terça-feira, 29 de novembro de 2011

Memória

Anabark, Dry (SET2011)

Por debaixo da pedra arrumam-se coisas que o tempo não apaga porque o coração não desiste da força que lhe deu vida. Por debaixo da terra, o tempo não existe e o coração bate fora de tempo e sem razão. Por dentro a memória não se esgota, tudo lembra e nada esqueço. Por dentro as lembranças são rios vivos que correm em circuito fechado. Tudo o que tempo não leva para longe com a força de vento forte, para sempre será meu com a força de vida eterna que lhe empresto. Tudo o que perdoo não esqueço. O coração é maior do que peito e a memória maior do que tempo que é infinito. Por debaixo da pedra arrumo o que está a mais por não estar aqui simplesmente. O que não me é sobra-me como parte inútil dos meus dias. Por debaixo da pedra arrumo o que tenho apenas na memória e na memória tenho a vida inteira que ontem existiu.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Ilha e tesouro

Anabark, Iluminada (SET2011)

Sabe a pouco ou a quase nada a felicidade que nos chega sem ser anunciada. Porque sonhamos mais ou porque esperamos outra coisa, a felicidade que nos vem não chega a ser abraçada com braços de força e alma cheia. Tolos por não darmos conta da ilha e do tesouro que nos encontrou. Cegos porque encadeados pelo sol radioso ignoramos as tempestades que o céu abriga como parte de um todo. E sabe a pouco o abraço inebriante de quem encontra o seu momento na vida. Saberia a mais se, modestos, navegássemos sem outras ambições esse mar de tempo precioso que nos embrulha num abraço de veludo como se acabados de nascer. Soubêssemos nós que a vida nos perde sem retorno e moraríamos rente ao mar para lançar âncoras em redor da ilha do tesouro que nos desembarcou de um mar sem luz e desabrigado. Soubéssemos nos avaliar o Amor como tesouro e seríamos felizes para toda a eternidade.

domingo, 27 de novembro de 2011

No palco...

Anabark, Palco (SET2011)

Somos muita coisa ao mesmo tempo, nem sempre cheios de verdade nem sempre inventados dos pés á cabeça. Somos, muitas vezes, em função dos outros e do que esperam de nós e mentimos muito mais do que é razoável. Somos o que achamos conveniente e aceitável porque queremos agradar dentro do modelo em que nos inventaram como desejáveis. Mentimos, mentimo-nos e morremos em cada pormenor inventado. Sofremos porque nos perdemos aos poucos, porque nos doi saber que falhamos, porque o auto-desencantamento nos sangra como agulhas espetadas na alma. E podemos convencer-nos que a culpa é do mundo além, fora de nós mas, no fundo, sabemos que a culpa não é dos outros simplesmente nem pode ser de tanta gente ao mesmo tempo. A culpa é nossa porque somos pouco ou quase nada quando tudo o que somos é o que esperam de nós. Achamos que somos crescidos por sermos obedientes quando ser adulto é ser inteiro por dentro ainda que deslocado do resto do mundo. Felizes aqueles cuja rebeldia os desassossega e que assumem a matéria compulsiva dos sentidos como essência indomável.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Especial...o Amor

Tomasz Dziubinski, The Black Art - Warsaw, Poland 2, 2010

O que nos é especial não tem fim e nada se lhe compara porque o que é especial torna-se a medida de todas as coisas. O que nos toca tão profundamente a alma não se esvai, fica-nos para sempre debaixo da pele e não se pode despir o que nos corre como sangue e essência do que somos. Vivemos muitas coisas de muitas maneiras e em diferentes dimensões, mas poucas são aquelas que nos moldam o sentir na dimensão do inexplicável e essas poucas não se repetem porque são únicas, e sendo únicas tudo o resto nos parece pobre por comparação. Podemos acreditar que o Amor acontece muitas vezes, mas o Amor verdadeiro é coisa rara e, às vezes, não chega uma vida para acontecer. A intensidade única de quem o experimentou é a medida  do que vem depois e do que existiu antes dele, numa escala injusta mas incontornável. Porque tudo se resume ao Amor e a essa nobre capacidade de sentir o outro como vida em nós. Nada é mais especial do que o absoluto da entrega que o Amor pressupõe desinteressadamente. Podemos acreditar em muitas coisas mas nada mais existe para além do Amor.

domingo, 20 de novembro de 2011

Marianne Faithfull -"Crazy Love"



"...Love is crazy love is blind..."

