segunda-feira, 4 de abril de 2011

Identidade

Ann LT, By the sea

Quando não sabemos quem somos e pensamos que sabemos, ou fingimos para nós mesmos saber, cheios de certezas mal trabalhadas e aparente controle sobre a situação, alguma coisa está fora de lugar. Quando não sabemos quem somos está tudo tão fora de sítio que a vida acaba por se tornar um comboio em permanente descarrilamento. Porque a questão da identidade individual é o pilar da nossa construção pessoal e do que nos damos no mundo outros, porque sem essa estrutura assente e consolidada, somos pouco mais do que plasticina ao sol. Porque é a nossa identidade que nos define no que existimos nos outros. Se ela é vivida de forma intermitente, ou tão superficialmente como uma imagem num espelho, mais tarde ou mais cedo, surgem a dúvida e a insegurança de um lado e do outro do espelho. Se não sabemos quem somos, tendemos a acreditar que os outros divagam na mesma incerteza, porque queremos estar acompanhados na nossa angústia, porque não gostamos de ser nós o problema, porque temos dificuldade em assumir que ainda não chegámos onde julgamos estar interiormente, porque tal dói e é muito incómodo. Para quem observa não é menos incómodo nem menos doloroso, porque é inevitável o desconforto e a insegurança desse território estranho e indecifrável que fica no canto mais recôndito do ser, sem caminho certo para lá chegar. Porque as identidades não estruturadas, ou assumidas com pés de barro, são limbos de sofrimento agravado, cada vez mais profundo, por tudo quanto falha, e não se assume, pelo caminho da responsabilidade própria. Porque o peso, cada vez mais pesado, que vamos acumulando e carregando sobre os ombros, não se dilui nem desaparece no conforto, aparente e ilusório, de acreditar que se é vítima e que a responsabilidade não nos pertence. Todos os erros que cometemos podem ser "endireitados", a não ser o crime supremo de tirar a vida a alguém. A identidade adulta é a pessoa precisamente não se fazer de vítima. É tomar o controlo reconhecendo em que é que o outro é mais forte, e não ter de competir, para além da nossa própria força. A identidade adulta é assumir o compromisso do equilíbrio. Porque há tanta coisa que aprendemos tarde, mas raramente é tarde demais se a pessoa pensar que o que aprendeu, e conquistou em si mesmo, não se reflecte nem se esgota no 'hoje', mas vale para a vida inteira.

8 comentários:

Lábios de Caprichos disse...

A identidade do ser humano nc está completa, começa a adquirir-se no momento em que se nasce, e termina com a nossa morte, no entanto permanece incompleta...
Pq o ser humano n tem de ser perfeito e completo, não é essa a sua essÊncia, mas sim uma aprendizagem contínua (que vem sempre a tempo)!

Always disse...

Estamos então de acordo, porque é isso que reforço no final do texto. :)

Aprendermo-nos nunca é tarde demais. O que é mau é não sabermos quem somos e estarmos fechados à conquista por não querermos trabalhar a responsabilidade do erro. Ou militarmos num limbo de autocensura continuada em relação ao que vamos descobrindo de nós.

Lábios de Caprichos disse...

Acho dificil um ser humano (dito normal/banal) conseguir descobrir quem é... acho que é uma luta que travamos ao longo de toda a vida, julgo que na realidade poucos são os que têm a capacidade de conhecer inteiramente quem são. Somos seres "complicados".

Always disse...

Há coisas fundamentais, LC, a identidade sexual, por exemplo, convém que haja alguma certeza própria quanto a isso, em vez de uma angústia de culpa e vergonha, com implicaçoes graves na felicidade individual e não só.
Era a esse aspecto que eu estava a referir-me essencialmente, porque isso condiciona muita coisa...

Lábios de Caprichos disse...

Claro, acho q cada indivíduo, apesar de nc chegar a conhecer-se na íntegra, será sempre capaz de tomar decisões e de conhecer o que vai dentro de si mesmo. Julgo que muitas vezes, se não o faz é por receio, cobardia - de si mesmo, ou do meio que o rodeia, q tanto poder tem sobre nós (infelizmente, digo eu).

whitesatin disse...

Acho que este texto diz tudo, por isso não vou comentá-lo. Reforço somente a Responsabilidade e o Equilibrio: dois Valores fundamentais para sermos felizes. Obrigada :)

Um abraço

Always disse...

LC,

Claro que um indivíduo adulto tem de tomar decisões e assumir responsabilidades dessas decisões. De um indivíduo adulto espera-se que saiba avaliar e ponderar por si mesmo, com base naquilo que é e no que conhece dos outros. Infelizmente, dizes bem, esse juízo, em casos de identidade não estruturada, é contaminado por ruído poluído daqueles que se julgam obras acabas e perfeitas, nas suas vidinhas baças, ordenadas segundo padrões morais tantas vezes contraditórios e duvidosos. É é triste quando cedemos ao medo de não sermos iguais a toda gente!!

Always disse...

N,

Obrigada pelo reforço sempre útil do equilíbrio e da responsabilidade na nossa felicidade. Acho que no texto, uma coisa e outra, acabam por ser transversais ao longo da exposição.
Concordo plenamente contigo. Acrescento que o equilíbrio é uma coisa trabalhada, não é algo conquistado à partida. A responsabilidade, essa sim, deve ser apanágio nosso desde o princípio, uma espécie de instrumento inato que nos permite uma navegação mais segura, adulta e consistente para chegar ao equilíbrio.
Digo eu, claro... :)

Um abraço grande!