeça no meu peito e embrulho-te em mim como se existisses à minha beira. Não me incomodas onde me vais perdendo e onde te vou buscando sem nunca encontrar a pele que nos reacende em desassossego. Não morre o tempo em teus braços, porque os teus braços já não existem no meu tempo. Morreu a vida que nos segurava algo único e intransmissível. O sonho passa além deste poema, tão maltratado pelo amor que não foi suficiente para o tempo se esquecer de nós e a tristeza jamais nos aproximar. E se o longe e o perto são estados de alma, pergunto-te quantas vezes me procuras neste mundo que é só nosso e que mais ninguém suspeita? Quantas vezes esperas? Quantas vezes te sentes livre de me dizeres realmente o que sentes? Indiferente à improbabilidade de uma resposta, encontro-te no desejo que nos desassossega e que nos queima... sem culpa nem compromisso.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Imagina, como no cinema


IMAGINE YOU AND ME
Real. Ol Parker - GB, 2006


Lembrei-me...
Angell, a culpa é tua... :D

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Marcar a paisagem

Steve Cheetham, Still Standing, 2004

Fica sempre algo de nós na paisagem onde nos passeamos. Somos a soma dos passos que damos para a frente e para trás, para os lados, como somos também o tempo em que paramos sem saber ao certo por onde ir. Somos interrogações e certezas, uma de cada vez ou tudo ao mesmo tempo, mas não somos donos da verdade, nem sequer da nossa própria verdade, porque não somos o mesmo desde que nascemos até que morremos, unos e definidos. Somos muitas coisas diferentes em muitas pessoas diferentes também. Existimos na mudança dos dias e das estações. Aprendemos e crescemos no percurso da paisagem. Encontramo-nos e perdemo-nos muitas vezes na indefinição que nos sobra de nós. Quando não sabemos quem somos e não temos coragem de perguntar, sentamo-nos numa praia confortável que não nos dê muito trabalho a pensar. Quando queremos mais do que isso, procuramos a resposta e edificamos com maturidade marcas na paisagem que percorremos passo a passo, numa cadência respirada. O desassossego da verdade que procuramos faz-nos crescer e torna-nos mais fortes. Saber quem somos aguenta-nos de pé na paisagem da vida.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Teste de personalidade

Lo Res, Duplicity
Roubei a ideia à SK... :)
Diz o teste que o meu tipo psicológico é:

