sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A vida no cimo das árvores

Don Nieman, Leaf on frosty Morn, 2008

Restos do Inverno transportados pela brisa amena que anuncia a estação verde enfeitam-me os passos neste chão destroçado pelo mau tempo. Enquanto a semana entardece, caminho para o princípio de tudo, da vida que me encontrei, do presente e do sempre que acredito como futuro. Em todos os jardins crescemos nós e hoje já somos árvores, cada vez mais altas, feitas de ramos seguros. Em cada folha a certeza que nos renasce indiferente às estações do ano. O azul infinito que nos abraça o despertar é a única luz que precisamos para perceber o infinito. À noite celebramos a força dos braços que constroem, no corpo e na alma, a casa que incansavelmente acrescentamos na arquitectura do Amor.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Recreio

Stu, Two little boys, 2006


Se horas de ócio houvesse entre os minutos que passam contados e cheios de urgência, o mundo seria infinitamente mais bonito pelo que poderia sonhar-te sem pressas, antecipando a vida em tempo real. Os momentos que nos invento nos intervalos de nós são paisagens de férias nos dias de cansaço irremediável que nos envelhecem no desespero das horas que, passando, não nos trazem uma à outra. Encosto-me, por agora e durante quase todo o dia, nesta pausa de tempo para te dar conta do que me custa este longe do abraço onde me aguardas e eu te guardo quando, à noite, nos regressarmos para renascer em todas as madrugadas.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

As asas do Amor

Yukio, Tokio Disney sea, 2007

E quando as correntes que me prendem ao chão têm o peso e a magia de asas que atravessam céus e mares de um lado ao outro da terra? E quando a liberdade que me protejo como bem supremo e insubstituível ganha o seu verdadeiro sentido na escolha e na vontade infinita de ficar para sempre contigo? E quando a força das amarras é um privilégio raro que nos faz sentir livres, autênticos e vivos de dentro para fora? Que nome hei-de dar a este sentir pleno e voluntariamente aprisionado a ti que não seja Amor? Porque a liberdade vem da alma e eu na alma prendi-me a ti. Porque na alma, que é infinita, a palavra do Amor é a própria vida, a liberdade incondicional de ser o que nos diz o coração.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Durante o dia

Lee Rudd, Holding back, 2008

Assim, a perder de vista é este lugar onde pertencemos antes, durante e depois do mundo. Assim, onde o horizonte não existe na paisagem ilimitada do que somos, vamos desenhando as horas, uma a uma, numa mistura de cores que, sobrepostas de saudade, se esbatem, a preto e branco, em tons de cinzento onírico. Às vezes, chego a fechar os olhos por segundos e assim viajo-te num espaço indefinido, num tempo difuso, onde somos sem fronteiras, quase imateriais. Nestes instantes, toco a eternidade com a ponta dos dedos na pele que, de memória, se passeia e que passeando-se se incendeia. No intervalo que nos separa o corpo, percorro a distância à velocidade escaldante das ideias que tenho de passado, presente e futuro contigo. E depois corro ainda mais depressa porque o tempo urge e é sempre pouco o que nos sobra nesse lugar que ocupamos em todas as direcções, onde beijos e abraços recuperam, pela noite fora, da privação da luz do dia. São cruéis as horas que passam desertas de ti.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A propósito de casamento

Karen van Nijkerk, Proposal

Não é nada pessoal.
Não é que eu viva com ansiedade a ideia do casamento nem a urgência de casar. Não é para fazer eco da voz do movimento. Não é que eu tenha pensado muito sequer sobre isso. Não é que eu ache sequer que isso mude alguma coisa na vida de duas pessoas que se amam e se partilham. Mas não será anti-democrático discriminar cidadãos com base em critérios da vida íntima de cada um? Não é uma violação dos Direitos Fundamentais dos cidadãos desconsiderar alguns nos princípios básicos de dignidade, liberdade e igualdade? Não é um direito que me assiste eu escolher com quem quero casar? Não é lógico a pessoa que amo ser a única autorizada a dizer SIM ou Não à minha vontade? Não é que eu queira casar - não é uma questão pessoal, é universal. Mas não é absurdo não ter legalmente o direito de escolha?

