segunda-feira, 30 de julho de 2012

Sair de casa

Anabark, Lights On, (FEV2012)

Ali em baixo, ao fim da rua, mora a ideia iluminada do tanto que tenho para descobrir de mim e do mundo. Saí de casa para ir ter com ela e sigo, de um lado ao outro, rua abaixo para me assegurar de diferentes perspectivas. Da minha janela tudo tem metade do tamanho e sei que o mundo é bem maior do que isso. Saio à rua com tudo para fazer e a certeza de um ponto iluminado. Tudo o que encontro pelo caminho me engrandece por tudo o que a alma alcança para lá de uma janela fechada. Ali em baixo corre a luz de um lado para o outro à espera de humilde que aprenda a vida dos diferentes ângulos de cada esquina. Toda a luz que guardamos dentro só depende dessa vontade.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Desengano

Choe Scheffe

Não sei fingir, não sei jogar nem sei mentir. Não sei viver alternativas que não sinto. Não sei procurar o que não perdi. Não sei dizer o que se passa fora de mim. Sei apenas a verdade que o tempo me ensinou. E sei ouvir o que me dizem com palavras certas, porque o silêncio tem a voz do nada. Nas mãos vazias encontro a certeza de que não estou enganada. Ontem foi uma história para contar e a vida é hoje. Sei que o Amor verdadeiro existe e não desiste, mas sei que não me encontrou como eu o encontrei em mim e o guardei  inteiro.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Pintura

China.Zhangye, Province of Gansu

Às vezes, pego em lápis de todas as cores e pinto o mundo em tons quentes a condizer com o desejo do meu coração ardente. E não me chegam as cores que tenho, invento, na alma, raios de luz cintilante a condizer com o sobressalto constante que me aninha. E perco a voz a gritar cá dentro o que não me desertou. Às vezes, invento paisagens e acredito que elas existem para além do tempo que passou. E logo acordo num mar sem fundo onde nada vive e nenhum som se escuta nem de perto nem de longe. E pinto um céu cheio de estrelas e um vento fresco que me empurre. E pinto as palavras que trago debaixo da pele da cor do incêndio que, no coração, me sobrevive.

terça-feira, 24 de julho de 2012

O que não posso

Gerd Benninger, Yuanyang, 2011

Pudesse a alma ser de novo construída para evitar o que o coração sente. Pudesse a alma mudar como muda o corpo tão rapidamente. Pudesse eu ser uma pessoa diferente e sentir as coisas de outra maneira ou mesmo deixar de as sentir completamente. Pudesse eu ser apenas eu e não trazer debaixo da pele quem está ausente. Pudesse eu despir-me dessa verdade que o tempo me confirma porque a alma não tem idade nem as horas que passam desfazem a sua verdade íntima. Pudesse eu deixar de ser o que me é tão essencial e arrumar o desassossego que, apenas em mim, resiste como pele da minha pele. Pudesse eu viver pela metade e, não sendo inteira, resistir sem dor ao coração vazio e à alma perdida. Pudesse eu ser ser um corpo ausente de sentimento como princípio de vida.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Em vão

Anabark, Amarras (JUL2012)

Não sei adormecer a alma longe do que sinto nem esconder de mim mesma esse lugar, sem princípio nem fim, que me acordou um dia. São mil noites por dormir em que não falto à verdade de um sentir maior do que permite a força humana. Em vão. Não procuro o que não existe porque não vou encontrar o que me falta. Sobram-me horas vagas para aceitar honestamente esse tudo que não mudou em mim. Sobram-me ideias e certezas que o tempo não apagou. Em vão. Porque tudo é tanto o coração não se cansa. E existe um mar por dentro que são lágrimas que não se acabam. Em vão.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Alta noite

Tom Slatin, Abandoned Schoolhouse

Na outra ponta da casa esconde-se a lua nova em noite escura, e o tempo passa como um segredo nunca revelado de uma vontade impura. O vento bate à porta, entra e sai, veloz, pelas janelas, arruma e desarruma as cores esbatidas de uma velha tela. Sabe a noite uma história de luz que perdeu o dia, e a lua tem vergonha da sua figura vazia. E no que o tempo anoitece tudo é lento na sua infinita monotonia. As horas nascem e entristecem na contemplação de tão grande desperdício. Só o vento não se esquece de emprestar a toda a casa um ar de reboliço.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Paladar

James Casebere, Interrogation Room, 2008

Sabe-me a água salgada o dia que termino sem mar à vista e praia adiada. Sabe-me o dia a outra vida que não esqueci. Sabem-me as horas ao desassossego insatisfeito que noutro tempo vivi. Sabe-me a tudo e a nada e a uma vontade desencontrada. Sabe-me ao mundo que encontrei um dia e no dia seguinte perdi. Sabe-me ao sonho de um Amor inteiro e maior do que a vida. Sabe-me a quem não distingo, na alma, de mim. Sabe-me ao vazio e à melancolia das coisas pequeninas. Sabe-me ao que adormeço todos os dias e à distância que me arrefece. Sabe-me a folhas mortas e a florestas desertas. Sabe-me ao desejo e ao impossível. Sabe-me à intensidade que me sobra e que não sei pôr de lado nem tornar imperceptível. Na boca tenho o gosto de um querer de alma que não se cumpre nem adormece.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Cenário