ISTJ - Introversão Sensação Pensamento (Thinking) Julgamento


Você é uma pessoa tranqüila e reservada, que preza a segurança e a paz. Você tem um forte sentido de dever que lhe dá um 'ar sério' e a motivação para cumprir tarefas. Organizado e metódico ao fazer as coisas, você geralmente consegue cumprir qualquer actividade ou tarefa que assume. É muito leal, fiel, confiável e que valoriza honestidade e a integridade ao extremo. Você é o típico 'cidadão exemplar', em quem se pode confiar que fará o que é correcto para com a família e a comunidade. Mesmo que leve tudo o que faz a sério, você também tem um sentido de humor meio descompassado, podendo ser uma pessoa muito divertida, especialmente em festas, encontros de família ou do serviço.
Tem tendência a confiar nas leis e na tradição e espera o mesmo dos outros. Não se sente confortável em infringir leis ou em ir contra regras. Se lhe dão uma boa razão para deixar de fazer as coisas da maneira que está habituado, você apoiará essa nova maneira. No entanto, tende a acreditar que as coisas deveriam ser feitas de acordo com procedimentos e planos. Se você não desenvolver seu lado intuitivo o suficiente, pode ficar obcecado com estrutura, insistindo em fazer as coisas seguindo as regras e procedimentos à risca.
Você é extremamente confiável e fiel cumpridor do que compromete a fazer. Por essa razão, as pessoas têm tendência a empilhar mais e mais trabalho “nas suas costas”. Como você tem esse forte senso de dever, pode ter dificuldade em dizer “não”, mesmo que já tenha trabalho mais do que suficiente para se ocupar. Por isso, provavelmente acaba (ou acabará) a fazer horas extraordinárias no trabalho, pelo que deve precaver-se para que outras pessoas não tirem proveito de si.
Você pode trabalhar por longos períodos e gastar bastante energia em qualquer coisa que acha importante para o cumprimento de uma meta. Entretanto, você resistirá e não se esforçará numa tarefa ou actividade se ela não lhe fizer sentido ou se não conseguir ver nela uma aplicação prática. Prefere trabalhar sozinho, mas também trabalha bem em equipa, se for necessário. Você gosta de ser responsável por seus próprios actos e de estar em posições de autoridade. Você não usa muita teoria ou pensamento abstrato a não ser que haja uma aplicação prática clara. Você respeita o que considera como “factos”, tendo uma tremenda quantidade deles armazenada em memória, que foram absorvidos através dos seus cinco sentidos. Pode ter dificuldade em entender uma teoria ou uma ideia que seja de uma perspectiva diferente da sua. Porém, se alguém que você respeita, ou com quem você se importa, consegue mostrar a importância ou a relevância dessa teoria ou ideia, ela torna-se num facto que você irá interiorizar e apoiar. E uma vez que você apoie uma idéia ou uma causa, não medirá esforços para garantir que cumpre o seu dever de ajudar quem precisa de ajuda.
Não é normal que você esteja em sintonia com seus sentimentos e com sentimento dos outros, podendo ter dificuldade em identificar as necessidades emocionais dessas pessoas num primeiro momento, pelo menos da maneira com que elas são expostas. Já que você é uma pessoa perfeccionista, tem uma tendência a não valorizar suficientemente os esforços das outras pessoas, da mesma maneira que não valoriza seus próprios esforços. Assim, deve lembrar-se de dizer às pessoas o quanto aprecia os esforços delas e encorajá-las de vez em quando.
É provável que você se sinta desconfortável a expressar afecto e emoções na frente de outras pessoas. No entanto, o seu forte sentido de dever e a sua capacidade de perceber, em qualquer situação, o que precisa de ser feito, permitem que você se torne uma pessoa menos reservada, dando apoio e carinho às pessoas que você ama. Assim, esforça-se para suprir as necessidades emocionais daqueles que lhe estão mais próximos, uma vez que você as reconhece.
Você é extremamente fiel e leal. Tradicional e voltado para a família, esforça-se ao extremo para garantir que as coisas na sua casa e na sua família andem bem. É um pai ou mãe responsável, que leva suas tarefas paternais ou maternais com muita seriedade. Pessoas como você são óptimas provedoras de segurança financeira no lar. Importa-se muito profundamente com aqueles que lhe são próximos, apesar de, normalmente, não se sentir confortável em expressar este amor. Na verdade, prefere expressar seu afecto através de acções em vez de palavras.
Você tem uma capacidade imensa de pegar qualquer tarefa e defini-la, organizá-la, planeá-la, e implementá-la, até que a considere cumprida. Você trabalha muito e não permite que os obstáculos que apareçam no seu caminho impeçam de cumprir com as suas responsabilidades. Você, geralmente, não se valoriza o suficiente as suas conquistas, uma vez que as entende como um simples cumprimento das suas obrigações.
Você tem uma óptima noção de “espaço e função”, e manifesta uma apreciação artística das coisas. Assim, é provável que mobile sua casa com bom-gosto e que a mantenha de forma impecável. Você tem uma noção precisa de seus sentidos e quer estar em ambientes que se encaixam na sua necessidade de estrutura, ordem e beleza.
Em situações de stress pode entrar num “modo-catástrofe”, em que não vê mais nada para além de todas as possibilidades de coisas poderem dar errado. Você também fica a "remoer-se“ por coisas que poderia ter feito de uma maneira diferente ou que não conseguiu executar.
Mas em geral, você tem um potencial gigantesco. É uma pessoa capaz, lógica, racional, eficaz e com um desejo profundo de promover a segurança e a paz. Noutras palavras, você tem o que é preciso para ser uma pessoa altamente eficaz em atingir suas metas, quaisquer que elas sejam.

Atitude: Introvertida
Temperamento: Guardião
Atitude (segundo Spranger): económica
Elemento: terra
Fonte de alegria (Aristoteles): aquisiçoes
Simbolo mitologico (segundo Paracelso): gnomos (trabalho)
Temperamento (segundo Galen): colérico

Sua oração: "Senhor, permita que eu seja menos detalhista a partir de amanhã às 11:41:32 AM"


Enfim, sou perfeita... já sabia! ;)

Pirata

Anabark, Entre o mar e a terra (JUN05)

Avançando pela areia dos dias, regresso ao mar onde nasci, àquele mar que não começa onde a terra acaba, porque ninguém sabe o príncipio nem o fim do mundo. Parto num barco pirata e regresso ao mar sem margens, ao imenso azul que não se esgota na reflexão do céu e que continua para além do horizonte. Regresso aonde o chão me fugiu. Procuro-me em várias ilhas que me encontram e deixo as estrelas indicarem-me um caminho. Num mapa antigo, rasgado pelo vento da viagem, só havias tu, mas tu ficas do outro lado do mundo, onde o meu barco não chega nem o vento me empurra. Por vezes, adormeço ao leme e descubro-me em novos mundos de terra firme. Por lá me passeio e me retorna a pressa de partir para lugares onde não me prometi. Às vezes sonho que sei chegar ao outro lado do mundo e, na minha imaginação, abandono-me a essa vontade de marear no impossível. Ninguém sabe por onde ando, só, talvez, tu e quem me apanha distraída.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Fatalmente

Marlene Dietrich e Gary Cooper em «Morocco», de Joseph Sternberg (1930, EUA)

Um simples olhar pode ser ser quase tudo e deixar quase nada. Nos olhos que se encontram sem palavras e desvendam a alma de alto a baixo, acontece a magia, quase cinematográfica, do que fica para sempre de uma explosão de sentires inexplicável. Os olhos são armas perigosas, umas vezes porque nos descobrem mais do que queremos revelar, outras vezes porque doem pelo nada que têm para dar. Em ambos os casos, olhares fatais que, mais do que a carne, a alma sente como ecos de catedral ou frias lâminas de punhal. Olhos nos olhos amamos e caímos, mostramos o que somos e o que sentimos. E por vezes fugimos. O que seduz mata, se não tivermos cuidado. Aprendemos no cinema a fatalidade do jogo que, para além de uma hipótese de beijo, também sabe dizer 'I changed my mind. Good luck.'...

