sábado, 31 de dezembro de 2011

Ano Novo...bom...

Anabark, Play it (NOV2011)

Logo depois da meia-noite, novo jogo no tabulheiro. Joguem para ganhar por dentro. No que não se vê nem se toca reside o princípio básico da felicidade. Um outro mundo é possível, apostem no melhor de cada um de nós. E haja saúde e sonhos! Feliz Ano-Novo...

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Sistema solar

Anabark, Up (DEZ2011)

Por onde passo o céu é sempre o mesmo. Os dias e as cores mudam. Chove e faz sol e vice versa, ou tudo ao mesmo tempo rasgando um arco de cores no azul lá em cima. Tudo muda, os lugares, as pessoas, o pensamento, apenas o céu permanece à mesma distância das nossas cabeças, sempre longe, impalpável, do tamanho de todos os sonhos do mundo. Posso imaginá-lo um sistema solar pintado de balões, fugidos das mãos de crianças, que tento prender com o olhar para devolver aos distraídos que sonham sem limites e acreditam que vale a pena o que a alma sonha e o que faz sorrir o coração. Porque vale a pena o que a alma imagina sorrindo ao coração. Porque vale a pena a alegria do coração no que sonha a alma. Lá em cima um céu nos abriga de sol ou chuva, conforme as estações. Por dentro, a alma é uma galáxia e as ideias são planetas vivos na órbita do sonho.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Desejo...

Dave Leiker, Glass Trees

A todos quantos vão pegando neste copo e e deixando dentro dele um pouco de alma desejos de um Natal Feliz feito de coisas realmente importantes em essência e que nos ajudem a sermos mais e melhores para nós e para os outros.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Perder aos bocadinhos

Rob Oele, See Buoys 6, 2010

Perdemos todos os dias um bocadinho de vida que não nos volta e nos faz falta. Perdemos todos os dias um bocadinho de nós que não terá segunda oportunidade. Perdemos todos os dias tempo que não nos sobra para ser e acontecer por inteiro. Perdemo-nos todos os dias na falsa ideia de que o fim não será amanhã quando o presente é tudo o que temos garantido. Perdemos a memória e, aos bocadinhos, a vontade também. Perdemo-nos como hipótese de ser quando queremos ganhar, sofregamente, tudo de uma vez. Perdemos coisas e pessoas por falta de cuidado e perdemo-nos de nós mesmos quando trocamos alma pela razão. Perdemo-nos se não reclamarmos o Amor como princípio, meio e fim da nossa essência. Ninguém nos encontra se não soubermos dar o coração que esperamos receber dos outros.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Olho nú

HB, Sombras

Olhos que amam guardam luz noite e dia, brilham em silêncio e não apenas quando falam de amor. Olhos que amam não se apagam nem escondem o sol que trazem dentro para além da cor. Olhos que amam beijam de luz sem tocar, não mentem por muito que tentem disfarçar. Acredito no que os olhos dizem ainda que a voz e as palavras os contradigam. Desfaço a dúvida no instante em que o olhar se cruza e se despe a alma vestindo-me com o Amor translúcido que reflecte o meu contorno. Não me engano. Acredito no que os olhos mostram, às vezes sem querer, outras vezes sem controlar. Foi assim que reconheci o amor que me encontrou e foi assim que percebi que o meu Amor partiu porque lhe fugiu a luz do olhar. Os meus olhos ainda brilham do amor que neles ficou guardado.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Luz da luz

Anabark, Lua Cheia (DEZ2011)

Os dias adormecem pendurados na fé como passagem secreta para o dia seguinte. E quando amanhecem só a luz mudou de sítio, tudo permanece como numa pintura, igual ao dia anterior, como se o tempo voltasse atrás todas as noites para começar no mesmo ponto na manhã seguinte. As noites chegam e passam sem deixar rasto. As noites acordam porque têm de acordar, porque a luz do novo dia desfaz as sombras que na escuridão se instalam por todo o lado. O tempo que passa não passando do sol faz lua e vice-versa e nem todos dormem à mesma hora. Tudo é relativo, até a noite e o dia no que acontece dentro de nós. A luz vem da alma - o que nos ilumina é o que sentimos para além da pele e o que damos de nós ao mundo que, incondicionalmente, nos abraça muito para além da escuridão das horas.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O contrário de pequeno



O coração é maior do que a vida. Nele cabe tanto que a vida por comparação é um ponto no final de uma frase. O coração escreve textos que nunca acabam porque, na intensidade do que sente, existe sempre uma última palavra, que nunca chega a ser a derradeira. O coração vive como um livro inacabado. Nada existe fora dele nem sequer a vida que acontece de forma independente, se vida houvesse no que acontece sem Amor. E o coração tem sempre razão, tem a razão dele que é verdadeira e única. O coração não se contradiz, o coração afirma, constrói a sua linguagem. Reinventa o que sente e deita fora o superficial. O coração decide, rejeita, aceita, tira e volta a dar. Porque no coração se abriga a alma. Nada do que somos vale a pena se ignorarmos essa voz humana que nos vem de dentro e nos dá uma vida do tamanho do coração. O Amor é sangue e vida infinita da alma.

sábado, 10 de dezembro de 2011

À margem

Anabark, Muro (NOV2011)

