sexta-feira, 29 de junho de 2012

Talvez

Anabark, Candeeiros (JUN2012)

Talvez tudo fosse pouco mais do que nada. Talvez eu julgasse apenas que sim porque sim, porque queria muito que fosse. Talvez a verdade fosse apenas essa, a de não haver mais do que uma forte vontade de ser o universo inteiro, perfeito e acabado, como se houvessem universos perfeitos, imaculados... Talvez fosse esse desejo maior que a realidade que começava e acabava sem nunca ter crescido. Talvez tudo fosse apenas a ideia de um infinito só em mim definido. Talvez fosse um querer tão grande não inteiramente compreendido. Talvez fosse amar demais se o Amor se medisse. Talvez fosse eu. Talvez fosse a falta de quem eu quis que durasse a vida inteira comigo. Talvez fosse a noite desencontrada e os dias de desperdício. Talvez.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Planos

Anabark, Ângulos (JUN2012)

Amanhã ou depois hei-de lembrar horas que me escaparam ou que, negligentemente, perdi. Amanhã ou depois hei-de voltar ao princípio de mim e encontrar-me no tempo perdido ou recomeçar-me no tempo reencontrado. Amanhã ou depois hei-de ficar até que a luz se apague como quem chega ao fim da vida certo do infinito na alma. Amanhã ou depois vou cumprir-me com princípio, meio e fim no sentido absoluto em que sei que sinto, logo existo.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Vontade muda

Anabark, Filme Antigo (NOV2012)

Como num filme antigo, não digo nada e penso em muitas coisas ao mesmo tempo que me chegam a doer as palavras que não digo. Estou calada, dizer não digo nada porque dizer já não faz sentido. Fico-me pela suavidade do silêncio que abrigo nas palavras que não digo. Porque a voz humana não chega, não se ouve num filme antigo. São mudas as palavras que não se entendem, surdos os ouvidos de quem segura a sombra como um xaile negro de aconchego. Essa metade de sentir e de ver deixa esquecer. Não digo nada, nem mesmo a verdade, que é inteira e nunca deixou de o ser, faz sentido na paisagem vã de quem já foi feliz em tudo entender numa palavra apenas, aquela que, hoje, me faz infeliz.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Escadas

Anabark, Up (JUN 2012)

Depois veio o sol e as nuvens ficaram cor de prata. O céu abriu-se e mostrou o azul escondido, por excesso de zelo, atrás do ferro. Depois, a luz chegou-me aos olhos e a seguir à alma. Abandonei a tempestade, deixei-a ficar para além do horizonte. Deitei fora a capa e todos os chapéus-de-chuva. Subi uma escada para tocar o azul que vem de cima e, quando olhei para baixo, vi com outra claridade a terra que piso. Sei onde estou e onde pertenço, não tenho medo da chuva mas venceu-me uma tempestade de vento e dela sobra um imenso campo de gelo. Tiro fotografias às nuvens e o céu sorri por todo o lado. O meu lugar é o azul que consigo abraçar.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Cais

Stu.1568, Gray day on the Tay, 2011

No mar, que não tenho à minha frente, há sempre barcos e vontade de navegar. Imagino todos as viagens que ainda não fiz e que o horizonte me promete todos os dias. O tempo mudou, o mar também, aumentou de tamanho. As ondas que se agitam trazem-me notícias de outros mares. A aventura não morre na praia, sussurram as marés. E eu sei que não. Nada morre enquanto respirarmos vontade de descobrir a dimensão da alma. Não há caminhos nem destinos seguros. Apenas a certeza de que a vida é um mar revolto que o nosso barco navega com a fé ao leme, sonhos nas velas e a força de tudo o que acreditamos no coração.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Tabuada

Dwight Rankine, 2011

O Tempo tudo envelhece, o corpo, o ser, a confiança. E depois do tempo não há mais nada. E falta tempo a todos sem excepção... Trocamos prioridades por opções porque dá menos trabalho e não se pensa tanto. Assumimos a futilidade como zona de conforto, esvaziamos a alma para ficarmos mais leves e inconsequentes e mais iguais a toda gente indistinta. E falamos de nós em voz alta para impressionar os outros com castelos de areia. Não dizemos nada de jeito nem ninguém se impressiona com o vazio que nos antecipa a voz. E riem-se nas nossas costas e nem damos por isso!... E o Tempo consome quem tempo desperdiça em coisa nenhuma. Ter alma intacta é um bem raro nos dias que correm. O sentido da vida escapa-se por entre os dedos de mãos fracas. Ter medo é não o ter coração no lugar. Viver apenas de cabeça é não saber mais do que a tabuada.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Unilateral