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Só sei hoje

Michel Corboz, Thank God, it's Friday



Amanhã? Sei lá. Olho as horas do presente como o 'agora' que são, não invento 'amanhã', porque amanhã é longe demais e não sei se lá chego. Para que hei-de perder o momento a pensar numa ideia concebida como uma medida de tempo? Sonhar não é imaginar amanhã, não pode ser, seria fácil demais, seria fugir a hoje e assim perder o instante real. Prefiro sonhar o presente e fazê-lo acontecer, construir cada segundo com cuidado e com uma vontade que escapa ao sentido dos ponteiros que medem os dias. Sonho o que existo em tempo real, sonho cumprir-me em cada minuto de hoje. Sei lá se existe mais alguma coisa para além do dia de hoje? Enquanto amanhã não chega por que não viver a vida num só dia?

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Aconteceu?

Inês, Derivações, 2007

DARK CITY
Real: Alex Proyas (EUA, 1998)
John Murdoch (Rufus Sewell): I know this is gonna sound crazy, but what if we never knew each other before now... and everything you remember, and everything that I'm supposed to remember, never really happened, someone just wants us to think it did?
Emma Murdoch (Jennifer Connelly): But how can that be true? I so vividly remember meeting you. I remember falling in love with you. I remember losing you.
Emma Murdoch: I love you John, you can't fake something like that.
John Murdoch: Yes, you can.

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Só isso é tudo

Anabark, Lá em baixo (JUN05)

Navego-te num mar revoltoso feito do que não foi suficiente para quereres ficar. Não posso mudar o que sou e aquilo que sou é o que não aceitas viver comigo. Não posso mudar o que sou e, mesmo que pudesse, não mudaria, nem mesmo por ti. Sei que sou suficiente para apostarem tudo em mim, ainda que tu penses o mundo de outra maneira. No princípio eras mais, depois foste ficando mais pequena, igual a toda a gente que só vê à superfície. No princípio eu também era mais, acreditei no mundo contigo sem condições, sem tempo nem distância. Hoje desconheço-te e desconheço-me também. Sinto a alma mais pequena, insensível ao que nos cresceu no coração. O que é o amor senão a forma como nos prometemos e nos damos a alguém? Quando dizes que não queres o que as palavras confessam, é porque não sentes o suficiente. O meu amor é do tamanho da minha incondicionalidade, um mar sem fim. Navegas-te num mar de culpa que eu não sei se percebi. Talvez te culpes do que me rejeitas, do que te recusas ou do que ainda sentes por mim. Acredito no brilho dos teus olhos e é só isso que me prende a ti. 'Só isso' digo eu, 'só isso' é tudo! Não espero nada de ti, não tens nada para me dar a não ser essa vontade urgente que me confessas de desistir de me amar. Não te sintas culpada com uma esperança que não tenho. Quanto ao que sinto, aproprio-me das tuas palavras "estás e estarás sempre comigo (...) Já só encontro as memórias e encontro-me a mim perdida nelas. Porquê? (não precisas de responder, eu sei a resposta)". Encontro-te vezes sem conta nas memórias que revisito só para te dizer porquê...

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Longe

Ann Lt, Sprayed


Azul é para dentro, no céu do passado que a alma segura. O mesmo azul com que me olhas. O gelo vai derretendo nos momentos em que me esqueço do bater do coração. E quando fico sozinha comigo mesma, regresso ao encontro de quem me fez viver uma vida inteira em dias contados. E nunca fico verdadeiramente sozinha. Por dentro existe a minha outra parte separada de mim que reencontro na colecção de memórias do amor em que existi. A minha melhor parte mora na minha cabeça sem descanso noite e dia. Distraio-me à procura do que foi e acordo quando te oiço dizer 'O teu longe é tão para dentro que, por vezes, duvido que regresses de ti mesma'. E fico de olhos tristes a marearem nos teus azuis de céu que me esperam pacientemente, com a devoção de quem me quer salvar do gelo em que adormeço. Depois sorrio quando me aqueces e, num sussurro doce, me dizes 'Ainda bem que voltaste'.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

O diabo no corpo

Bruce Berrien, Sensualitree, 2004

Nos braços que acolhem este vazio que procuro disfarçar há uma vontade de vida e uma promessa de tudo dar. Nos beijos que acolhem os meus lábios em desassossego há um querer ficar e um gostar sem medo. No corpo que se entrega ao meu há um fogo que me incendeia e me interrompe um outro desejar. Saboreio a pele que me queima no momento em que me entrego ao prazer de quem me deseja por inteiro. Fecho os olhos e abandono-me ao que se espera de mim. Respondo com a intensidade da carne incendiada. Não descanso nem deixo descansar. Sinto um fogo antigo a espreitar-me que tento segurar. Dou o que recebo no meu corpo do corpo que me quer guardar. Não resisto e embrulho nos meus braços essa entrega de quem tudo tem para dar. Escondo a alma para que o azul dos olhos que me beijam não a sintam ausente numa ilha de passado. Dou o que tenho para dar. Prazer. Despido de tudo o que não encontro em mim. E digo 'abraça-me só com a força com que gostas de mim'. Gostar não é amar. É melhor assim. Não quero mais do que tenho para retribuir.