Nunca desisti de nada nem sequer de quem desistiu de mim. Não desisto do que me conheço nem da força do sentir. A alma não comprometo ao sabor de ventos e contratempos, a alma conservo inteira como âncora que me devolve o sentido e a razão de tudo quanto existe. Não sei desistir de coisas vivas, não sei desistir de mim. Deixo de lado o que não me encontra, o que deixou de ser para mim. Tudo o que não me encontra, tudo que parte e não me volta, não existe, desistiu de ser, assumiu um fim. Não quero nem desejo gente ausente, feita de cinzas frias. O que sinto é meu e sem espelho, o fogo que conservo é feito apenas do meu sangue e carne vida. Quem não me abraça as feridas com o Amor não existe, só o meu abraço interior lhe inventa vida, como quem desenha um coração de papel sem braços nem força para amar.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A propósito de coisa nenhuma

Tomasz Dziubinski, TheBlackArt - Warsaw Poland, 2010

Caminha-se, segue-se em frente, anda-se por aí. Não se pode ir ao encontro de nada. Encontra-se o que existe, o nada é coisa nenhuma. Caminha-se para além do nada à espera do momento em que a alma nos acorda e os pés aquecem em cada passo depois de percorrem tanto inverno como vida. Não se pode ir ao encontro de nada. Caminha-se ao encontro da vida, do que sentimos como fé no fim do caminho. Encontra-se o que sentimos dentro como força maior se soubermos o que procuramos. Derivamos se tudo o que acontece em nós é fogo fátuo que se consome em si mesmo sem deixar cinzas, porque nada nos encontrará no nada que somos dentroPodemos passear no nada, viver no nada a pensar que é tudo o que existe. Mas no nada nada corre, nada é, apenas o tempo passa porque é tudo o que existe se é verdade que o tempo é real.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Pedras do mar

Anabark, Rosa-água (DEZ2011)

Do mar eu trouxe pedras que a maré deixou na areia e guardo-as para me lembrar das ondas em que o Amor me navegou. Desse mar sem fundo perdi a praia, a caravela partiu e não voltou. Longe é terra á vista quando perto só as águas das ondas me encontram e só as pedras que guardo me lembram de chão para me voltar a mim.  Ao mar azul, onde o vento do norte era o Amor sem fim, chegou a noite demasiado cedo e pedras negras naufragaram um barco de luz. Trago no peito uma bússola como bóia, não perdi o rumo, sei onde estou. O meu mar tem a mesma transparência e a caravela nunca afundou. As velas de velhas rasgaram-se, mas os remos ficaram e eu sei onde estou. Navego o tempo com o Amor que me ficou.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Do lado de fora

M.L. Keep Away From Open Windows

Por detrás da janela devassa, há uma casa desabitada, morta, por onde o vento passa e leva o tempo e a memória do que ficou quieto, á mercê do pó, que é o que sobra ás coisas abandonadas. Da janela para dentro, vê-se a escuridão, por vezes rasgada por uma ou outra lembrança de pormenores há muito postos de lado. Não se ouvem passos nem vozes nem sequer ruídos de portas mal fechadas, empurradas pela corrente de ar. Já não há paredes, apenas vestígios de salas e de quartos e nada da vida que lhes deu forma e cor. Para lá da janela cansada e descaída não sobrou nem chão nem lugar seguro. Nenhuma forma vida aqui se abriga, para além do vento frio que tudo levou. Dizem que ali já viveu feliz o Amor.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Choque frontal

Anabark, Desastre (JUL2010)

Só o Amor vale a pena, o resto é uma deriva, um sem destino, uma espera desorientada. Mas o Amor é caprichoso e abraça toda a gente da mesma maneira. Por vezes passa por nós de mansinho e quase nos toca mas, livre, segue em frente, outras vezes pega-nos pela mão e leva-nos consigo por duas ou três ruas apenas, para nos largar á esquina, sem olhar para trás, desapegado e vago. Mas o Amor que vale a pena é aquele que acontece contra nós como um choque frontal, aquele em que nos deixa imobilizados com tudo amachucado e uma só certeza acrescentada: que estamos vivos por dentro porque o coração nos dói pela força do gostar. Ao desastre que chamo Amor muito poucos sobrevivem por muito que jurem o que sentem. Porque este Amor escolhe os corações, um a um, em que ficar, porque este Amor escolhe quem, em intensidade, o acolhe incondicionalmente. É é disparate acreditar que ele acontece a todos da mesma maneira. São raros os que têm a força de amar para sempre e que sabem não ser amados da mesma forma.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Memória

Anabark, Dry (SET2011)

Por debaixo da pedra arrumam-se coisas que o tempo não apaga porque o coração não desiste da força que lhe deu vida. Por debaixo da terra, o tempo não existe e o coração bate fora de tempo e sem razão. Por dentro a memória não se esgota, tudo lembra e nada esqueço. Por dentro as lembranças são rios vivos que correm em circuito fechado. Tudo o que tempo não leva para longe com a força de vento forte, para sempre será meu com a força de vida eterna que lhe empresto. Tudo o que perdoo não esqueço. O coração é maior do que peito e a memória maior do que tempo que é infinito. Por debaixo da pedra arrumo o que está a mais por não estar aqui simplesmente. O que não me é sobra-me como parte inútil dos meus dias. Por debaixo da pedra arrumo o que tenho apenas na memória e na memória tenho a vida inteira que ontem existiu.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Ilha e tesouro

