sexta-feira, 1 de junho de 2012

Arquivo

Autor desconhecido

Colecciono pedaços como antigamente. Colecciono passos sem outra direcção senão aquela que conheço decor no coração. Colecciono palavras e ideias tuas, umas em que me reconheço, outras que falho entender. Colecciono expressões que não te vejo e imagino-te o sorriso, que antes conheci, agora iluminado pelo teu novo tempo depois de mim. Colecciono formas de recompor o espaço da tua ausência para impedir que o tempo esgote todos os vestígios da tua existência material. Colecciono-te no que eu te conheci e no que existes livre e para além de mim. No teu tempo eu não existo, não te sou única, não te sou sempre, sou apenas alguém por quem passaste um dia.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Consistência

Anabark, Poço (Junho.2010)

Quando o Tudo nos encontra e acontecemos por inteiro, sobra pouco para acreditar mais e melhor. E depois do Tudo, guardamos a melhor parte de nós no silêncio de um poço sem cor nem fundo. A dor de quem perde é esse espaço infinito do Nada que nos aninha a saudade do que sabemos ter sido tão completamente e a certeza profunda do que não se repetirá da mesma maneira e nem na mesma intensidade. E a vida segue, o Tempo trás outro tempo atrás e, depois do Tudo, só nos resta viver pela metade, desconfiados, com o fardo do desperdício feito de erros por reparar e de equívocos por desfazer, sobre os ombros. Tudo o que somos constrói-se ao segundo, dia após dia, até ao fim da nossa vida. Não sabemos quanto tempo temos nem o que o tempo nos traz. Talvez por isso eu não desista do meu Sempre. Quem ama acredita e vive a ideia de Sempre, não como um acto de fé, mas porque amar para além de Tudo e da dor do Nada é a prova do que o que sentimos e vivemos foi verdadeiro e absoluto e não apenas um caso ou um instante numa linha de tempo passado. Não seria Amor se desaparecesse assim tão completamente em mim. Não seria Amor se sentimentos mesquinhos me vencessem para atenuar a dor.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

As saudades minhas

Brett Weston, Water reflection, 1973

Saudades tenho da ideia do Tudo que acreditei, em nós, existir para sempre. Saudades tenho do deslumbramento dessa ideia nos meus olhos todas as manhãs em que a vivi. Saudades tenho do peito a transbordar da ideia de Amor sem fim. Saudades tenho desse tempo infinito contado em beijos e abraços nos dias sem horas e em noites sem dormir. Saudades tenho dos instantes escondidos pela impaciência do Amor inadiável e pelo desassossego do corpo torturado de saudade. E mais do que saudades tuas, tenho saudades minhas, do que fui capaz de ser contigo porque, contigo, fui o melhor que me conheci. E toda a luz que guardo dentro é reflexo teu e do 'nós' em mim.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Em todas as ruas te encontro

 
Autor desconhecido, algures na Graça, Lisboa 

Em todas as ruas te encontro 
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura 

Em todas as ruas te encontro 
Em todas as ruas te perco 

Mário Cesariny

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A propósito de saudade...

Marisa D.L. Unfriendly pier, 2012

"Saudade é sentir que existe o que não existe mais. Saudade é o inferno dos que perderam, é a dor dos que ficaram para trás, é o gosto de morte na boca dos que continuam. 
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade: aquela que nunca amou. E esse é o maior dos sofrimentos: não ter por quem sentir saudades, passar pela vida e não viver."

Pablo Neruda

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Risco

Noelia Magnusson

É preciso existir para criar e construir. A vida faz-se do instante do sonho para o momento em que arriscamos dar o passo para fora de nós mesmos. Sem essa inconsciência do risco nada se cria, tudo permanece numa sombra de possibilidades. Quem não arrisca, não existe em sentido próprio, vive à margem de si, à beira de um abismo invisível que só o tempo revelará. As horas que deitamos fora são hipóteses por testar. Temos pouco tempo para nos resolver no grande enigma em que nascemos. Ninguém vive por nós e não somos deuses na sua perfeição e imortalidade. Somos o que somos, imperfeitos, finitos e, ao mesmo tempo, cheios de sorte porque o erro faz parte da nossa condição e, arriscando errar, aprendemos um sentido de existência à escala humana, menos ambicioso mas, certamente, mais feliz.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ganhar

Anabark, Relento (JUN10)