Eu mais!


Inês, Poema II, JAN07

Bebe-se a coragem de um copo vazio e a vida segue o seu caminho desamparada ti, mas contigo nas entrelinhas. Existes quando eu te pensava perdida. Só não te encontrei porque te perdi. Ganhei uma vida inteira no pouco tempo que tivémos e depois de ti morri. Continuo a existir nos dias e no que o teu coração sabe guardar de mim. Existimos no passado e no que ainda não morreu em nós. Sinto-te hoje como ontem e acredito no brilho dos teus olhos quando me olhas com a alma que te conheci. E enquanto sonhas em sintonia com o meu querer, vou desenhando em teu redor palavras que tu adivinhas. Tudo o que escrevo tu sabes de cor e tudo o que sinto tu sabes também. Recordo-te nas palavras que celebraram um dia nosso que será para sempre. Os beijos que ficam por dar existem na memória do beijo que guardo como o único da minha vida, aquele que me fez fugir o chão, o teu beijo num dia de coragem que nem o tempo fará esquecer. Deixar de amar-te não sei. E apesar de tudo, sei que me amas também. 'Será que algum dia isto nos vai passar?', perguntas tu. Não, digo-te eu. O que é verdadeiro e intenso nunca se apaga e somos maiores por isso. O que o coração escreve nunca se esquece e o meu dessassossego permanece. É coisa minha, a culpa não é tua. Tu aí e eu aqui encontramo-nos na palavra 'Amo-te'... Eu mais!

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Terr' à Terra


‘I was born when she kissed me. I died when she left me. I lived a few weeks while she loved me.’

Dixon Steele (Humphrey Bogart)
«In a Lonely Place» / Matar ou Não Matar, de Nicholas Ray, 1950, EUA

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Mentiras

Anabark, MM Blue (FEV07)

O que é mentir?
É fingir que sentimos?
É pensar que sentimos?
É fazer acreditar que sentimos sem sentir?
É enganar sabendo que não sentimos?
É simular o que não sentimos?
É sentir por alguém o que não sentimos na relação que escolhemos?
É recalcar o que não queremos sentir porque não é conveniente?
É mentirmo-nos desistindo daquilo que se sente?

Desafio

Anabark, Noite de Chuva e Luz (FEV07)

Entre o vidro e a luz que encaminhava a noite havia gotas de chuva. Sempre a mesma coisa, pensava eu, sem saber muito bem porquê. Nunca é a mesma coisa, não verdadeiramente. As pessoas não são coisas e o tempo não se repete. Logo nunca é a mesma coisa, ainda que a história nos possa parecer semelhante. Eu estou no mesmo sítio, entre o vidro e a luz do caminho em frente, como as gotas da chuva iluminadas que deslizam pela superfície transparente. Já pensei muitas vezes e nas viagens que faço entre o cá e o lá, não saio do mesmo sítio. Sempre a mesma coisa isto que sinto. E oiço vozes que dizem o meu nome como o único nome no mundo, com veludo na voz e um querer genuíno. Oiço com atenção e quando respondo deixo falar o coração sem disfarçar o que sente - a mesma coisa de ontem, do dia anterior também e de há muitos meses atrás. E desculpo-me por isso, mas mentir sobre o que sinto, não minto. Alguém me diz: 'you are perfect the way you are', enquanto me fixo no azul dos olhos que me tentam encontrar. Rio-me para dentro - não, ninguém é perfeito, só talvez as gotas de chuva, livres e cheias de luz da noite.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Aproximar

Porquinho Feliz (aka F.), You are perfect the way you are, 2006

Aproximou-se e quando já estava muito perto disse: 'Deixa-me dar-te o abraço que te prometi antes de te conhecer.' Sorri e não disse nada. Surpreendida e silenciosa, senti-me embrulhada por uma força qualquer... quente, misteriosa. E nos braços que me embrulhavam vinham palavras penduradas em voz baixa, que ela deixou ficar junto ao meu ouvido: 'Abraço-te com a força com que gosto de ti.' E eu não disse nada porque não sabia o que dizer. E senti-me ultrapassada por aquilo que escrevo e o que sinto nas palavras que partilho. E continuei sem dizer nada, a pensar o abraço inesperado e a forma desabraçada com que reagi. Fiquei assim durante algum tempo e quando deixei de pensar, disse-lhe:
- 'Gosto de ser gostada e que me gostes assim. Mas peço-te, não te apaixones por mim.'