Anabark, Iluminada (SET2011)

Sabe a pouco ou a quase nada a felicidade que nos chega sem ser anunciada. Porque sonhamos mais ou porque esperamos outra coisa, a felicidade que nos vem não chega a ser abraçada com braços de força e alma cheia. Tolos por não darmos conta da ilha e do tesouro que nos encontrou. Cegos porque encadeados pelo sol radioso ignoramos as tempestades que o céu abriga como parte de um todo. E sabe a pouco o abraço inebriante de quem encontra o seu momento na vida. Saberia a mais se, modestos, navegássemos sem outras ambições esse mar de tempo precioso que nos embrulha num abraço de veludo como se acabados de nascer. Soubêssemos nós que a vida nos perde sem retorno e moraríamos rente ao mar para lançar âncoras em redor da ilha do tesouro que nos desembarcou de um mar sem luz e desabrigado. Soubéssemos nos avaliar o Amor como tesouro e seríamos felizes para toda a eternidade.

domingo, 27 de novembro de 2011

No palco...

Anabark, Palco (SET2011)

Somos muita coisa ao mesmo tempo, nem sempre cheios de verdade nem sempre inventados dos pés á cabeça. Somos, muitas vezes, em função dos outros e do que esperam de nós e mentimos muito mais do que é razoável. Somos o que achamos conveniente e aceitável porque queremos agradar dentro do modelo em que nos inventaram como desejáveis. Mentimos, mentimo-nos e morremos em cada pormenor inventado. Sofremos porque nos perdemos aos poucos, porque nos doi saber que falhamos, porque o auto-desencantamento nos sangra como agulhas espetadas na alma. E podemos convencer-nos que a culpa é do mundo além, fora de nós mas, no fundo, sabemos que a culpa não é dos outros simplesmente nem pode ser de tanta gente ao mesmo tempo. A culpa é nossa porque somos pouco ou quase nada quando tudo o que somos é o que esperam de nós. Achamos que somos crescidos por sermos obedientes quando ser adulto é ser inteiro por dentro ainda que deslocado do resto do mundo. Felizes aqueles cuja rebeldia os desassossega e que assumem a matéria compulsiva dos sentidos como essência indomável.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Especial...o Amor

Tomasz Dziubinski, The Black Art - Warsaw, Poland 2, 2010

O que nos é especial não tem fim e nada se lhe compara porque o que é especial torna-se a medida de todas as coisas. O que nos toca tão profundamente a alma não se esvai, fica-nos para sempre debaixo da pele e não se pode despir o que nos corre como sangue e essência do que somos. Vivemos muitas coisas de muitas maneiras e em diferentes dimensões, mas poucas são aquelas que nos moldam o sentir na dimensão do inexplicável e essas poucas não se repetem porque são únicas, e sendo únicas tudo o resto nos parece pobre por comparação. Podemos acreditar que o Amor acontece muitas vezes, mas o Amor verdadeiro é coisa rara e, às vezes, não chega uma vida para acontecer. A intensidade única de quem o experimentou é a medida  do que vem depois e do que existiu antes dele, numa escala injusta mas incontornável. Porque tudo se resume ao Amor e a essa nobre capacidade de sentir o outro como vida em nós. Nada é mais especial do que o absoluto da entrega que o Amor pressupõe desinteressadamente. Podemos acreditar em muitas coisas mas nada mais existe para além do Amor.

domingo, 20 de novembro de 2011

Marianne Faithfull -"Crazy Love"



"...Love is crazy love is blind..."

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Querer

Vincent Isler, Drowning in Fire, 2010

Ontem aconteceu e hoje é outro dia. Do amanhã pouco sei e se soubesse não sei o que faria. Arde-me o sonho de ser tudo hoje, neste aqui e agora em que desfilo. Arde-me a vontade de um presente composto e adulto que cumpra o melhor de mim. Dispenso banalidades e coisas fúteis. Não tenho esse tempo para matar e não quero perder tempo que não tenho. Dispenso pretextos para me ocupar quando há ainda tanto por fazer. Não quero muito nem pouco, quero coisas com sentido e, ainda que sejam poucas, que sejam substantivas. Sou o que pareço, mas não sou tudo ainda. Quero hoje a velocidade de um tempo cheio de muito para aprender e quero que acreditem em mim. Quero, de quem me gosta, a fé cega que os amantes abraçam como ar que respiram, porque desconfio de quem desconfiar do meu amor. Arde-me a pressa de partir finalmente ao meu encontro e, num outro lugar, deixar-me querer e ter aquilo em que acredito e sei dar de mim.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Desperdício

Lorenz Holder, 2009

Nasce um abismo profundo dentro do peito no deixar de querer o que se perdeu da mão. A vertigem da queda arrasta uma falta de fé ainda mais funda do que vazio do abismo. Porque deixar de querer é deixar de lutar, baixar os braços e encolher ombros. E há em tudo isto uma espécie de morte interior que entorpece o corpo, embalado nos braços frios da ideia de nada. Deixar de querer é assumir o erro do que, antes, foi vida e verdade absoluta em nós e perder razão por dentro é escavar no que sobra o abismo. Mas deixar de querer é preciso quando é a única salvação, a fé que resta num princípio de liberdade como asas à beira do precipício. Não se pode querer o que, no coração, escolheu deixar de ser nosso - quem de nós partiu deixou morrer o que, dantes, foi um querer nosso.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Resumindo

