domingo, 27 de julho de 2008

No centro do centro

Paul Smetsers, New York - I just arrived, 2006

Acabo de chegar, ou como quem diz acabo de acordar. Acabo de chegar de ti e acabo de voltar-te ao mesmo tempo. Do sonho, onde começamos o abraço, até ao despertar na manhã seguinte, sem descansar do beijo, vão muitas viagens que quase nunca recordamos pela pressa de acordar e sentir o corpo no corpo tal como adormecemos. E todas as noites passadas são viagens ao centro de nós, ao centro da terra que nós somos e à aventura que construímos hora à hora, desde o primeiro momento no tempo que passou até ao Sempre em que nos cumprir. São mil viagens de sonho e outras tantas de caminho percorrido. São mil formas de explicar o infinito ao mundo que acredita na improbabilidade de acontecermos para toda a vida. Viajamos pelo centro de tudo em vôos rasantes por dentro e por fora de nós. E todos os dias aprendo que o Sempre é a nossa viagem de fora para dentro, de encontro ao centro onde tudo começa, tudo nasce e nada se acaba, onde somos sem fim o princípio de tudo e tudo para além do explicável. A pele que nos sabe de cor num movimento único guarda o perfume da viagem onde tu e eu nos confundimos no centro do centro da vida. Pele da minha pele, sangue e alma única, és tu em tudo o que me anima.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Transparência

MCsaba, 1st: Roundish Manifold, 2007

Tenho momentos de corpo e alma translúcidos que tu encontras e seguras docemente como quem adormece só depois do sono chegar primeiro a quem amamos. Tenho momentos de tão pura lucidez que só existes tu no que eu sou desde que a vida nos juntou num mesmo caminho. Tenho a lucidez de reconhecer que o Amor é o milagre da vida e que para além dele tudo é noite e morte anunciada. Do tanto que há para saber sei esse pouco que, em mim, é infinito. E quando te olho e me detenho no teu sorriso que se espalha pelo meu corpo, sei com toda a certeza que a vida é a tua presença em mim. Se todos os dias acordo e me lembro de respirar é porque te sei comigo abraçada na mesma intensidade. Temos sorte, temos o Amor em nossa casa, vivo e bem cuidado, que nos aninha os dias no veludo da eternidade.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Contra-relógio

Bart Aldrich, Clouds 2, 2007

Há dias que passam e que quase não vivemos porque o tempo se esvai nas horas que nos apressam para chegar a tempo à irrelevância das coisas e às coisas irrelevantes. E o cansaço que fica da corrida entre dois ou três lugares incertos e outros tantos não-lugares esgota-nos o corpo e deixa-nos sem fôlego a caminho do voltar a casa. Hoje corri o dia inteiro e acelerei o que pude para chegar ao fim do dia. Hoje, que mal dormi, apressei-me em tudo o que fiz num contra-relógio para te voltar. E cheguei-te num contratempo que nos atrasou sem querer o que é nosso. E neste compasso que nos atrasa o mundo que somos nós, deixamos que a noite nos descanse os músculos e nos repouse a alma numa espécie de baloiço feito de braços e do abraço em que nos temos sempre e em toda a parte. Estou cansada, mas sei que tu me embalas no teu corpo daqui a pouco. Estou cansada, mas não me faltam forças para te embrulhar, num beijo, um sono descansado. E assim se desfazem os nós dos dias apressados, nesta simplicidade reparadora que o Amor encerra quase de forma inexplicável.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Uma na outra

Zenmatt, Heart Ribbon, 2008

Deixa-me acordar-te todas as manhãs com a felicidade da primeira noite que vivemos numa só. Deixa-me dizer-te bom-dia com o mesmo sorriso que nos adormece o corpo depois de entretido, pele na pele, entre o suor e alma. Deixa-me abraçar-te a manhã com o aconchego de um corpo noutro adormecido. Deixa-me despertar no sabor dos beijos que, no ontem, deixamos suspensos só porque o sono nos venceu. Deixa-me encontrar-te todos os dias da mesma forma absoluta com que o coração me diz, minuto a minuto, que és tu para o resto da minha vida. Deixa-me ser para sempre a vida dos teus olhos e tu a alma da minha vida. Deixa-me sempre na boca esta vontade de mais, infinitamente.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Sobremesa

Andrea Aschedamini, Yellow & Metal

Sobre a mesa estás tu. Sobre o chão, sobre a terra, sobre as montanhas que a decoram, sobre tudo e sobretudo existes tu. Não me lembro de mais nada para além da forma como ocupas os meus pequenos grandes dias. Não me lembro de existir um mundo sem ti. Não sei sequer se é possível que o mundo tenha existido sem ti. Porque mesmo antes de existir um nós, havia em mim uma ideia, um conceito e a secreta esperança de que existisses fora da minha cabeça. Eu nunca vivi sem ti. Antes de me encontrares, vivi num intervalo de tempo, numa pausa feita da experiência necessária para saber reconhecer-te como o elo primordial do sentido que me segura à vida. Sobre a mesa estamos nós numa refeição que nunca nos satisfaz porque porque tudo nos sabe a pouco. E tudo tem o valor do infinito. Bom e mau faz parte da vida. Sou maior pelo que aprendo no que nos revelamos sobre a mesa. Bom e mau, somos inteiras e nada pela metade. Não quero nenhum paraíso artifícial, quero o bolo todo e as migalhas que sobrarem. Quero-te a ti completamente, nem mais nem menos. Quero-nos condenadas pelo pecado de sermos livremente a imperfeição humana que, todos os dias, nos apaixona incondicionalmente. Quero-te como a sobremesa da vida na vida de todos os dias, assim, tão única quanto um ingrediente mágico e secreto, que vale a eternidade.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