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Na calada da noite

Michel Corboz, Goutes - Reflects de la rade de Genève

Não durmo, adormeço de vez em quando. Não sonho há muito tempo. Não mato saudades a dormir. Acordo com saudades que chegam sempre até ao fim do dia e, depois de um intervalo de noite, regressam na manhã seguinte e por aí a fora. Não sonho contigo e quando, inesperadamente, isso acontece, todo o enredo é um pesadelo mais contragedor do que a própria realidade. Talvez por isso, algo em mim, que não controlo, desistiu de te sonhar. Continuo sonâmbula pelos dias, mas à noite regresso-me com alguma tranquilidade. A noite obedece-te no que esperas de mim, cumpre-se o teu desejo de distância absoluta entre nós. À noite, tu e eu somos passado arquivado. Quando adormeço não te encontro e estranho. Não deveria ser ao contrário? Deixar-te de dia e revisitar-te durante a noite em sonhos de final feliz? Sonhei-te tantas vezes acordada no tempo em que te tinha, que esgotei todas as possibilidades de, depois de adormecida, a noite te trazer de volta. E é estranho adormecer à noite quando sinto que ainda não acordei completamente do que conseguimos ser felizes entre o sonho e a realidade.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Linhas de razão

Evert Blink, mra1b - normal brain

Sabendo que a linguagem é uma armadilha, tantas vezes incontornável, o conhecimento que vamos somando das pessoas devia ser um caminho seguro para evitar a estupidez que as palavras desligadas de contexto projectam. E já que, quando falamos com alguém, não podemos abrir parenteses para dar definições que tornem claros os nossos conceitos, é importante compreender que o nosso cérebro é um sistema dinâmico e criador que, para além de assimilar o que lhe é proposto, pensa, interpreta e gera a sua própria informação. Ou seja, enquanto processa o mundo exterior, forma ideias sobre ele, o que quer dizer que impõe constantemente a sua própria verdade ao mundo exterior.
Esta actividade autodinâmica que nos distingue das outras espécies, como se dentro da nossa cabeça morasse Deus - no sentido em que não somos meros escravos do corpo nem do que aprendemos, temos poder criador, temos ideias, criamos e recriamos a realidade -, por vezes, engana-nos com verdades irrefutáveis, que não são únicas, porque não há verdades únicas, e, nesses momentos, o outro nunca tem razão. As coisas pioram quando um estado emocionado selecciona e descontextualiza informação. Então perde-se o fio à meada e gera-se uma bola de neve de confusão que nos arrasta para longe do princípio das coisas.
Como foi que tudo começou? Deixamos de pensar nisso. Criamos o absurdo e o ilógico que nos parece útil e apropriado para contrapôr. Não paramos um minuto para ter ideias melhores do que aquelas que um cérebro contrariado e confuso dispara. São momentos tristes. Se fôssemos verdadeiramente inteligentes, pensávamos nisto tudo antes de deixar partir a bola de neve do que não sabemos compreender, avaliar e reformular. Somos miseravelmente estúpidos na nossa impetuosa arrogância. Para que nos serve a cabeça afinal?...
Aquilo que mais me entristece são as conclusões apressadas pelo descontrolo. Significa que nada do que aprendemos é suficientemente útil para nos fazer parar um comboio descarrilado do que julgamos ser sem que o seja realmente. Nada nos vale ou é suficiente para entender o que está em causa, que, às vezes, não é nada.
E assim, quando penso em ti e no que hoje não somos, concluo que de nada valem as palavras bonitas e o amor que te dedico, porque dá-me a sensação que o bem que me queres é pouco e muito frágil. Por uma qualquer razão inexplicável, deixaste de aprender. Desististe de TE aprender por opção e eu tenho de desistir do que não é e voltar a ser noutro lugar dentro de mim.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

BDSM sem Marquês de Sade


Porque insistiram e porque cumpro sempre aquilo que prometo, aqui fica o relato da minha primeira aventura no estranho mundo BDSM. Depois não se queixem que não foram avisados.