Anabark, Abrigado (NOV2011)

O que fica depois da tempestade é um céu aberto de vontade renovada. Tudo o que se foi diluído na chuva e vento fortes deixa a descoberto terra molhada onde a vida voltará a espreitar. Nada morre realmente, só talvez o corpo desgastado pelo tempo. A alma muda-se, encontra outro abrigo e leva com ela o que coração guardou enquanto vivo. Nada desaparece porque na alma tudo é eterno e infinito. Só a pequenez humana concebe a morte como um fim absoluto. Não sei quanto tempo tenho, mas sei que a minha eternidade depende do que me couber na alma e da minha presença no coração de quem me cruza e me guarda como alguém que valeu a pena. Vivem para sempre aqueles que amam e são amados incondicionalmente, porque o Amor é o único relógio certo durante e depois da vida.

domingo, 13 de novembro de 2011

Sinais

Anabark, No turning back (JUL201

Caminha-se na dúvida e encontra-se a encruzilhada. E anda-se a direito na decisão tomada. Acreditamos que temos razão e que não erramos mais do que é humano mas erramos mais do que a nossa humanidade sabe admitir. Não temos razão, mas acreditamos que sim porque ignoramos outra forma de sentir. Teima-se numa linha descontinuada que não é caminho mas acredita-se que sim, porque não somos capazes de explorar mais adiante, porque não podemos dar o que não temos porque nunca nos foi dado em quantidade suficiente. E caminha-se no engano de acreditar que o desvio é caminho, sem perceber que é apenas uma ideia, um engano consentido por piedade de nós mesmos, carentes de braços que nos segurem com vida o que já sentimos como morto. E deixa-se andar até tudo morrer á beira da estrada. Diz quem sabe que, nessa altura, é tarde para voltar atrás, já não existe um coração capaz de reconhecer o verdadeiro caminho e...no final, não haverá ninguém á espera.

sábado, 12 de novembro de 2011

Na ponta da agulha

Norma Gerber, Abstractions - Nails and Yellow 'Y', 2008

Vou tricotando o tempo como se os dias fossem de renda, de ponto largo e abstracto. Aqui e ali dou-me conta que me atraso, outras vezes que me engano, e nem sempre volto atrás para corrigir o buraco. Vou espreitando a malha do que lhe acrescento a toda a hora e não lhe encontro um príncipio de fim, a não ser que me falte o fio em que vou tecendo o que para além tempo fica em mim. Na agulha a que empresto engenho, seguro o Amor que a empurra, ponto a ponto, numa obra única. Na essência nada é mais forte do que o Amor que se define como alma, nas mãos nada mais persistente do que a vontade que faz bater o coração. No meu tempo nada resiste mais intacto do que o Amor.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sem voz

Tomasz Dziubinski, The Air Cushion Vehicle 1, 2008

Agora que não tenho voz para falar de amor procuro nas palavras uma outra dimensão onde o Amor é som, luz e cor. Porque o Amor se calou nos lábios escuto em surdina a voz do coração e pinto em palavras de água o rio silencioso que, por dentro, me navega com mesma vontade de sempre. Agora que a voz é interdita e o silêncio compromisso de honra resta-me a palavra escrita para contar o que não se diz do Amor que me habita, deserto dos braços que o embalaram ao nascer. Escondo em cada palavra coisas importantes que sinto e vivo como um grito mudo. O que é tão vivo não morre por falta de voz... apesar de tudo.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Nem sempre...

Tomasz Dziubinski, Foliage Autumnal & Other Treasures, 2008

Nem sempre o Amor nos faz a vontade, mas não desarma nem serena com a idade. Por vezes anda coxo e cabisbaixo, outras vezes salta e corre apressado. Nem sempre o Amor se combina com o que dele se espera, mas segura-nos com força mesmo fora da mão. Por vezes enche-nos de cor, outra vezes chove em tempestades de dor. Nem sempre o Amor nos dá as respostas procuradas, mas não mente nem distorce a verdade revelada. Nalguns o coração sofre e encolhe com receio, noutros o coração é pouco para o tanto que o traz cheio. Nem sempre temos olhos para ver bem lá no fundo o que na alma tem o tamanho do mundo.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Ex-posição

Abescat Charles, Pearls, 2007

Não pergunto, espero por respostas a perguntas que nunca faço. Talvez não saiba perguntar. Talvez tenha receio das respostas que não me querem dar. Não pergunto porque não tenho nada a ver com isso e tenho medo que me julguem por coisas que não sou. Talvez tenha as respostas que preciso para não ser necessário perguntar. Talvez o silêncio revele o suficiente para eu saber que não devo perguntar. E tudo o que, de mim, não digo é por pouco interessar ou mesmo nada. Não me sei dizer mais do que aquilo que me queiram saber. Não escondo. Tudo o que não revelo é porque pouca importância tem em quem eu gostava de importar. E guardo muitas coisas, não sou distraída. Sei tudo o que me é precioso de cor, não esqueço nada e, cada vez que recordo, acrescento pormenor.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Síntese