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Too late to undo

Barry Green, Ignition, 2006

E, quase de forma inesperada, fez-se luz e nunca mais foi noite daí em diante. Nos lábios que me deram vida, senti-te o sabor de quem se encontra e fica e renasce no momento em que a terra muda de lugar. E em ti me abandonei na vertigem de quem perde o chão por dentro para ganhar solo firme e uma raiz no coração. Num beijo, o fogo primordial do princípio do mundo. 'Too late to undo'. Fecho os olhos por instantes e, no arrepio de uma viagem no tempo, encontro os teus lábios à procura da minha boca que os deseja. 'Too late to undo'. A intensidade do beijo é hoje a mesma e o fogo que nos incendiou queima da mesma forma. Por debaixo da pele, os beijos são impressões digitais do Amor. A alma guarda a chama, a ponta de lume de um primeiro beijo, com a promessa de infinito.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Na véspera

Barry Green, Iris Impression 2, 2007
Na véspera de uma nova vida, a luz das pequenas partículas abre portas para uma dimensão diferente de tudo o que conhecemos até então. Olho para trás neste momento ao encontro do meu último dia antes do nosso mundo acontecer. A memória refractada dos reflexos do que ainda não éramos, sendo já tanto, vive uma intensidade própria das estrelas em combustão. Os dias que passaram continuam cintilantes, a descoberta não acabou porque o universo é infinito desde que te tenho. Na véspera do momento em que a terra tremeu e nós mudámos de essência para algo mais perto do essencial, sinto o impacto sem tempo de uma onda de choque infinita. Tudo é possível quando sabemos intuitivamente quem é pele da nossa pele. Na véspera da verdade em que nos descobrimos como o futuro, houve um momento sublime, inconsciente em que reinámos sobre todas as coisas, com a imortalidade dos deuses reais ou imaginados. Na véspera do dia em que a vida começou, recordo-nos com a mesma impaciência de quem nasce no dia seguinte.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Em construção

Antony Lam, Central Art Exhibition Series, 2009

Ainda há pouco coleccionava os dias numa fita métrica de tempo, de forma quase inócua, como se o tempo fosse algo inconsequente na forma de estar. Ainda há pouco eu era outra, alguém que vivia uma tranquilidade matemática na forma de respirar os dias, como se nada os acrescentasse um a seguir ao outro. Ainda há pouco era assim, um mar sossegado e lento que se navegava sem pressa e sem lugar de chegada. Ainda não há muito tempo a vida era assim, nem quente nem fria, um passeio nem sempre atento, nem sempre cheio, apenas confortável. E vieste-me tu. E cheguei-te eu. E o mundo descolou numa velocidade diferente. Ando mais depressa por todo o lado para chegar mais rapidamente ao que nos descubro todos os dias. Passo por mil lugares que desconheço e quero aprender tudo ao mesmo tempo, porque tenho consciência do tempo que perdi numa outra vida. Às vezes não me saio bem, sou desajeitada, eu sei. Mas não seria humana se não tivesse falhas, se não caisse de vez em quando, para perceber completamente a vontade de correr apressada para te chegar. Hoje, que somos nós, colecciono tudo o que me inspira o sentido definido do sempre em que nos acredito como destino.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Histórias de chuva

Firstbrook, To Small To See -Water beads on web 3, 2006

No que fica da chuva à minha volta, vou guardando retratos em pérolas de água de transparência luminosa. E nos meus olhos brilha a cintilância da água, que é vida, e das histórias que lhe acrescento, quase todas elas feitas de ti. E assim, enquanto chove, mato saudades do que me falta para voltar ao centro das coisas que nos são por inteiro e por direito absoluto. À chuva fica o resto do mundo quando eu chegar ao teu abraço, a minha casa. Longe me ficam as tempestades de chuva e vento quando te seguro no meu corpo. Lá fora um inverno muito distante acontece perante a indiferença de gente que se ama corpo a corpo, de alma em chama. No lume que nos funde, dou-te conta das pérolas de água como quem mata uma sede insaciável dos teus beijos, numa teia de histórias feitas de primavera infinita.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Sem prazo de validade

George V' Myer, Rock Forms series II

Hoje conheci-te porque ontem nos encontrámos e quero estar contigo amanhã. E assim por diante, até somarmos muitos 'hoje' a abraçar o dia de amanhã com a mesma ansiedade do primeiro dia do resto das nossas vidas. Hoje conheci-te há mais de mil dias, todos únicos porque no Amor nada se repete, tudo engrandece e cresce, tudo se torna mais inteiro e eloquente na forma de sentir. Hoje, que estou mais crescida, tenho o nosso tamanho e nós temos uma vida inteira feita pela medida do Amor, que já era antes e será também depois de nós. Amar é o único verbo que nós conjugamos no infinito.