Lá bem no alto, uma paisagem de pedra é corpo da minha vontade. Não sei querer de mansinho, sei apenas que quero por inteiro mesmo quando não me sobra nada. Nunca amei pela metade nem mesmo quando só tinha metade do que queria. A intensidade do tudo é uma forma de vida, uma natureza de alma e não somos todos iguais, uns são mais, outros menos e alguns nem chegam a ser sequer. Perder é querer, poder e não ter. Ganhar é poder o que se quer muito sem desistir, porque desistir é ter medo de cair. Aprendemos a andar depois de muito cair e vencer o medo. E crescemos daí para a frente, mas ninguém nos livra das quedas. Aprendem-se passos e caminhos pela força de vontade. Perder completamente é cair no vazio tropeçando na vida de alma vaga, porque isso é viver pela metade. A minha paisagem é feita de pedra e nela me vou esculpindo com a força do que aprendo de todas as vezes que continuo a cair no chão.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Para além do espelho

Anabark, Meio Espelho (MAI2010)

Tudo o que o espelho deixou de ver, desapareceu para sempre, como estilhaços de vidro quebrado sem qulaquer utilidade ou lágrimas que ninguém vê nem enxuga. No espelho só as paredes ficaram e as manchas de sujidade que o tempo lhes vai acrescentando. As recordações envelhecem mais depressa que os sentimentos e a memória exacta das coisas, na sua dimensão plena, perde-se na distância que nos vai sobrando entre pormenores. Deitei fora coisas inúteis, ressentimento sobretudo. Tenho falta de espaço, quero guardar o beijo e o abraço que vivi, por inteiro, acima de tudo. O resto, porque me é inútil e me queima um buraco no peito, perdoo e arrumo num lugar longínquo. Não esqueço porque esquecer é não aprender e a vida é um movimento constante de querer saber o que nos falta. E falta-nos quase sempre tudo, incluindo a disponibilidade para entender o mundo para além do nosso umbigo.

sábado, 5 de maio de 2012

Anabark (original de U-Turn), Desvanecer (MAI2009)

Passei de fugida pelo quarto das recordações e roubei a cor das paredes e dos objectos que encontrei. Deixei tudo a preto e branco no mesmo sítio. Não desarrumei mais nem arrumei o que está desarrumado. Apaguei a luz e saí. Fecho a porta atrás de mim. Levo a cor comigo e os dias e as noites infinitas. A luz pertence-me, não se apagou em mim. O resto é escuridão que não é minha, que não sinto nem entendo. Onde o sol não se deixa entrar não existe cor e durará para sempre a falta de calor. Não entendo quem escolhe a rigidez do preto e branco. A minha exigência é outra, é ter na alma o infinito, sabendo que a verdade é uma zona cinzenta que cada um vive na sua própria versão.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ruínas

Anabark, Fading, (MAI2010)

No espelho, aos pés da cama, desfilava um tempo que era infinito na alma de quem nele acreditava. Sem horas, sem noite nem dia, sem assimetrias, tudo ao mesmo tempo, a vida num só dia. Esse tempo passou, o espelho ainda lá está e a cama continua branca e no mesmo sítio. E o fantasma do passado pendurado nas paredes que testemunharam quem ali trouxe um grande amor, pouco a pouco, torna-se a casa em si, o chão desaparece e o tecto é um céu sem fim. Por detrás dos cortinados, a lembrança de um perfume que já foi ar em toda a casa. Dantes havia música num rádio antigo, mas hoje o silêncio é o vazio de quem chegou sozinho, desarrumou a cama para fingir que ali dormiu e a meio da noite partiu por entre a chuva. Devaneio, dirias tu se me ouvisses. Não, respondo-te eu, nada disso.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Da cama para a rua

Anabark.Once upon a time (MAI07)

