segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Inexistência

Barbara Heide, Wet Colours, 2008

Se o mundo, amanhã, chegasse ao fim teria pena, muita pena, pelo tempo que não tive contigo, pelo tempo que não nos sobrou, pelo tempo que tardámos desencontradas. Este tudo que tenho em nós me parece sempre pouco, porque o Amor não tem medida e nada esgota a vontade de mais longe e mais além, de mais caminho, mais luz e mais céu e terra ao mesmo tempo. A imensidão que me embrulha em ti não tem fim, porque não tem princípio senão na essência do que sou, de tudo quanto me começa e me acaba. Sem ti não seria eu, porque eu sou aquilo que sinto e me define e este tanto que te quero e que me faz sentir vida é a minha própria certeza de existir. O Amor é tudo o que vale a pena, o resto são formas de enganar o vazio de quem se procura sem se encontrar. O Amor dá-nos a certeza de um lugar próprio e um sentido que nos cumpre e nos completa. Eu-sem-ti é uma vida impossível, porque não há vida para além de nós. Sem ti, só imagino a inexistência.

domingo, 28 de setembro de 2008

Lembra-te...

Barbara Heide, Rust Series, 2007

A nossa casa, sem pedra nem ferro, tem a força das árvores que rompem o chão, debaixo para cima, num abraço a tocar o céu cada vez mais alto e aberto. A nossa casa é feita de um querer segurar e por a salvo todas as pequenas e grandes coisas que embrulhamos no tempo e nas recordações que coleccionamos. E enquanto escrevo, recordo o que, ontem à noite, te embalei ao ouvido: deixa-me abraçar-te com a imponência da vontade que o Amor fortalece e nunca põe em causa. Quero abraçar-te e passar o resto da minha vida a tornar mais alto e mais aberto este abraço permanente e este querer-te sem medida. Ainda que nem sempre me acredites as palavras, a verdade vem de dentro e o que escrevo vem do centro da alma que não sabe mentir nem inventar com talento suficiente o que o coração sente simplesmente. Assim te sinto eu, sempre infinita no ar que me mantém viva. E porque te encontro em toda a parte em mim, sinto que a nossa casa é feita da vida que, ambas, desejamos e acreditamos sem fim.

sábado, 27 de setembro de 2008

Algures


Adalberto Tiburzi, Looking East, 2005

Há dias em que tenho dificuldade em acordar. E não acordo. Passo pelo dia sem abrir os olhos, lenta e inconsistente, sem que as horas, as coisas e as pessoas cheguem a dar por mim. Há dias que acordam a minha indisponibilidade e, por mais que eu tente arrastar-me para fora desse quarto perdido dentro da minha cabeça, não depende de mim mas de uma chave nem sempre combinada com a fechadura. E os meus olhos fechados, ainda que reconheçam o ruído de um relógio que me dá notícias do mundo lá fora, revestem-me o corpo de uma invisibilidade necessária, que me protege da não-presença das coisas e das pessoas como eu as imagino. Porque, às vezes, só existem as horas e, nelas, imagens que não nos abraçam e nem reparam nós.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

De fora para dentro

Ray Petit, No Exit (Anxiety Series), 2005

Adormeço à beira de uma janela de fora para dentro e, enquanto me sossega a alma, revisito o tempo de dentro para fora como quem percorre de memória paisagens que só existem na nossa cabeça e só de vez em quando. Adormeço à procura de sono, debruçada nessa janela onde a luz não falta, mesmo à noite quando a terra vira costas ao centro feito de fogo. Restam-me alguns minutos de conversa interior antes de vaguear, por onde ainda nem imagino, no sonho de daqui a bocado. E encontro-te a ti, aqui e ali, em todo o lado. Sei-te a dormir, por isso falo devagarinho e faço barulho baixinho e corro o risco de te acordar. A noite dá-me o tempo que o dia te retira e teimo em ficar assim, à janela, a imaginar que, debruçada nela, me sonhas um mundo cheio de nós e que, depois, entre o eu acordada e o teu a dormir, há uma ponte de beijos que atravessamos sem chegarmos a margem nenhuma, de um lado ou do outro. Porque não há margens quando concordamos que o Amor é uma passagem infinita. Debaixo da minha janela, imagino-nos um mar alto esticado até ao céu, num azul único feito da mesma luz da meia noite ao meio dia. Daqui, da minha janela de onde, de fora, espreita o sono, só lamento as horas que se perdem sem nós. Beijo-te não tarda nada...

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

E se depois?