Tomasz Dziubinski, Warsaw Citadel - Prison Ward, Tenth Pavilon, 2007

O que não se vê não me cabe nos braços, é imenso e sem forma definida. O que não se vê e guardo dentro acordou-me a alma adormecida. No que despertei eu encontro pleno sentido. No que não guardei eu lamento não ter acontecido. No que sou depois de tudo sou maior pelo que aprendi. Ontem fui, serei hoje e sempre, o que senti. O tempo é finito, mas não se acaba o que, não se vendo, guardamos dentro do coração.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Caminhada

Anabark, Underneath (SET2011)

Passeei por ruas desertas pintadas de promessas de gente e não encontrei uma alma. Passeei por promessas de coração pleno e alma inteira em ruas apinhadas de gente e não encontrei a terra prometida. Passeei por locais de culto com a minha fé intacta e encontrei tudo vazio e abandonado. Passeei pela vontade de ficar e encontrei apenas uma promessa efémera de abrigo que confundi com eternidade. Passeio-me pelo mundo que deixei de fora por falta de disponibilidade e encontro a verdade finalmente revelada. Passeio-me pela certeza de que sonhei um destino que não se cumpriu porque a promessa desfaleceu sem chão seguro sob os pés descalços.

sábado, 5 de novembro de 2011

Cuidados intensivos

Anabark, Restos (JUN2010)

Soubesse eu que o Amor era tudo e nada depois do adeus!... Não teria amado mais porque isso não seria possível. Não teria amado melhor porque não há fórmulas acertadas de amar. Soubesse eu o que aprendi depois de tudo e teria estado mais atenta para aprender mais ainda. Porque errar todos erramos, desiludimos e desiludimo-nos, ninguém é perfeito por muito que se deseje essa perfeição e se procure, ingenuamente, nos outros. Mas no fundo, o que aprendi neste atropelo de (in)certezas e sentidos foi que, ao Amor é fundamental a atenção: escutar para além das palavras, ver para além do visível, perceber para além do óbvio. No Amor não podemos ser distraídos, o Amor requer cuidados a tempo inteiro, como se corresse, a cada instante, perigo de vida. Porque o Amor é um estado de urgência impossível de controlar. Deixando do o ser, deixa de ser fogo, deixa de ser ferida... e deixa de ser Amor.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Ser ou não ser

Anabark, Origem (AGO2011)

Não escolhemos o que somos na essência. Não podemos, somos prisioneiros dessa condição primordial, determinada por uma arquitectura genética e ontológica. Mas construimos quem somos como tarefa inacabada até ao dia em que morremos, e não morremos completamente se aquilo em que nos contruímos deixar saudades naqueles que fizeram parte da nossa vida. Não escolhemos quem somos mas podemos decidir como o somos na nossa relação com o mundo. É nessa escolha que nos definimos como pessoas perante os  outros. É esta identidade construída e exposta que nos faz ser gostados, amados, ignorados ou rejeitados. Queremos ser gostados acima de tudo! Porque precisamos de confirmação do nosso trabalho de autoconstrução, precisamos de afectos que nos validem escolhas. Precisamos desse equilíbrio porque sem ele nascemos e vivemos e ninguém dá conta de nos ver passar. Precisamos do abraço de quem nos vai conhecendo, porque é nesse abraço que existimos. Os afectos que despertamos, e nos despertam são a vida a acontecer em nós. A nossa existência adquire sentido no que nos damos e sabemos receber dos outros, Não amamos porque amamos, amamos porque a essência de alguém nos toca de tão perto que está da nossa - o Amor é tudo menos relativo.

Perdidos

Anabark, Meia Luz (NOV2011)

Encontro às escuras coisas perdidas das quais nunca dei por falta e procuro, às claras, coisas que ainda ontem tinha e hoje não sei onde estão. Não mudei de sítio nem mudei móveis, que não tenho, de lugar. Não mudei o que existe em mim nem nada me mudou a mim. O que perdi são coisas que não sei encontrar. Falta-me a luz, o momento e a confiança. Falta o tempo que, ontem, era outro e a história desse tempo também. Tantas coisas me encontram sem que eu as reconheça e outras que me faltam eu recordo-lhes o pormenor! Apenas o que procuro me desencontra e se esconde em ausência.  De tudo o que as saudades me levaram já nada me faz falta. Já nem as saudades eu encontro de tão certa que perdi. O que de mim se perdeu, deixou de ser meu. De nada me vale procurarmos o que nos deixou para trás.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Em nome do amor

Anabark, Escolhas (SET2011)

Não encontro nas palavras a cor suficiente para falar de Amor. Nem o Amor cabe no sentido a que estou limitada por falha de imaginação cansada. Escrevo e descrevo alietoriamente o tumulto que, no peito, me estremece e não aprendo a dominar pelo silêncio. Na alma, que não trago calma, atropelo-me a toda a hora e a vida que me acontece deixa-me a carne viva e as mãos teimosas e fechadas a segurar o que sinto. Não sei ser de outra maneira senão fiel à vontade do coração. Não sou mais do que isto, mas do que sou eu não desisto nem do Amor como prova de vida. O Tempo, que é relativo ao invés do Amor, mostrar-me-á um caminho onde possa repousar, e talvez adormecer, no abraço que me invento e reclamo recíproco e pleno.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sensibilidade

Anabark, Broken (SET2011)

Viver no nunca acaba por ser quase um sempre com aquilo que temos á mão. Importante é que a sensibilidade não nos falhe, porque sem ela deixaríamos de ser nós, e não sendo nós mesmos somos coisa nenhuma. Não existo ausente do que sinto e sei que o que sinto me distingue das outras pessoas. Ás vezes o que sinto é tanto que não cabe em nada, outras vezes tem marcas de dedos pesados que apertam a alma até correrem lágrimas de dor pelo corpo todo. Mas tudo o que sinto me dá vida e á vida eu não resisto, aceito a dor como o amor e reinvento-me no que me sobra como força e fé. Não minto, não engano, digo o que sinto. Acredito que quem sente tão profundamente está vivo, mesmo que viva num nunca a sentir um sempre a rasgar-lhe o peito. Penso e sei que existo, habita-me uma alma cheia de sentimento pleno de sentido.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

31 de Outubro...

