segunda-feira, 30 de março de 2009

Luz absoluta

John Lamb, Let there be light

Sabes o que te procuro, meu amor? A luz no seu estado puro que eu te reconheço. Porque tenho medo do escuro mesmo quando iluminado. Porque a escuridão é ausência de vida por colorida que a queiramos pintar. Porque viver não é apenas respirar. A luz que me és na essência do que sinto é a síntese de todas as cores e não apenas os tons que os olhos conseguem perceber. A luz que te procuro e te encontro vem de dentro, do pedaço de alma onde me nasce o sol e nunca é noite porque existes tu e a tua existência é um universo infinito de possibilidades de eternidade. A luz que me ilumina os dias não depende da cor das manhãs que nos encontram ao acordar. Tu, a minha estrela quer de noite quer de dia, existes tão dentro de mim que me confundo no tempo que não existe senão na intensidade do que me sinto viva pela luz que me emprestas e me permite respirar. Para além do que te sinto e me ilumina, apenas frio existe, o nada.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Suspirar

Adalberto Tiburzi, Rome at Random Series, 2005

Tenho uma sede desmedida de tudo quanto te recebo. A minha vontade, tão cega quanto infinita, desespera-me em desassossego, no espaço de tempo em que a tua pele me foge. Raros são os minutos em que não suspiro o teu nome baixinho, para que não percebam que o meu pensamento se escapa dos sítios onde estou, para te encontrar mais depressa do que o tempo que me falta para te beijar. Por onde passo espreito-te, desejo-te e apresso o passo para que me sintas na distância e nunca te canses à minha espera.

terça-feira, 24 de março de 2009

Para além do ruído

Sylvie C. L' ombre, 2009

Se a união faz a força, haverá algo mais forte do que a vontade de caminhar em frente, lado a lado, para um mesmo lugar ou não-lugar quando vamos à descoberta? Nada segura a força do ser e querer é viver tudo sem limite de velocidade. Amar é ter a alma em permanente ebulição, é um mar revolto de mil viagens por cumprir depois de outras tantas realizadas. O Amor é esta constante tempestade em que te vivo e te quero eterna comigo em qualquer lugar do mundo e numa qualquer parte incerta do universo. O ruído que me escutas é tudo quanto quero dizer-te ao mesmo tempo e de forma descoordenada. E em tudo o que não sei desculpar-me, nem explicar-me talvez, subsiste a vontade e a força do Amor que, de tão precioso e absoluto, se assume selvagem e bruto na expressão, como os diamantes antes de serem o que realmente são.

terça-feira, 17 de março de 2009

Nada a declarar

Jack Seeds, Lovers

A liberdade que nos assiste é a que só o Amor permite no seu verdadeiro sentido, a escolha - amar-te porque quero, viver-te porque a minha vida é o que respiro em nós, construir-nos porque acredito-te como o meu sempre e tenho fé em nós para além disso. O Amor é esta escolha ampla e plena, este tempo inteiro que nos envolve corpo e alma em que não cabem outras possibilidades, esta vontade absoluta de prender os meus olhos nos teus e ser essa a paisagem, noite e dia, em todas as direcções. Amar-te é escolher-te todos os dias, perder-te e procurar-te nas saudades e encontrar-te por instinto em todos os pensamentos nos intervalos de um aqui e um agora. É esta pessoa livre que te escolhe uma e outra vez e se compromete sem tempo num querer-te tão completamente como infinito é Amor. Porque nos sinto a força do vento que nos empurra a mesma vontade, um único destino lado a lado.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Em abstracto

Gordon W., Ethereal Abstract, 2006

Comprei tintas, muitas, de várias cores, as que encontrei. Estou ocupada a combiná-las e a procurar todas as possibilidades para pintar tudo à nossa volta, mesmo o que não se vê, especialmente os teus sonhos, tal como me pedes antes de adormecer. Vou ficar acordada toda a noite para te encontrar na obra de arte em que, durante o sono, me esperas e te desejo adormecida. Se, entretanto, acordares desenha-me um beijo sobre a pele que me cubra o corpo da cor que mais gostares.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Noite americana

Michael McMurrough, Primary Merger

E se a luz fosse sempre a mesma não haveria a noite que é precisa para embrulhar o que o dia deixou por cumprir e, assim, encontrar caminhos que nos acordem cores em que deixámos, momentaneamente, de reparar. Porque o corpo nos pesa uns dias mais do que outros. Porque a alma fica sem voz à procura de palavras certas. Porque olhos cinzentos só conseguem ver por dentro. A noite é um porto de abrigo ao que o dia nos cega. O silêncio que adormeço nos teus braços é um grito, estridente e prolongado, do que morri durante as horas que passaram sem nós. Porque, ás vezes, só a tua luz me faz falta e, por isso, espero a noite para me aninhar no teu olhar. Nem sempre sou difícil. Mas sei sempre o que encontro em ti que me amanhece a alma.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Tenho as mãos atadas

José Paulo Andrade, My hands are tied, 2007

Tenho as mãos atadas em redor do teu pescoço e tudo o que eu quero é tocar-te o corpo porque a verdade em mim nua, em ti, caminha. Tenho as minhas mãos atadas à espera de acção porque a qualquer hora é sempre agora e hoje quero cantar-nos. E porque perder não sei, não sei não querer mais porque quero insaciavelmente o que é nosso, o que é único e sem tamanho. Tenho as mãos atadas à tua volta e, debaixo da pele que te consome incendiada, bate um coração maior do que eu porque esta forma de Amar assim só acontece uma vez na vida. Tenho as mãos atadas em teu redor e os teus braços à volta de mim hoje, ontem, amanhã… infinitamente.


(a partir de "Mãos Atadas" de Simone e Zélia Duncan)

terça-feira, 3 de março de 2009

Peças combinadas

Michael McMurrough, Jigsaw
E serão feitas de que matéria as saudades que se instalam por não sabermos dar sentido ao longe, mesmo quando o longe se mede em horas? Procuro uma cor, uma textura ou talvez um odor preciso e logo me chegam imagens tão definidas como o toque da tua pele que uso como pele de mim mesma em todas as dimensões do espaço físico ou imaginado em que te habito. E vêm-me as saudades à boca como sede de água em lábios ressequidos pela espera no deserto do tempo. Na paisagem áspera por onde ando fora de nós, vou combinando sons, cores, sabores e fotografias de alma como um puzzle em que nos encontro num todo, onde todas as partes são únicas como único é jeito em que as combinamos uma a uma. Como um poema onde as palavras se aninham e se embrulham num estado de alma pessoal e intransmissível, vivo as saudades do que não te tenho e não te abraço no aqui e agora.