Lawrence Ripsher, This Forgotten Place, 2006

E se depois? Quantas vezes nos refugiamos na pergunta à qual não podemos responder, pelo simples facto de não haver resposta no momento em que nos ocorre perguntar. Não sei, nunca soube, responder ao que se espera de um 'E se depois?'. E o que é que isso interessa agora? Muito pouco, quase nada. Vejo-te suspensa naquilo que se vai passar daqui a bocadinho e só me apetece sossegar-te, porque, mesmo que nada aconteça, mesmo que permaneças no mesmo sítio depois de uma longa espera, vai correr tudo bem. Sabes porquê, meu amor? Talvez não saibas, mas eu sei. Porque continuas igual a ti, intacta, inteira. Porque continuas tudo o que sempre foste e mais ainda pela experiência que os dias te acrescentam. Porque esse tudo é incorruptível e isso é uma vitória. Porque o teu caminho é tudo o que sabes construir num universo maior que transcende o mundo dos outros. Porque vales mais do que eles conseguem perceber e não podemos torná-los mais espertos do que a imperfeita humanidade que lhes assiste. E se depois de tudo eu pudesse escolher, serias tu, sempre única e incontornável. E depois disso serias ainda a minha razão de sentir o infinito.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Repetição

Adalberto Tiburzi, La Luce di Eraclito, 2006

Deixa-me dizer-te outra vez o que te digo todos os dias quase por necessidade primeira: tenho esta certeza infinita que, de tão certa, me parece imbatível. Tenho a certeza que a forma como, debaixo da pele, te sinto fluir como sangue eterno é tão absoluta em mim que passou a ser a medida de todas as coisas visíveis e invisíveis, como se nada mais tivesse valor porque nada mais existe para lá do que me habitas. Por vezes, fico a pensar no que te diria se, algum dia, te escrevesse uma carta de amor, e depois desisto. Não saberia dizer a certeza de sentir-te sempre antes, durante e depois de tudo certamente. E, por mais que tentasse, falharia em descrever um coração que te vive e revive constantemente na absoluta certeza de que viveremos para sempre. Por isso, deixa repetir-me vezes sem conta a dizer-te, todos os dias, este amor sem carta que te chega sem princípio, meio ou fim. Deixa-me dar-te conta assim desta luz que nenhuma noite escura apaga em mim.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Anos sem fim

TomTom... Sempre em frente...

Quando for amanhã, que é daqui a bocadinho para mim e hoje para ti, serás um bocadinho mais crescida e eu estarei à tua volta à espera de muitos amanhãs comigo, aninhada num único pensamento – que a vida nos seja eterna, que nunca te acabes, que vivas para sempre na minha vida e eu na tua e depois disso. Quando acordares o dia é teu – quero um sol infinito na tua mão e um abraço sem fim desde a ponta dos teus dedos até ao coração. Quero ser o resto da tua vida nos meus braços que serão sempre pequenos para te dar conta da imensidão que és em mim. Segura nos lábios um beijo meu desde a hora em que nasceste até ao fim dos dias.

domingo, 7 de setembro de 2008

Luz de dentro

Jeanne Newman, Postcards from lodz Series, 2004

Vamos misturar a luz ao encontro dos milhões de cores que ainda desconhecemos debaixo deste sol que nos descobrimos desde o primeiro momento. Anda brincar com a cor dessa luz da qual os nossos olhos, olhos nos olhos, não descansam. Anda fazer uma pintura com essa tinta que o Amor mistura num brilho que os braços embrulham como vida e eternidade. Vem cobrir as paredes e o chão, o tecto e também o céu de toda a nossa luz que nos segura, do mais claro ao escuro, nos mil tons de infinito. E quando anoitecer e estivermos um pouco cansadas e precisarmos de descansar, olha-me sempre com o mesmo sol que te vem de dentro e basta-me esse ponto de luz para continuar, porque é único, o mais luminoso e aquele que me dá sentido, a vida eterna em que acredito. Porque sem ti tudo é negro e fundo e à beira do fim do mundo.

sábado, 6 de setembro de 2008

Regresso a casa

Lawrence Ripsher, Double Parked, 2006

Devagar, tão lentamente quanto a ideia feliz de que os dias não têm medida porque começam e acabam em minutos precisos fora do relógio normal das horas, regresso a casa. Regresso ao tempo do mundo que deixámos adormecer e acordar sem nós, regresso à vida que fica do mesmo lado do espelho de toda a gente, ou de quase toda a gente porque há excepções à regra. Os dias e as noite quase mediterrânicos acabaram e deles já só resta a poeira do que conseguimos lembrar e sorrir no que recordamos. Mas é deste lado que nós somos por completo a vida. É deste lado que estamos sempre, mesmo quando distraimos das horas nos intervalos. Voltar a casa é voltar ao Sempre e voltar ao Sempre é acreditar no infinito para além da parede do quarto que é infinito como o Amor que nele acontece sem medida de tempo nem noção de espaço que não seja a escala do corpo, do coração e da alma. Voltar a casa é voltarmos completamente ao que é único e só nosso e encontrarmos o Sempre à nossa espera.