Anabark, Plástico, vidro e lua (OUT2011)

"...The spirit-world around this world of sense
Floats like an atmosphere, and everywhere
Wafts through these earthly mists and vapours dense
A vital breath of more ethereal air...."

Henry Wadsworth Longfellow in «Haunted Houses»

Raio X

Bogdan Szadowski, 2009

Está tudo arrumado e no seu lugar. O que sou, sempre fui e não tenho de explicar. Erros meus, decisões felizes, amores ardentes e corações desfeitos, ontem, hoje e sempre. Não serei outra, a essência não se despe, a alma não se pendura. Sou este pouco para alguns e este tanto para outros, pouco importa, não sei fingir o que não sou. O que sou aceito dos pés à cabeça, não ponho nada de lado. Está tudo arrumado, o que já vivi e morri e o que aprendi a renascer. Não carrego peso para além do que preciso, nem prometo o que não tenho. Não digo que sim quando sinto não, nem me engano a mim quando os outros me enganam. Sou muita coisa ao mesmo tempo mas não me baralho por dentro. Sei o que não sou capaz e assumo sem vergonha. Acredito na vida que aprendi e confio no que percebo de boa fé nos outros. Não tenho tempo para me entreter com equívocos nem sucedâneos, não quero gente à minha volta só pela companhia. Não tenho medo de estar comigo a sós porque nada é pior do que sentir-me mal acompanhada. Está tudo arrumado e no seu lugar devido.

domingo, 30 de outubro de 2011

Inconsciência

Anabark, Espera (JUL2010)

E anda aos tombos de braço dado com a desolação apoiada pela teimosia dos fracos de espírito que não acreditam. E tropeça todos os dias nos seus próprios passos, calçados de orgulho e de falta de amor. E vive de alma rasgada por um furioso orgulho próprio dos loucos que desconfiam, fechados na sua insegurança. E perde tudo quanto lhe dão de vontade e de mãos abertas, como se nada tivesse importância ou valor... se calhar não tem. Perde até as pessoas que juraram para si mesmas nunca partir e que nunca desistiram. Perde sem parar nem reparar, sem cuidado e sem vontade de agarrar. E, sem perceber, cai, a cada dia que passa, num buraco cada vez mais fundo e mais escuro dentro de si. Nunca irá entender que, lá em cima, há uma casa vazia á sua espera para se construir de raiz, com vagar e com amor.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Amor-granito

Anabark, Penedo (AGO2011)

O gostar de alguém não se desfaz como açucar fino num copo de água. Permanece, sobrevive, mesmo quando esse alguém nos morre. É a derradeira prova de que a alma existe, o ser lume que nos ilumina, nos aquece e nos mantém. Gostar de alguém é sentir que estamos vivos e com alguma finalidade, acreditar que existimos fora de nós, que não somos pontos isolados numa paisagem sem fim. Gostar de alguém é ter voz por dentro e um coração cheio de coisas para dizer, abraçar sem tempo e receber o abraço daquilo que dá pelo estranho nome de 'Amor', essa imaterialidade que nos sustenta o equilíbrio primordial. Gostar de alguém é amar e o Amor é um penedo nascido das entranhas da terra que nem o tempo nem a morte arredam de lugar.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Cinzento

Anabark, Cinzento (OUT2011)

Como se a vida fosse feita de nuvens que mudam de céu conforme o vento!... Não é. É apenas o céu que muda de cor conforme a vida que nos acontece na alma. Umas vezes deixamos o sol entrar, outras vezes deixamos teimosamente chover sem guarda-chuva que nos valha. E deixamos que  tempestades tomem conta de nós sem perceber que temos pouco tempo de Verão, que morremos todos os dias sem dar por isso. Porque a vida é tão breve quanto as nuvens passageiras e nós somos infinitamente pouco debaixo de um céu de vontade caprichosa. É preciso lembrar que o sol permanece acima das nuvens, que não escurece nem arrefece apesar da nossa cinzenta teimosia. Porque viver é cuidar na alma uma janela permanente virada para para o sol.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Andando

Anabark, Caminhar (SET2011)

Anda-se por aí... Dão-se passos uns á toa, outros á tona, uns seguros, outros a pisar o risco quase a resvalar. Anda-se por aí como quem se mexe do sítio para ocupar outro lugar. Anda-se apenas ou vai-se andando por onde sabemos sem chegar a caminhar. E o mundo envelhece, perde a cor e os olhos cegam por medo do que têm de enfrentar. Anda-se por aí num contentamento em contratempo a fingir que sim, que tudo está no devido lugar. Anda-se por aí calçado com desculpas para ser mais confortável o andar. E inventa-se um mundo como alternativa por ser mais conveniente a mentira em que se quer acreditar. Anda-se por aí sorridente por entre gente que não repara em ninguém nem o sorriso lhes apetece. Vai-se andando por aí num engano prolongado em que todas noites se adormece para, de manhã, acordar  cansado. Há quem ande por aí neste esforço desmedido de julgar que a vida é o que lhes chega ao ouvido. Anda-se por aí acreditando que o tempo é muito, quando, na verdade, é nada para tanta coisa desfeita e tanta coisa por fazer. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Anabark, Estandarte de fé (OUT2011)