Na casa da improvidência morou, por algum tempo, o Amor, alimentado pela condescendência e pela promessa de compromisso. O Amor, que deixou para trás tudo o que era seu por não poder trazer nada consigo, veio de vontade e com a vontade de ficar para sempre, e ali foi muito feliz enquanto, em tudo, foi condescendente. O mesmo Amor que, antes, tinha sido abandonado, subiu uma montanha para ali chegar e encontrou outra montanha quando lá chegou. Mas valia a pena, havia Amor e braços amplos e quentes que, apesar do medo, esperavam por si. Pouco tempo passou, e o Amor ali vivia a esticar braços complacentes até ficarem doridos de tanto os esticar. Um dia, o Amor baixou os braços para ver o que acontecia, á espera de ser reparado, confiante que os braços que tanto amava lhe chegariam quentes e fortes para não o deixar cair. E andou pela casa inteira, dias e meses a fio, e os braços que amava não se abriram nem aqueceram mas teimavam que sim, que amparavam e que eram mais seguros do que os braços do Amor. E o Amor não entendia, porque tinha frio e nenhum calor lhe vinha. E o Amor chorou baixinho, escondido e ás escuras, para que ninguém tivesse pena. E nunca deixou de acreditar. E os braços que amava, cada vez mais frios e envergonhados, foram empurrando para fora. E o Amor não entendia, porque amava muito, tudo, e chegava-lhe pouco, quase nada. Não deixou de amar, gritou para chamar a atenção, queria apenas que reparassem. Desacreditado adoeceu de tristeza e, no desespero, fechou-se na memória do que, ainda tão há pouco tempo, tinha sido. Ninguém veio por ele, por lá ficou esquecido. O Amor não entendeu quando o fim chegou sob ameaça. Um dia, sentado na sua parte da cama, sempre á espera de um abraço, um dedo esticado apontou-lhe a porta e, sem hesitar,  mandou-o sair.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

'Açores', uma casinha

U-Turn, Untitled (MAI2009)

Um laço desfeito, um nó no peito, o amor perdido. Uma saudade infinita, uma voz contida, a felicidade esquecida. Um coração partido, um amanhã sem sentido, o passado infinito. Uma casa sem paredes num ilha sem oceano, um segredo, um esconderijo. Uma cama pequena, um amor sem tamanho, dois corpos num. Primeiros dias de Maio, um 'nós' na alma, um sempre em mim. O eterno regresso ao lugar, ao Amor que, sendo infinito, me deixou nessa morada onde vivo para sempre. Nas mãos, a mesma flor sem tempo que ali colhi e ofereci para toda a vida. Não perdi por não saber o que encontrei. Não perdi por deixar de amar. Perdi porque o amor da minha vida se perdeu de mim e não voltou a querer encontrar-me.

sábado, 28 de abril de 2012

Tudo vale, no amor e na guerra

Algis Kemezys, Beauty and the pricks, 2012

Eu, que vivi o mais efémero de todos os amores infinitos que conheço, acredito na ideia de um sempre, de alguém único e na incondicionalidade do sentimento. Eu, que vivi o mais breve de todos os amores eternos que testemunho á minha volta, acredito, apesar de tudo, no Amor como sangue, suor e dor no corpo como na alma, essência de vida. Na guerra não sei mas no Amor vale tudo e nesse 'vale tudo' cresce resistente o Amor. Na versão dos outros o Amor neles sobrevive contra tudo, na minha, que jurei para sempre, em todas as batalhas fui vencida. Todos os grandes amores que conheço continuam eternos menos o meu. Mas, quando olho para esses jardins que aguentam ventos e tempestades e permanecem floridos, indiferentes á violência das estações do ano, invade-me uma fé que não renego e assumo que vale tudo em defesa do Amor. Teimo em acreditar numa versão maior do que aquela que vivi, que julguei perfeita e infinita e se desfez tão rapidamente como uma nuvem passageira ao sabor do vento.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Autocorrecção

Geert Goiris, Resonance #19 - Black Box, 2000

A tristeza tem certamente um fim, como um café que arrefece ou o fumo que desaparece. O tempo passa, as pessoas mudam. Do que não se guardou com amor nada fica. O que não nos fica é porque nunca chegou a ser completamente. A vida não se apaga, mas esquecem-se horas, e ás vezes dias que são anos, no coração que não quer ver nem sente. E a tristeza chegará a um fim, arrumada numa caixa selada, como tudo o que não é eterno nem infinito. O tempo passa e as pessoas mudam, mudam-se e desaparecem também. Longe da vista nada existe, seguramos apenas a ideia de que tudo continua no mesmo sítio em que foi visto pela última vez, mas pode não ser. Quem não vê não sente e, assim, a tristeza, como a felicidade, chegará ao fim. Um café que arrefece e fumo que desaparece no tempo que nos passa são tristeza acabada e luto cumprido. Não se deve chorar para sempre quem não nos ama eternamente.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O sonho da Liberdade

Noel Saratan, Poetry in a Tree

Trabalhei todo o dia e quase toda a noite em nome da LiberdadeE hoje, que é feriado, voltarei a fazer o mesmo sem me cansar... e todos os dias, com o mesmo ânimo, para o resto da minha vida.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Com atraso relativo