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Querer

Vincent Isler, Drowning in Fire, 2010

Ontem aconteceu e hoje é outro dia. Do amanhã pouco sei e se soubesse não sei o que faria. Arde-me o sonho de ser tudo hoje, neste aqui e agora em que desfilo. Arde-me a vontade de um presente composto e adulto que cumpra o melhor de mim. Dispenso banalidades e coisas fúteis. Não tenho esse tempo para matar e não quero perder tempo que não tenho. Dispenso pretextos para me ocupar quando há ainda tanto por fazer. Não quero muito nem pouco, quero coisas com sentido e, ainda que sejam poucas, que sejam substantivas. Sou o que pareço, mas não sou tudo ainda. Quero hoje a velocidade de um tempo cheio de muito para aprender e quero que acreditem em mim. Quero, de quem me gosta, a fé cega que os amantes abraçam como ar que respiram, porque desconfio de quem desconfiar do meu amor. Arde-me a pressa de partir finalmente ao meu encontro e, num outro lugar, deixar-me querer e ter aquilo em que acredito e sei dar de mim.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Desperdício

Lorenz Holder, 2009

Nasce um abismo profundo dentro do peito no deixar de querer o que se perdeu da mão. A vertigem da queda arrasta uma falta de fé ainda mais funda do que vazio do abismo. Porque deixar de querer é deixar de lutar, baixar os braços e encolher ombros. E há em tudo isto uma espécie de morte interior que entorpece o corpo, embalado nos braços frios da ideia de nada. Deixar de querer é assumir o erro do que, antes, foi vida e verdade absoluta em nós e perder razão por dentro é escavar no que sobra o abismo. Mas deixar de querer é preciso quando é a única salvação, a fé que resta num princípio de liberdade como asas à beira do precipício. Não se pode querer o que, no coração, escolheu deixar de ser nosso - quem de nós partiu deixou morrer o que, dantes, foi um querer nosso.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Resumindo

Anabark, Abrigado (NOV2011)

O que fica depois da tempestade é um céu aberto de vontade renovada. Tudo o que se foi diluído na chuva e vento fortes deixa a descoberto terra molhada onde a vida voltará a espreitar. Nada morre realmente, só talvez o corpo desgastado pelo tempo. A alma muda-se, encontra outro abrigo e leva com ela o que coração guardou enquanto vivo. Nada desaparece porque na alma tudo é eterno e infinito. Só a pequenez humana concebe a morte como um fim absoluto. Não sei quanto tempo tenho, mas sei que a minha eternidade depende do que me couber na alma e da minha presença no coração de quem me cruza e me guarda como alguém que valeu a pena. Vivem para sempre aqueles que amam e são amados incondicionalmente, porque o Amor é o único relógio certo durante e depois da vida.

domingo, 13 de novembro de 2011

Sinais

Anabark, No turning back (JUL201

Caminha-se na dúvida e encontra-se a encruzilhada. E anda-se a direito na decisão tomada. Acreditamos que temos razão e que não erramos mais do que é humano mas erramos mais do que a nossa humanidade sabe admitir. Não temos razão, mas acreditamos que sim porque ignoramos outra forma de sentir. Teima-se numa linha descontinuada que não é caminho mas acredita-se que sim, porque não somos capazes de explorar mais adiante, porque não podemos dar o que não temos porque nunca nos foi dado em quantidade suficiente. E caminha-se no engano de acreditar que o desvio é caminho, sem perceber que é apenas uma ideia, um engano consentido por piedade de nós mesmos, carentes de braços que nos segurem com vida o que já sentimos como morto. E deixa-se andar até tudo morrer á beira da estrada. Diz quem sabe que, nessa altura, é tarde para voltar atrás, já não existe um coração capaz de reconhecer o verdadeiro caminho e...no final, não haverá ninguém á espera.

sábado, 12 de novembro de 2011

Na ponta da agulha

Norma Gerber, Abstractions - Nails and Yellow 'Y', 2008

Vou tricotando o tempo como se os dias fossem de renda, de ponto largo e abstracto. Aqui e ali dou-me conta que me atraso, outras vezes que me engano, e nem sempre volto atrás para corrigir o buraco. Vou espreitando a malha do que lhe acrescento a toda a hora e não lhe encontro um príncipio de fim, a não ser que me falte o fio em que vou tecendo o que para além tempo fica em mim. Na agulha a que empresto engenho, seguro o Amor que a empurra, ponto a ponto, numa obra única. Na essência nada é mais forte do que o Amor que se define como alma, nas mãos nada mais persistente do que a vontade que faz bater o coração. No meu tempo nada resiste mais intacto do que o Amor.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sem voz