Salva-me a fé em que me acredito e guardo. Ao amor eu já morri sem nunca ele me ter morrido a mim. Salva-me aquilo em que acredito e que nunca reneguei. Se o amor morreu porque assim quis, vivo eu para o testemunhar. Salva-me a fé no que sou e fui capaz. Se perdi não foi por desistir. Amei tudo mesmo quando me deixaram nada. Salva-me a fé que sempre tive e tenho ainda num coração infinito. Se acredito, com alma, no Amor que não se acaba, sei que, um dia, ele me voltará a encontrar. Porque em mim ficou iluminado o caminho por onde ele sabe caminhar. Salva-me a fé no que aprendi a sentir tão completamente. E sei que Amor não perde de vista quem nele se encontrou a valer.

domingo, 23 de outubro de 2011

De pedra

Anabark, Coração de mámore (FEV2008)

Os olhos que, de vez em quando, se perdem entre o céu e a terra, encontram no chão sinais convictos do bater do coração. O acaso desgastou a pedra rasgando-lhes um coração á vista de todos, ali, no mármore frio, á espera de ser encontrado. Eu vi, mas não agarrei. Já me basta o meu arrastar-se comigo de um lado para o outro, pesado como pedra. Toquei com os olhos e parti - espera-me outra viagem. No peito colecciono coisas com forma de alma e o  tamanho da minha. O coração que me pesa fica, por agora, em casa, até ganhar asas e poder voar.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Recolha

Anabark, Escombros (SET2011)

Já não sou o que era dantes. Sendo a mesma, sou distinta na confiança e na vontade. As paredes da casa cairam e já não há mais nada para arrumar. O que resta do eu de outrora é para limpar e deitar fora partes inúteis. Se todo o ser é composto de mudança, recolho do passado sem futuro pedaços mais inteiros para me lembrar de que nada é eterno senão aquilo que cuidamos com alma inteira. O que me sobrar depois disso é areia por entre os dedos, impossível de segurar com força de mãos. Já não sou feita do mesmo, sou o tempo de hoje na mudança de estação. Sou o que fica de pé depois da tempestade. Sou o passado mais o valor acrescentado pelo intervalo da mudança. No chão, debaixo dos escombros, desponta a promessa de uma outra vida.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Essenciais

Anabark, Antes de anoitecer (AGO2011)

Antes de anoitecer listo coisas essenciais para depois de amanhecer. Acordar é essencial. Viver... Deixar partir e encontrar um novo encanto. Respirar... Libertar-me do fim para encontrar outro princípio. Amar... por um dia, para a vida. Pôr de lado a saudade e quem não abraça por inteiro. Abraçar quem segura de verdade e de coração cristalino. Deitar fora o desperdício. Desejar... Querer mais, dar tudo e acreditar que vale a pena. Confiar no dia seguinte e caminhar hoje em mim. Não ter medo. Ousar encontrar-me de novo em Amor e respirar de alívio.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Não ter medo

Anabark, Empty, (JUL2011)

A coragem é uma casa vazia, iluminada pela fé no que está para ser. A coragem é uma prova de grandeza, um sinal de que crescemos o suficiente para lutar pelo que queremos por nós mesmos. Uma alma grande ousa, vive pelo que sente e sente em total desassossego o que espera conquistar. Uma alma grande abre janelas, portas e vira o mundo de pernas para o ar. Pois se a alma não é pequena nela cabe a ousadia de agir, surpreender e vencer. Porque a alma só é pequena quando é cobarde e cega ao que vale a pena ganhar e preservar. A coragem de conquistar é a mesma de cuidar e segurar. A alma que ama ousa, não sossega. Porque não há maior ousadia do que o Amor contrariado. A coragem é um acto de fé em nós mesmos e no que queremos fazer entender aos outros. Admiro o estado de graça dos que ousam sentir que são capazes para além da dor, da escuridão e do medo - é essa coragem que me prende e me torna, do Amor, cativa.

domingo, 16 de outubro de 2011

Planos

Anabark, Olhos no céu (AGO2011)

Um dia tudo há-se ser céu pintado por vontade dos meus olhos perdidos de amor pelos teus. Um dia tudo há-se ser vontade de olhar o céu pintado de Amor. Um dia tudo há-se ser Amor de vontade pintado olhos nos olhos. Um dia hás-de olhar e ver. Um dia hás-de amar e perceber. Um dia vou pintar-te de Amor e cor de céu essa vontade.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Mudar um rio de lugar

Anabark, Cry me a river (SET11)