Marcos Calamato

Procurei-te uma cadeira que não encontrei e tive de fazer de raiz. Passei noites acordada a esculpir palavras para te sentares e te sentires sem fim. Procurei-te uma cadeira feita de luz e trago debaixo do braço um filme antigo que conheces bem como me conheces a mim, o mesmo que levo para toda a parte sempre comigo. A história é única e cabe dentro de um copo que inventei sem tempo nem tamanho onde guardei o Infinito. Nela encontrei-te mares, ventos e tempestades e o Tudo em que acredito. Deitei fora o Tempo por me ser indiferente porque ele não passa no que abrigo de sentimento. E porque descobri que o Infinito dura o tempo do inesquecível. Deixa-te ficar um bocadinho no que me resta dessa Eternidade que se tornou indizível.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Escada

Stanko Abadzic, Stairs and Patterns (from the Paris Cycle), 2009

Anda a vida por aqui e por ali, num passo cada vez mais apressado. Anda o tempo que por nós passa cada vez mais desencontrado. As horas passam, os degraus ficam e o cansaço chega-nos. De manhã acorda-se para o tudo que fica hoje por fazer. A escada sobe e desce para o pouco que nos apetece na espiral do que não sabemos resolver. E há uma vontade que não morre nem esmorece, um desassossego que não nos aborrece, renovados pelas flores inesperadas que encontramos pelo caminho. Viver é uma conquista que a surpresa de cada dia nos segura.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Acontece...

Anabark, Yellow (JUL2012)

Acontece sem dar conta. Acontece sem reparar. Acontece olhar sem ver nem fixar. Acontecem dias transparentes em que tudo é invisível, desmaiados pelo sono e sonho de que não queremos acordar. Acontece uma luz de dentro que não queremos apagar. Acontecem momentos que perdemos de memória. Acontecem sentimentos que, sendo únicos, são a história de uma vida. Acontecem flores sem tempo numa primavera esquecida. Acontece tudo às mãos de nada e acontece nada na perda do tudo.

terça-feira, 10 de julho de 2012

A duração da eternidade

Anabark, Castelos (JUL.2012)

Tudo é eterno enquanto dura, diz o poema... as pessoas, as nuvens, os sentimentos... Mas não encontro grande sentido numa tão óbvia condenação ao esquecimento. Acredito que é pelo que nos fica depois do fim que se mede a eternidade do que foi enquanto durou. Às vezes castelos, outras vezes areia. O que é eterno é a mão cheia que nos fica do que o tempo nos roubou. Porque não existe outra eternidade que não aquela que soubermos guardar e amar sem idade. E o que se ama é, em nós, incondicionalmente infinito.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Imprevisto

Autor desconhecido

Tenho alma, sei que a tenho por tudo o que vivo e a intensidade com que sinto o que vivo no tudo como no nada. Porque me são absolutos a alegria e a tristeza, a saudade e o amor. Porque o meio caminho entre uma e outra coisa não me serve nem me esgota. E gosto do imprevisível, das coisas que acontecem porque acontecem e do sobressalto que me deixa sem chão e com vontade de andar. Gosto de horas que não espero e do que aprendo nos entretantos sem contar com isso. Gosto da surpresa de quem se encontra num abraço não planeado e das pessoas que se dão com a sinceridade que o tempo não constrói nem desgasta. Gosto da intensidade do imprevisto e da urgência do inesperado de quem me toca a alma como prova de vida e se sente livre para abraçar os dias para além do planeado.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Trilho

Anabark, Cimo I (JUN2010)

Lá em cima havia um céu azul cheio de luz, cá em baixo pedra solta e a minha vontade cansada a subir. A meio caminho há sombra de árvores e água fresca mas eu quero o azul infinito a tocar-me o rosto. Subo e desço tantas vezes que nunca chego ao cimo do mundo. Mas não desisto de andar. As nuvens contam-me histórias pelo caminho e eu pinto uma aqui outra ali para que não me falte companhia. Às vezes choram, e eu com elas, até ser dia. Outras vezes brincam com o sol depois de uma noite fria. Eu sorrio e caminho descaminhando sem dar conta. Amanhã falta-me outro tanto que hoje me faltou. E depois de amanhã mais ainda. Dizem-me que o céu continua lá em cima, azul e luminoso, indiferente à desventura de nuvens passageiras e ao passo cansado de quem não lhe chega. Eu sigo, quero confirmar que sim.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Encontro

Anabark, Imitating life (JUL2012)

Já adormeci cansada e acordei no mesmo cansaço, cuidando que sabia de cor o mundo, que não havia mais nada para descobrir. Hoje, sem muita certeza do que aprendi fora de mim, descubro-me em diferentes ângulos e perspectivas. E renasço no olhar de inteligência sobre mim mesma, em que a claridade se reparte entre a luz e a sombra, em partes e intensidades combinadas. No que sou tenho a certeza do que sinto. Não existo pelo que penso mas pelo que encontro num  sentir pleno. Se assim não fosse não seria vida.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Nuvens de calor

Jorge Morgado, Red, 2012

Andam nuvens, desencontradas da estação do ano, à deriva num céu de cor quente impossível. Ando eu, por entre as nuvens, à procura de forma e de tempo conveniente. Andam horas a passar num imenso reboliço, sem noite nem dia, só meio dia intermitente. Andam pássaros às voltas, de um lado para outro, num desconcerto sem descanso e flores que crescem no ar a tentar chegar-lhes em poemas. Anda o universo a desfazer-se em música que não chega ao chão e árvores que se esticam para o céu para apanhar uma canção. E ando eu, de nuvem e nuvem, a falar alto de infinito e de amor perpétuo que ninguém acredita que existiu.