Tomasz Dziubinski, The Air Cushion Vehicle 1, 2008

Agora que não tenho voz para falar de amor procuro nas palavras uma outra dimensão onde o Amor é som, luz e cor. Porque o Amor se calou nos lábios escuto em surdina a voz do coração e pinto em palavras de água o rio silencioso que, por dentro, me navega com mesma vontade de sempre. Agora que a voz é interdita e o silêncio compromisso de honra resta-me a palavra escrita para contar o que não se diz do Amor que me habita, deserto dos braços que o embalaram ao nascer. Escondo em cada palavra coisas importantes que sinto e vivo como um grito mudo. O que é tão vivo não morre por falta de voz... apesar de tudo.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Nem sempre...

Tomasz Dziubinski, Foliage Autumnal & Other Treasures, 2008

Nem sempre o Amor nos faz a vontade, mas não desarma nem serena com a idade. Por vezes anda coxo e cabisbaixo, outras vezes salta e corre apressado. Nem sempre o Amor se combina com o que dele se espera, mas segura-nos com força mesmo fora da mão. Por vezes enche-nos de cor, outra vezes chove em tempestades de dor. Nem sempre o Amor nos dá as respostas procuradas, mas não mente nem distorce a verdade revelada. Nalguns o coração sofre e encolhe com receio, noutros o coração é pouco para o tanto que o traz cheio. Nem sempre temos olhos para ver bem lá no fundo o que na alma tem o tamanho do mundo.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Ex-posição

Abescat Charles, Pearls, 2007

Não pergunto, espero por respostas a perguntas que nunca faço. Talvez não saiba perguntar. Talvez tenha receio das respostas que não me querem dar. Não pergunto porque não tenho nada a ver com isso e tenho medo que me julguem por coisas que não sou. Talvez tenha as respostas que preciso para não ser necessário perguntar. Talvez o silêncio revele o suficiente para eu saber que não devo perguntar. E tudo o que, de mim, não digo é por pouco interessar ou mesmo nada. Não me sei dizer mais do que aquilo que me queiram saber. Não escondo. Tudo o que não revelo é porque pouca importância tem em quem eu gostava de importar. E guardo muitas coisas, não sou distraída. Sei tudo o que me é precioso de cor, não esqueço nada e, cada vez que recordo, acrescento pormenor.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Síntese

Tomasz Dziubinski, Warsaw Citadel - Prison Ward, Tenth Pavilon, 2007

O que não se vê não me cabe nos braços, é imenso e sem forma definida. O que não se vê e guardo dentro acordou-me a alma adormecida. No que despertei eu encontro pleno sentido. No que não guardei eu lamento não ter acontecido. No que sou depois de tudo sou maior pelo que aprendi. Ontem fui, serei hoje e sempre, o que senti. O tempo é finito, mas não se acaba o que, não se vendo, guardamos dentro do coração.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Caminhada

Anabark, Underneath (SET2011)

Passeei por ruas desertas pintadas de promessas de gente e não encontrei uma alma. Passeei por promessas de coração pleno e alma inteira em ruas apinhadas de gente e não encontrei a terra prometida. Passeei por locais de culto com a minha fé intacta e encontrei tudo vazio e abandonado. Passeei pela vontade de ficar e encontrei apenas uma promessa efémera de abrigo que confundi com eternidade. Passeio-me pelo mundo que deixei de fora por falta de disponibilidade e encontro a verdade finalmente revelada. Passeio-me pela certeza de que sonhei um destino que não se cumpriu porque a promessa desfaleceu sem chão seguro sob os pés descalços.

sábado, 5 de novembro de 2011

Cuidados intensivos

Anabark, Restos (JUN2010)

Soubesse eu que o Amor era tudo e nada depois do adeus!... Não teria amado mais porque isso não seria possível. Não teria amado melhor porque não há fórmulas acertadas de amar. Soubesse eu o que aprendi depois de tudo e teria estado mais atenta para aprender mais ainda. Porque errar todos erramos, desiludimos e desiludimo-nos, ninguém é perfeito por muito que se deseje essa perfeição e se procure, ingenuamente, nos outros. Mas no fundo, o que aprendi neste atropelo de (in)certezas e sentidos foi que, ao Amor é fundamental a atenção: escutar para além das palavras, ver para além do visível, perceber para além do óbvio. No Amor não podemos ser distraídos, o Amor requer cuidados a tempo inteiro, como se corresse, a cada instante, perigo de vida. Porque o Amor é um estado de urgência impossível de controlar. Deixando do o ser, deixa de ser fogo, deixa de ser ferida... e deixa de ser Amor.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Ser ou não ser