Numa tarde sossegada de Novembro último, estou eu no meu gabinete a fingir que trabalho e toca o telefone. Do outro lado oiço a voz de uma amiga minha (S.) que, sem rodeios e muita descontracção, vai directa ao assunto:
S - Tu não te importas de sair com o meu marido no sábado à noite?
Não levei a sério a proposta e soltei uma gargalhada que ela interrompeu dizendo:
S - Olha lá, tou a falar a sério! Tu és tão maluca como ele, estão bem um para o outro e tenho a certeza que só tu para o acompanhar na maluqueira que se lhe meteu na cabeça agora!
E vai daí pede-me para acompanhar o marido (que me acha muita piada...) a uma festa sadomasoquista, ou melhor, BDSM e Fetichismo (com dress code e tudo) - para quem não sabe, o B é de Bondage (desculpem mas não sei como traduzir isto), o D é de Dominação, o M de Masoquismo e o S de Sadismo. E eu, que até gosto de roupa de cabedal e de me vestir de preto, aceitei (por curiosidade científica, mais nada), apesar de achar que a minha amiga não devia estar muito boa da cabeça para me pedir para sair com o marido, sabendo que ele me acha MESMO MUITA piada. Eu ainda lhe disse:
Eu - Tu não achas que isso é uma proposta indecente nem nada, uh? Não tens medo de ficar sem marido?
S. - Não, tenho mais medo de ficar sem a amiga. O marido é livre de fazer o que bem entender.
Eu - Hahaha... Pronto, tá bem eu vou, já que és tão jeitosa a pedir...
S. (muito acelerada) - O J. vai ficar tão contente, está sempre a falar em ti, adora-te. Vou ligar-lhe e depois ele liga-te e vocês combinam.
Meia hora depois, liga-me ele. Convém dizer que o J. viveu durante alguns anos nos EUA, é um gajo muito despachado e de mentalidade arejada, coisa que a S. nem por isso. Estão casados há 3 ou 4 anos e têm um filhote de 18 meses. Lá pelos EUA, o J. já tinha frequentado umas festas sadomasoquistas, porque é muito curioso (palavras dele) e porque aprecia muito a parte visual da coisa (e por isto entenda-se que gosta de gajas em lingerie de cabedal e espartilhos de vinil e latex, etc). Estava morto de curiosidade para ver como seriam essas coisas à portuguesa, mas a S. não acha piada nenhuma a estas 'fantochadas de gente doida', por isso, quando ouviu num programa de rádio falarem de uma festa BDSM em Lisboa, ficou muito entusiasmado e pensou logo que eu iria alinhar em ir com ele (boa J., acertaste). Combinamos convidar mais um ou dois amigos para fazer número e explicou-me que tinhamos de ir vestidos a rigor ou então de preto integral. No problem. Nesse mesmo dia lembrei-me de convidar uma amiga, a I., que é uma gaja sempre pronta para alinhar em brincadeiras e novas aventuras, sejam elas saltar de paraquedas ou, simplesmente, mostrar as mamas em público (ou apalpar as minhas). No entanto, era a sua estreia em festas sadomasoquistas.
No dia da festa, jantámos no Taborda, na Costa do Castelo, o J. veio ter com a gente depois de jantar com a família e seguimos a pé para o Santiago Alquimista, local que acolhia a festa que, por acaso, era privada, porque o Santiago Alquimista é um espaço nocturno respeitável e não um antro de perdição, caso estejam já a pensar isso. Estavámos lindos, passámos pela primeira barreira de gente vestida a rigor sem dar muito nas vistas, pagámos a entrada, recusei a deixar o casaco no bengaleiro (este pormenor é importante mais adiante) e entrámos no espaço fabuloso que é o Santiago Alquimista.
Pois bem, aquilo estava irreconhecível. Duas centenas de pessoas, vestidas a preceito, alguns oscilando entre cópias do Marilyn Manson e skinheads sadomaso, muitos fetischistas e algumas dominatrixes e escravos com coleira e trela e híbridos semi-nús e coisas não fácilmente identificáveis, passeavam-se ora pelo palco ora pelos dois andares do clube. A música estava fantástica, techno-industrial do melhor, com um DJ que sabia bem o que fazia, e o calor insuportável.
No palco vários aparelhos montados, uma cruz e algumas cordas penduradas iam sendo usados por 'especialistas' convidados para fazer pequenos números artísticos e didáticos de algumas das práticas SM mais soft. Eu estava profundamente desiludida porque as demonstrações (provincianas) no palco não me convenciam, o J. muito feliz porque havia latex e vinil everywhere e a I. ia aproveitando o momento, pura e simplesmente. E depois havia os cromos que, claro está, vieram ter com a gente, mas de forma inofensiva.
E eu cada vez mais a destilar com o calor que ia aumentando com as pessoas que já eram mais de quinhentas, as luzes, a música e o ambiente. Fomos mudando de sítio para ter outra perspectiva do palco e não só e acabámos num canto do primeiro andar onde um grupo de dominatrixes e escravos meios nús iam fazendo o seu número, ou seja, os rapazinhos deitados no chão e elas passeando por cima deles com saltos agulha de 12 centímetros a espetar-lhe os peitorais e os genitais, enquanto eles agradeciam e lambiam os pés das donas. Isto passava-se a meio metro de mim e, ao fim de uma hora, e de apenas UM vodka-limão, enquanto J. ia explicando a I. algumas coisas sobre coisas que excitam os homens e não as mulheres (depois de eu ter dito alto e bom som que gostava de saber como é ter erecção e ejaculação), respondendo a perguntas que iam acontecendo na nossa conversa tão estranha quanto o ambiente, eu comecei a ficar muito branca. Mesmo muito branca, tão branca que só me lembro da I. me perguntar preocupada:
I. - Ó A., tás bem, linda?
Eu (meia taralhoca, mais para lá do que para cá) - Tou a morrer de calor e um bocado tonta...
E mal acabo de dizer isto caio redonda no chão, mesmo ali ao lado dos rapazinhos que continuavam a ser pisados pelas dominatrixes. O blackout demorou menos de 20 segundos, porque mal atingi o chão acordei e pedi para ficar assim deitada! Era tão normal que ninguém estranhou, toda a gente achou que eu estava a candidatar-me para ser alvo da atenção das dominatrixes - elas próprias pensaram o mesmo. O J. e a I., um pouco aflitos à minha volta, foram aliviando-me de alguma roupa (agora já perceberam o pormenor do casaco num ambiente de 40 graus ou mais). Apressei-me a sentar (no chão, não havia nem mesas nem cadeiras disponíveis) em vez de permanecer deitada, não fossem as dominatrixes deixar os moços e resolver experimentar carne nova.
E então deu-se um fenómeno de massas: aproveitando o facto de eu estar sentada no chão, a rir de mim mesma e da situação, o J. e a I. sentaram-se também e, em menos de cinco minutos, toda a gente à nossa volta que estava de pé há horas, nos seguiu o exemplo e, de repente, duas dezenas de pessoas, voyeurs como nós, distribuíam-se pelo chão na maior descontracção. Criámos uma tendência o que demonstra bem o fenómeno do mimetismo.
Muita coisa mais se passou por lá, coisas que envolviam cordas, chicotes, cera de velas a arder, gajas que eram gajos (disseram-me porque, para mim, eram gajas, mas pronto eu fui daquelas pessoas que, no filme «The Crying Game»/ Jogo de Lágrimas, de Neil Jordan, não perceberam que 'ela' era 'ele' até ao momento da revelação...).
Saímos de lá no final da festa, eram 5 da manhã, mas não fomos para casa porque a I. lembrou-se que era giro continuar a noite num clube de sexo ao vivo, já que nem eu nem o J. tínhamos vivido essa experiência (aqui alerto para o facto da I. ser bem mais novinha do que eu e o J. que, por sua vez, é mais novo do que eu). Àquela hora encontrar em Lisboa um sítio aberto para ver sexo ao vivo não é fácil e nós bem que tentámos, mas isso já é outra história.
Quanto às minhas aventuras no reino do BDSM, elas não ficaram por aqui porque o J. voltou a telefonar-me várias vezes e, duas semanas depois, lá me convenceu a ir à inauguração do clube «4Sin», mas isso é, também, outra história de twilight zone que, contada ninguém acredita tenho quase a certeza... mas eu tenho testemunhas.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Solaris