Dwight Rankine, Weather Worn, 2007

É tarde para quem se quis tanto e não se acreditou. O mundo mudou de lugar e nenhuma janela ficou virada para o infinito. É tarde, não pelo tempo que passou mas pela inocência perdida que não se sabe recuperar. Atrás de uma fecham-se todas as portas que nunca, antes, existiram. É tarde, a pele envelhece e os olhos são outros, desencantados pelo que aprenderam a ver para além da contemplação. A criança desapareceu, por dentro e por fora uma voz adulta calou a aventura. Uma luz diferente sobre o presente e uma verdade dura aprendida. Bem que se quis e amor infinito, tudo em vão, ilusão de uma vida. Faz-se tarde para perder tempo quando se já se perdeu tempo para nada. É hora de deixar o que não é meu, mudar a casa, as chaves e a fechadura. É hora de perder o medo de ser livre e comprometer-me comigo. São horas de aceitar que amei alguém que não se deixou amar e a quem já nada resta do que, em tempos, foi capaz de ser comigo.

sábado, 21 de abril de 2012

Mar transparente

Sugimoto, Seascape - North atlantic, Cape Breton (A), 1996

Navego na tranquilidade de um mar que, em tempos, descobri e me encontrou um sentido de existência. Neste mar que me fez nascer como gente, a certeza que me anima é concreta, definida e sem contradições. Conhecer-me é aceitar o que sinto e reconciliar-me. Sou a força de um sentimento na sua absoluta transparência de intensidade. Não que isso me torne mais feliz, mas visto a honestidade na pele, indeferente ás consequências. Não me nego nem rejeito a minha maior parte, a alma viva e acrescentada pelo Amor, esse estado de existência que muitos ignoram e outros não serão capazes de sentir. Navego nesse mar imenso que aprendi a entender como tudo o que vale a pena. A felicidade não é um fim, é um caminho, e o Amor é a força da vida em si. Sem ele, tudo é frio e vazio, tudo é pouco, tudo é nada.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Uma página a cores

Sem título

Cedo à tentação para que a alma não adoeça de desejo, como quem escreve uma história sem palavras numa página a cores. Acolho, no corpo, o abraço de quem me quer tocar a alma, de leve que seja. Não me nego o que me oferecem sem, de mim, esperar a promessa que nem sequer insinuei. Não minto nem finjo o que não sinto, concentro-me apenas na cor que mais gostei. Não invento histórias de conquista nem me invento a mim num texto sedutor. Não me prometo nem engano quem, num beijo mais demorado, me tenta falar de Amor. Livro-me da tentação, caio no impulso e não no sentimento. E quando me dizem, em muitas cores diferentes, ao ouvido baixinho: 'quem quer de verdade não desiste; eu espero e insisto... e um dia, sem dares por isso, casas-te comigo!', eu, teimosa e  trocista, sorrio e resisto… Amanhã logo se vê!

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Intransmissível

Marisa D.L., Je t'aime, 2008

Do fantasma do Amor, guardei uma palavra, a que disse e repeti apenas a uma pessoa. Porque há palavras em que acontecemos uma única vez na vida, não podemos torná-las banais. Da única história de Amor que eu vivi como pele da minha pele, guardo o rascunho do que não foi. Em tudo o que nela me escrevi, senti cada palavra como sangue e vida sem fim. O que não voltarei a escrever, recomponho e guardo em mim, numa linguagem que só eu entendo. No princípio, no meio e no fim, a palavra que não digo, escurecida pelo luto do Amor vestido, que apenas em mim sobreviveu. Do fantasma do Amor que não foi para sempre, ficou um livro que só eu consigo ler, hoje como antigamente.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Olhar para cima

Paula Gonçalves, Sem título

Ontem foi, hoje é o aqui e amanhã é um sonho. Fora disto tudo fica fora de tempo e fora de tempo nada é. E há uma janela de nevoeiro em cada hora de presente não aproveitada. O instante que nos morre for falta de coragem não voltará a ser, porque a coragem fora de tempo é uma oportunidade perdida. E há momentos que nos são montanhas e nelas esbarra a nossa vontade quando teimamos em não olhar para cima, para o céu aberto que é mais plausível como limite. Há quem nasça com esse azul de infinito na alma e não se detém.  Vai andando e vai subindo, indiferente às tempestades, com a força do querer a segurar a vontade. Outros voltam as costas, vencidos, desapaixonados, à procura de caminho sem alturas e rasos de emoção. A grande diferença entre uns e outros é a intensidade do sentir e da paixão que aninham na alma.