Yannis Logiotatides, Drops on window, 2003
Enquanto a chuva desce e o abraço em que descansamos nos aquece a noite do frio em que se desfiou o dia, lembro-te a ti e a mim sem o abrigo que hoje somos. Aqui, por detrás do vidro da janela que nos separa da tarde invernosa, sabe bem recordar as muitas voltas que o mundo deu até nos encontrar num mesmo passo, num mesmo tempo, numa mesma história. Aqui, abrigadas dos dias invernosos em que derivámos na dôr, à margem uma da outra, celebramos uma fé maior do que a vida, porque ela é a própria vida quando tudo perde sentido longe do Amor. O fogo, que é como sempre foi, vive em tons escaldantes numa chama alta. Aqui não temos frio, a roupa sobra-nos despida da pele incendiada por este algo tão imenso e quanto impalpável que sentimos por dentro e nos estremece o corpo todo. Ontem já éramos tudo isto, mesmo quando, longe, chorámos o que nos julgámos impossível. Hoje somos mais e amanhã, recordando hoje, seremos mais ainda. Somos infinitas, porque o provámos a nós mesmas e aprendemos a razão desse infinito. Porque, se dúvidas houvesse, bastaria olhar para trás e repararmos na nossa sombra escura e arrastada nos tempos de abandono. Porque tu e eu temos uma razão de ser, aqui, do mesmo lado. Do outro lado do inverno, um mundo de vento, chuva e nevoeiro sem nós.