Anabark, Origem (AGO2011)

Não escolhemos o que somos na essência. Não podemos, somos prisioneiros dessa condição primordial, determinada por uma arquitectura genética e ontológica. Mas construimos quem somos como tarefa inacabada até ao dia em que morremos, e não morremos completamente se aquilo em que nos contruímos deixar saudades naqueles que fizeram parte da nossa vida. Não escolhemos quem somos mas podemos decidir como o somos na nossa relação com o mundo. É nessa escolha que nos definimos como pessoas perante os  outros. É esta identidade construída e exposta que nos faz ser gostados, amados, ignorados ou rejeitados. Queremos ser gostados acima de tudo! Porque precisamos de confirmação do nosso trabalho de autoconstrução, precisamos de afectos que nos validem escolhas. Precisamos desse equilíbrio porque sem ele nascemos e vivemos e ninguém dá conta de nos ver passar. Precisamos do abraço de quem nos vai conhecendo, porque é nesse abraço que existimos. Os afectos que despertamos, e nos despertam são a vida a acontecer em nós. A nossa existência adquire sentido no que nos damos e sabemos receber dos outros, Não amamos porque amamos, amamos porque a essência de alguém nos toca de tão perto que está da nossa - o Amor é tudo menos relativo.

Perdidos

Anabark, Meia Luz (NOV2011)

Encontro às escuras coisas perdidas das quais nunca dei por falta e procuro, às claras, coisas que ainda ontem tinha e hoje não sei onde estão. Não mudei de sítio nem mudei móveis, que não tenho, de lugar. Não mudei o que existe em mim nem nada me mudou a mim. O que perdi são coisas que não sei encontrar. Falta-me a luz, o momento e a confiança. Falta o tempo que, ontem, era outro e a história desse tempo também. Tantas coisas me encontram sem que eu as reconheça e outras que me faltam eu recordo-lhes o pormenor! Apenas o que procuro me desencontra e se esconde em ausência.  De tudo o que as saudades me levaram já nada me faz falta. Já nem as saudades eu encontro de tão certa que perdi. O que de mim se perdeu, deixou de ser meu. De nada me vale procurarmos o que nos deixou para trás.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Em nome do amor

Anabark, Escolhas (SET2011)

Não encontro nas palavras a cor suficiente para falar de Amor. Nem o Amor cabe no sentido a que estou limitada por falha de imaginação cansada. Escrevo e descrevo alietoriamente o tumulto que, no peito, me estremece e não aprendo a dominar pelo silêncio. Na alma, que não trago calma, atropelo-me a toda a hora e a vida que me acontece deixa-me a carne viva e as mãos teimosas e fechadas a segurar o que sinto. Não sei ser de outra maneira senão fiel à vontade do coração. Não sou mais do que isto, mas do que sou eu não desisto nem do Amor como prova de vida. O Tempo, que é relativo ao invés do Amor, mostrar-me-á um caminho onde possa repousar, e talvez adormecer, no abraço que me invento e reclamo recíproco e pleno.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sensibilidade

Anabark, Broken (SET2011)

Viver no nunca acaba por ser quase um sempre com aquilo que temos á mão. Importante é que a sensibilidade não nos falhe, porque sem ela deixaríamos de ser nós, e não sendo nós mesmos somos coisa nenhuma. Não existo ausente do que sinto e sei que o que sinto me distingue das outras pessoas. Ás vezes o que sinto é tanto que não cabe em nada, outras vezes tem marcas de dedos pesados que apertam a alma até correrem lágrimas de dor pelo corpo todo. Mas tudo o que sinto me dá vida e á vida eu não resisto, aceito a dor como o amor e reinvento-me no que me sobra como força e fé. Não minto, não engano, digo o que sinto. Acredito que quem sente tão profundamente está vivo, mesmo que viva num nunca a sentir um sempre a rasgar-lhe o peito. Penso e sei que existo, habita-me uma alma cheia de sentimento pleno de sentido.