A caminho de casa

Zenmatt, Mimicry, 2008

Quando, porque estamos longe, o Tempo pára na pressa de voltar a casa, invento horas que passam a correr e coisas que aconteçam mais depressa do que é possível acompanhar. E as horas não passam, pesam-me nos olhos e nos gestos, e teimam em ficar. E assim, lentamente, eu espero e me faço esperar. Aqui e aí são pontos de partida e de chegada onde, suspensas, aguardamos em passo apressado. Por vezes, invento-nos num jardim onde nos encontramos para descansar esta pressa absoluta de não nos chegarmos tarde nas horas. A urgência de nós é o ritmo cardíaco que nos anima e nos atravessa do coração à alma. Quanto tempo tem um segundo longe de ti?... Anos, eternidades.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

O mundo na mão

Zenmatt, Turn, 2006

As voltas que o mundo deu para te encontrar foram tantas, tantas que cada beijo teu sabe-me ao desejo infinito de que são feitas as paixões maiores que o Tempo com que o Amor nos embrulha corpo e alma. Antes de me chegares, andei e caí muitas vezes, cuidei que corria e que avançava. Mas não. Derivava em círculos, tropeçava e nem sempre percebia os passos pelo caminho mal decorado. E um dia o mundo deu uma volta e fiquei de pernas para o ar. Tu existias no mesmo hemisfério e chegaste-me por fim. E tudo ao contrário parecia fazer sentido pela primeira vez em todas as vidas que tive antes de ti, talvez porque antes de ti não vivi, só passei pelo mundo de forma parada. Nas voltas que deste até mim passaram para ti outras tantas vidas. Hoje, que somos Uma desde a primeira hora, pouco importa o Tempo, porque o Amor é feito de uma certeza que nos transcende em múltiplas dimensões. Hoje o mundo é do nosso tamanho e as voltas que lhe damos têm a duração exacta do nosso abraço infinito.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Viagem a cores

Jeanne Newman, Postcards from Lodz Series, 2004

Todas as horas me sabem a ti e todas as horas que passam longe do nós que somos inseparável me parecem viagens infinitas e desertas de cor. Porque a vida que descubro neste estar contigo é vida plena de alma. Quando viajo sozinha corro para te chegar porque em qualquer parte do mundo ou canto do universo tenho um único destino: tu. Não descubro nem contemplo paisagens pelo caminho, porque não há paisagem onde tu não estás comigo. Não me distraio a olhar o que não posso partilhar contigo nem perco tempo à procura de postais. Não reconheço cor na fotografia onde não te encontro. Onde não me partilho contigo não há luz. Este estado de emergência de viver-te sempre mais é uma missão sem retorno, uma forma de vida absoluta, porque viver é partilhar e encontrarmo-nos no que temos para dar e receber a toda a hora. Aprendo mais de mim no que me descobres em nós e no nós que construimos vou coleccionando partes de ti, umas que me ensinas, outras que vou desvendando na paisagem que compomos nos tons do que sentimos por debaixo da pele. De nós vem uma luz diferente que não brilhava antes isoladamente. Do nós reflectem cores e possibilidades infinitas de desenhar paisagens, mudando as montanhas de lugar. Se nós quisermos conseguimos ser imortais.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Antes de ti

Bill Warren, Building in red clay Series


Antes do Amor acontecer na sua vida coleccionava os dias coomo puzzles à espera de solução invariavelmente adiada para o dia seguinte. À noite, de regresso a casa, punha de lado os sacos pesados das horas trabalhadas sem minutos vazios e a roupa usada no corpo como papel de embrulho da intermitência da alma e instalava-se, confortável, no sossego das horas de nada. Frequentemente procurava o mesmo cd para lhe fazer companhia. O piano e o suave compasso da melodia dos Rachel's percorriam, insidiosamente, a sala transformada numa nuvem de sons contemplativos que ficavam à espreita. Mergulhada em si mesma, deixava-se observar pelos sons, enquanto pensava os dias como ficheiros temporários de vida, sem pormenores de grande importância, ausentes do essencial. Ficheiros temporários com a validade de 24 horas, facilmente descartáveis sob uma imaginária tecla de 'delete'. E os dias passavam, substituindo-se automaticamente. E a vida passava sem vida. Viver não seria apenas esconder-se atrás dos dias e da força das circunstâncias. Quando o Amor aconteceu descobriu o princípio, o meio e o fim de tudo, a grande razão de Ser para além do existir simplesmente. E, desde então, sorri naturalmente e todas as noites adormece aninhada na música que o coração lhe escreve na pauta dos dias maiores do que a vida e para além da eternidade.