Anabark, Paralelas, (JUN05)

Havia dias em que o mundo cabia na palma da mão com o mesmo à vontade com que se segura um berlinde feito de mil reflexos de cor. E nesses dias, poder-se-ia pensar que o mundo não seria mais do que esse insignificante tamanho, que se perde numa mão cheia de força e de muitas outras coisas infinitamente maiores do que a visão atrofiada dos pobres de espírito. Nessas alturas, o tempo acabava-se mais depressa e os dias custavam a passar na espera dos instantes em que o mundo tinha a importância relativa de uma existência paralela, inevitável e real como todas as coisas paralelas na vida. E nesses dias, um outro universo paralelo, sem limites, expandia-se sem que as leis da física conseguissem explicar a proporcionalidade entre a matéria e a anti-matéria que lhe dava consistência. E havia um sol brilhante, intenso e eterno, que chegava a todas as partes desse universo, e tudo era luz e caminhos abertos por onde a vontade passeava livre como ondas do mar ao encontro da praia. Tudo era força e intensidade. Tudo era um querer demasiado. Tudo era o desassossego de algo impossível de explicar e, também, de perceber. Esses dias eram assim, uma urgência de ser e de viver por inteiro como se fosse o último dia.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Por outras palavras

Brian Miller, Lines

Obrigado N. pelo teu infinito cuidado.
Algumas respostas às perguntas que me fazem...

«Sputnik, meu amor», de Haruki Murakami:

"...E assim prosseguimos com as nossas vidas, cada um para o seu lado. Por mais profunda e fatal que seja a perda, por mais importante que seja aquilo que a vida nos roubou - arrebatando-o das nossas mãos -, e ainda que nos tenhamos convertido em pessoas completamente diferentes, conservando apenas a mesma fina camada exterior de pele, apesar de tudo isso continuamos a viver as nossas vidas, assim, em silêncio, estendendo as mãos para chegar ao fio dos dias que nos coube em sorte, para logo o deixarmos irremediavelmente para trás. Repetindo, muitas vezes, de forma particularmente hábil, o trabalho de todos os dias, deixando na nossa esteira um sentimento de um incomensurável vazio. (...)"

"(...) Ao perder S., muitas coisas morreram dentro de mim, como acontece quando a maré recua, levando com ela tudo o que estava depositado na areia. Ficara sozinho num mundo deformado, vazio, um mundo frio e tenebroso. Aquilo que se passara entre S. e eu nunca poderia voltar a acontecer nesse novo mundo, tinha plena consciência disso. Cada um de nós possui qualquer coisa de especial, que se revela numa determinada altura da nossa vida, e só uma vez, como uma pequenina chama. As pessoas precavidas, abençoadas pela fortuna, conservam religiosamente essa chama, fazem-na crescer, usam-na como uma tocha que ilumina as suas vidas. Mas uma vez apagada, ela não voltará nunca mais a acender-se. Eu não me limitara a perder S. Juntamente com ela, perdera também essa preciosa chama."