Pekka Leppanen, Sea of Ice II, 2011

Noutro espaço e noutro tempo, vou aprendendo coisas que me faltam. E vou crescendo, já não estou no mesmo lugar, nem na vida nem em pensamento. Reescrevo todos os dias a vontade de apreender sem decalcar a opinião dos outros, porque a opinião dos outros não me ensina, quer apenas duplicar-se. E todos os dias olho para dentro e encontro o Amor que ali guardei e cuidei com a incondicionalidade que aprendi. Um dia vou arrepender-me de coisas que não fiz. Do que sinto não me arrependo e não escondo. Se mal me queres por isso, não sei, imagino que sim e assumo o risco. Do tempo em que éramos 'nós' sobra-me esta honestidade e sei que é um desperdício, que me preferes calada. Mas ainda sou quem conheceste, a mesma em tamanho e intensidade.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Antes de logo

 
Steve Gosling, Wet and dry

Dentro do peito mora uma paisagem a perder de vista. E toda a luz que a ilumina não vem do sol nem da lua. A luz que me habita é o que sei que sinto sem contradição. Este dia que nunca anoitece em mim junta peças separadas e revela-lhes o sentido que sempre tiveram desde o princípio do Amor e que nas horas negras esqueci. Mantenho o calor que me deu vida e a claridade encontro-a no sarar da ferida. Um dia, por certo, tudo isto e o que sinto como meu Amor e minha vida deixará de ter importância pelo que o tempo ausente deita a perder no longe da vista entre nós. Um dia, por certo, a distância tornar-se-á tão irrelevante quanto irreversível, ou porque deixamos de ser o que nos conhecemos e amámos ou porque, tão longe estando, 'morremos' uma na outra nesse intervalo. Dizem-me que te vou esquecer... Mas hoje, a ausência não me vence, caminho o mesmo o Amor na mesma paisagem que, durante anos, inventei como luz sem fim.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Permanecer

Roger Richards, House on the hill

Não encontro outra forma de estar senão aquela em que não me invento outra pessoa, por muito incómodo que me seja ser como sou. Não me exijo ser diferente, não confundo o fácil com o certo. Não engano nem os outros nem a mim. Sofro a liberdade que me reclamo por minha conta e risco. Não sei outro caminho. Sou aquilo em que acredito por inteiro. Não sou muito nem pouco, sou uma verdade que não desminto acima de tudo. No amor em que me dei descobri o que quer dizer eternidade. A tua ausência é um fim, mas o Amor que mora em mim vive para além da saudade.

sábado, 2 de junho de 2012

Da minha janela

Wouter Brandsma, Untitled

No tempo que vai passando e o mundo vai ficando mais pequeno, mais previsível, plano e pálido de cor. Espreito noutros pontos de vista uma paisagem diferente, mas nenhuma diferença me convence nem chega a ser tão paisagem assim. E tudo o que me dizem passa e não fica em mim. Que sabem os outros do mundo que me habita? Quem lhes disse que sabem mais do eu? O que sou por dentro, aprendi-o á minha custa, ganhei e perdi graças a mim. E, acima de tudo, o Amor é meu, grande e infinito como sempre quis. Não fiquei para sempre no Amor da minha vida, eu sei, apenas o tempo que memória lhe permitir. Mas o Amor que, em mim, a dor não mata, prometeu-se para sempre e por inteiro e, alheio ao  mundo, não se contradiz.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Arquivo

Autor desconhecido

Colecciono pedaços como antigamente. Colecciono passos sem outra direcção senão aquela que conheço decor no coração. Colecciono palavras e ideias tuas, umas em que me reconheço, outras que falho entender. Colecciono expressões que não te vejo e imagino-te o sorriso, que antes conheci, agora iluminado pelo teu novo tempo depois de mim. Colecciono formas de recompor o espaço da tua ausência para impedir que o tempo esgote todos os vestígios da tua existência material. Colecciono-te no que eu te conheci e no que existes livre e para além de mim. No teu tempo eu não existo, não te sou única, não te sou sempre, sou apenas alguém por quem passaste um dia.