Nas noites sem dormir procuro, às escuras, um sentido, uma solução. Algo que o silêncio do mundo que dorme ajude a compreender o que não sei dizer. Procuro o momento que me escapou ontem e que, hoje, voltei a não encontrar. Procuro o tempo em que tudo era sempre e infinito. Porque desencontro, todos os dias, a sorte de te encontrar por aí, ao acaso, como se todos os lugares conhecidos tivessem mudado de sítio e, em nós, nada mais houvesse do que pontos de partida e nunca de chegada. Se calhar não há. Se calhar sobram apenas duas margens separadas por um rio e pontes flácidas e desfocadas. Nas noites acordadas, fico, na minha margem, à beira do rio a reinventar a geografia. E, quando adormeço, sonho que as pontes tomam forma e que as margens se encostam. E que a cidade se ilumina de nós por todo o lado.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Pelas nuvens

Anabark,  C.  (AGO11)

Não encontro na terra o teu nome. De vez em quando, um céu irónico recorda-me as tuas iniciais feitas de nuvens. E lá me perco no azul, a inventar formas de chegar perto das letras que, na terra, se perderam de mim. O teu nome não me procura nem eu te encontro aqui na terra. Tive tanto medo de perder-te um dia e acabei por perder por coisa nenhuma. Não te encontro por palavras porque já não estás onde antes existiam. Hoje és nunca, e 'nunca', para mim, é tarde e eu sou sempre, e 'sempre' é-te já coisa nenhuma. Passeio-me, de letra em letra, pelo teu nome desenhado no céu pela inconsistência das nuvens.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Não se Reconquista o Amor com Argumentos

Katjas, Every book tells a story, 2011

"...Para fundar o amor por mim, faço nascer em ti alguém que é para mim. Não te confessarei o meu sofrimento, porque ele te faria desgostar de mim. Não te farei censuras: elas irritar-te-iam justamente. Não te direi as razões que tu tens para amar-me, porque não as tens. A razão de amar é o amor. Também não me mostrarei mais, tal como tu me desejavas. Porque tu já não desejas esse. Se não, amar-me-ias ainda."

Antoine de Saint-Exupéry, in "Cidadela"

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Desabitar

Tomasz Dziubinski, Wrought in Silver - Gdanski Bridge, 2009

Não temo o caminho, nem a noite nem inimigos. Não temo a angústia nem a morte como destino de vida. As pedras sei que existem e os contratempos também. E no mundo há mais mundos do que aqueles que sei. Temo as portas fechadas e a falta de vontade de me encontrar. Temo o desencontro, os mal-entendidos e as coisas que nunca disse e que acreditam que se ouviram. Temo a alma desabitada e os escombros do coração partido de tanto sentir em vão. Temo a falta de fé que sobra pela casa por muito que se pendure nas paredes da memória. Temo que nada fique, que tudo se transforme em nada e que a vida se resuma às horas zangadas impostas pela fragilidade humana.

domingo, 9 de outubro de 2011

Cristal

Anabark, Atravessar (SET2011)

A nitidez das coisas vem-nos de dentro, duma parte particular do coração, se o tivermos no lugar. A claridade do que os nossos olhos alcançam não depende do que está à vista, mas do espaço que essa parte particular do coração nos ocupa na alma. E se a grandeza da alma se mede por tudo quanto sentimos que vale a pena, o coração que sente não tem fim. No coração que sente tudo acontece com perspectiva e cor, mesmo que o mundo que lhe fica de fora siga sombrio e mudo, numa outra vida, numa outra dimensão. Porque a luz que precisamos vem do que sentimos incondionalmente como alma que nos anima. E no que o coração nos ilumina não existe escuridão suficiente que nos apague a coragem de ousar para além do umbigo e de nos aprendermos nos outros também.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Luz

Tomasz Dziubinski, The upper Antelope Canyon, 2011

De repente, o sol chega ao chão e ilumina de cor a pedra escura. Quase inesperadamente, como a vida que acontece todos os dias, de forma diferente do planeado numa agenda imaginária. De repente, descobre-se chão firme, sem buracos, que nos convida a caminhar e a descobrir mais um bocadinho do que somos e a sentirmo-nos bem com isso. Faz-se luz quando temos a generosidade de a deixar entrar no coração. E ficamos mais leves quando descobrimos alma à nossa volta. Não há escuridão pior do que uma alma fechada por dentro pelo medo do que acontece fora de nós. Não controlamos nada nem ninguém, porque não somos donos de nada nem sequer da nossa própria vida. Não há sol que nos aqueça se não soubermos reconhecer calor, nem encontramos luz se a procurarmos na escuridão. Nada faz mais sentido do que aprender a dar o que queremos receber dos outros.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Risco contínuo

David Zimmerman, 2009

Não depende de mim - sinto o que sinto e aceito que o sinto. Não depende de mim e ainda bem! Se dependesse de mim, não teria alma nem um coração vivo no peito, seria escrava da razão e tudo seria preto ou branco, por vezes cinzento, mas nunca outra cor imprevisível. E seria uma pena porque a vida é uma soma de imprevistos que nos desviam e nos fazem voltar a sorrir e a chorar, porque somos humanos e dor e amor fazem parte da nossa condição. Não depende de mim, como a imensidão não depende da distância que não conseguimos calcular. Sinto porque sinto, não depende de mim este sentir. O Amor, descobri, é uma imensidão, um sem fim de encruzilhadas e um único ponto de referência que não se perde nem desaparece por cada vez que dobramos a esquina errada. Porque é Amor resiste. Não depende de mim, nem o erro nem o amor. Pelo que cresci até aqui, ainda bem que sou vulnerável.