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Encontrar-te

Steven Price,untitled, 2006

Desculpa se fico a olhar-te e se os meus olhos sorriem a olhar para ti. Não sei ser de outra maneira quando te vejo, não preciso explicar-te porquê. Desculpa por sentir coisas que não queres que sinta, se te escrevo sem saberes, se te quero perto, ouvir-te a voz. Desculpa ter-te comigo em pensamento a todas as horas do dia, ainda não aprendi a existir à margem do que sinto. Mas aprendi muitas coisas entretanto. Aprendi a guardar para mim o que gostava que soubesses. Aprendi a ficar longe para deixar-te ser feliz. O que faço por amor nunca irás compreender. A única dor que me resta é o que foges de mim, mesmo quando sabes que não te vou impôr palavras de amor que não queres ouvir. Doi-me sentir-te prisioneira, encurralada no teu próprio medo, escudada numa aparente vontade própria esvaziada de vida. Deves gostar muito mais da pessoa que escolheste do que de ti mesma e isso é triste. Não tenho esperança de coisa nenhuma, mas gostava que, de vez em quando e sem medo, me deixasses saber que estás viva.
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A propósito de medo, «LOST», Série 1- episódio 1:
KATE: You don't seem afraid at all. I don't understand that.
JACK: Well, fear's sort of an odd thing. When I was in residency my first solo procedure was a spinal surgery on a 16 year old kid, a girl. And at the end, after 13 hours, I was closing her up and I, I accidentally ripped her dural sac, shredded the base of the spine where all the nerves come together, membrane as thin as tissue. And so it ripped open and the nerves just spilled out of her like angel hair pasta, spinal fluid flowing out of her and I... and the terror was just so crazy. So real. And I knew I had to deal with it. [He's crying]. So I just made a choice. I'd let the fear in, let it take over, let it do its thing, but only for 5 seconds, that's all I was going to give it. So I started to count, 1, 2, 3, 4, 5. Then it was gone. I went back to work, sewed her up and she was fine.
KATE: If that had been me, I think I would have run for the door.
JACK: No, I don't think that's true. You're not running now.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Paris, je t'aime

Anabark, Paris, aos pés de Eiffel (FEV03)

«Paris, je t'aime»* (França, 2006) é o melhor filme que vi nos últimos meses. Dezenas de actores de várias nacionalidades, algumas estrelas e outros desconhecidos, vão passeando num filme que fala de Paris sem ter uma história definida. «Paris, je t'aime» é feito de muitas histórias breves, que acontecem na cidade-luz onde tudo é possível e onde tudo tem um charme irresistível. Umas são felizes, outras não, umas fazem-nos rir, outras não, umas falam de amor, outras não, umas são reais, quase todas são. Todas elas acontecem em Paris, poque a ideia de partida era filmar em Paris. Vinte realizadores internacionais aceitaram o desafio e filmaram histórias em vinte bairros diferentes. Podiam tê-lo feito noutra cidade qualquer, porque as suas histórias falam de pessoas, encontros e desencontros, vidas e não-vidas que acontecem em toda a parte. Mas é Paris que amamos, é Paris que nos transforma e que nos faz olhar para os personagens como especiais e únicos. Mas não são. Somos nós numa cidade qualquer a tentar viver, construindo a nossa própria história, singela, curta, à procura de um final feliz.
Aqui fica um pedaço da história ("Pigalle") interpretada por Fanny Ardant e Bob Hoskins:
Fanny: Que fazes tu por amor?
Bob: Sofro.
Fanny: Sofres?!
Bob: Sofro o que nós fomos.
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* Em exibição no Cinema Quarteto, Lisboa

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Homem ao mar

Inês, Contrastes Lisos, 2006

E enquanto oiço os remos mesmo sem ver a água, mantenho a força de braços ao encontro de um mar de constrastes feitos da luz que sei que existe para além das ondas altas da tempestade. Navego ao meu encontro, o longe é para dentro, para bem fundo de mim. Procuro-me onde me perdi e assim voltarei a encontrar-me. Desistir do que não vale a pena é regressar-me e continuar por mim adentro ao encontro de terra firme. Vou deixar-te em alto mar. Quis lançar-te uma bóia e salvar-te. Mas tu dizes que nao estás em perigo e, sendo assim, levo a bóia comigo. De tanto ir ao fundo, aprendi a respirar debaixo de água, não preciso da bóia, mas alguém pode precisar e tu só precisas de ti. Salvas o comandante e condenas o marinheiro. Num barco pequeno e mal tratado, vou navegando para fora das ondas da tua tempestade. Sou o marinheiro atirado borda fora, sou quem sujeitaste à morte sem deixares sequer uma bóia. Proteges o comandante contra todos os riscos. Não és justa e nunca perceberás porque digo isto, porque não sabes ouvir nem ver para além da tua verdade e daquela que te convém. O marinheiro não perdeu as graças do mar. Deixou de ser marinheiro, tornou-se remador. E, no seu barco mal tratado, teima, rompendo a tempestade, em direcção ao mar infinito que tem dentro de si. Não desistiu do amor.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Remar Remar

Steve Price, untitled, 2006

REMAR REMAR
XUTOS E PONTAPÉS

Mares convulsos, ressacas estranhas
Cruzam-te a alma de verde escuro
As ondas que te empurram
As vagas que te esmagam
Contra tudo lutas
Contra tudo falhas

Todas as tuas explosões
Redundam em silêncio
Nada me diz

Berras às bestas
Que te sufocam
Em braços viscosos
Cheios de pavor
Esse frio surdo
O frio que te envolve
Nasce na fonte
Na fonte da dor

Remar remar
Forçar a corrente
Ao mar, ao mar
Que mata a gente

Cinemateca, 12H40

François Boyer, Les Portes du Paradis

«Constants are Changing»
«Aurora»
Um ano - cinco meses plenos, sete meses vazios
Um perfume que o vento não devolve
Estou cansada do não e do nada de quem nada faz por amor.
Um beijo meu. Always.
A.