quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Química de alcova


Vamos imaginar que é apenas um alcalóide natural, chamado Feniletilamina, que põe em acção a dopanima, a oxitocina, a norepinefrina, a serotonina e todas as outras 'inas' que desconheço mas que acontecem em mim durante um beijo teu. Vamos imaginar que é apenas bioquímica e que o estado de paixão não é mais do que a combinação de diversas substâncias químicas misturadas, sem esquecer as feromonas. Então por que é que os teus beijos são diferentes de todos os outros beijos que experimentei na minha vida? Por que é que os teus braços são mais à minha medida do que todos os abraços que me embrulharam antes? Por que é que só a tua pele é a pele da minha pele? E por que é o teu cheiro é único e inconfundível? Por que é que os teus fluxos de prazer me enlouquecem de sede como se não existisse outra água nem nunca tivesse existido? A endorfina que em mim se liberta quando as minhas e as tuas outras 'inas' se combinam é quase inexplicável, não fosse a ciência dar-lhe nome e um nexo causal. Hoje, recordando o estado de sítio dos nossos lençóis de ontem, lembrei-me de pensar cientificamente no assunto. Não cheguei a uma conclusão diferente daquela que, no estremecimento do prazer, te segredei, ao ouvido: 'AMO TU'.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Leituras do Desassossego

Rob Oele, See Buoys 5, 2010

O desassossego de Pessoa fez-me entender que 'o maior domínio de si próprio é a indiferença por si próprio' e que se pensarmos muito sobre a vida é porque estamos perto da morte e da agonia que é darmos conta de todas as coisas que não fomos e, como diz o poeta, 'não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram'. Viver é saltar muros e não erguê-los. E, mesmo que o poeta diga que 'a vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final', a verdade é que temos de viver com coração e o coração não pensa, o coração sente. Aliás, 'o coração, se pudesse pensar, pararia', e isso seria a morte. Há em mim 'uma vontade de não querer ter pensamento,(...) um desespero consciente de todas as células do corpo e da alma', uma vontade de vida absoluta e pura, concreta e definida pela certeza de um coração ingénuo e indomável. Porque 'amanhã também eu – a alma que sente e pensa, o universo que sou para mim – sim, amanhã eu também serei o que deixou de passar nestas ruas (...) E tudo quanto faço, tudo quanto sinto, tudo quanto vivo, não será mais que um transeunte a menos na quotidianidade de ruas de uma cidade qualquer'. E por isso entristece-me não viver a vida num só dia, dia após dia. As perdas de tempo são puro desperdício e desgaste de tudo quanto é belo na alma humana.

Extractos a sublinhado retirados do "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Levemente

Nealy Bob, Butterfly August 2*, 2007

Levemente, com a imponderável leveza daquilo que não se acaba te sonhei a vida inteira. Levemente, como quem chamou por mim, vieste ao meu encontro cheia de cor na alma, num dia cinzento diferente de todos os outros dias cinzentos de todos os invernos. Levemente vieste e ficaste em mim com a mesma cor do primeiro momento. Levemente cresci uma vida e um coração maior do que o peito para te abrigar. Levemente como uma flor que se balança ao vento me tornei prisioneira de um sentimento combinado de intensidade e infinito. Levemente me encostei a ti como a natureza se encosta à chuva e ao sol que a fazem florir. Levemente como um sopro de luz, um céu aberto de certeza, um querer constante e sem idade. Assim, levemente, como uma carícia que só as tuas mãos sabem na minha pele, eu existo e a ti me dou em Amor pleno, por inteiro, porque o Amor é essa leveza de sentir-te permanentemente em tudo o que sou e me descubro.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Intemporalidade

Bob Reynolds, The colors of the Fall #3

O futuro é uma floresta densa, virgem e livre e não um caminho plano, onde o horizonte se adivinha e tudo nos surge sem sobressaltos porque só caminhamos pelo que nos é conhecido. O futuro é uma missão, um compromisso com a vida, o futuro é caminhar livre sobre todo o tipo de terreno com a certeza de que vamos em frente, mesmo quando não fazemos ideia onde vamos, mas sentimos o prazer da caminhada. O futuro é o destino de um 'tu e eu' como nós. São os passos que damos lado a lado, o que tu andas e que eu ando também, o que eu avanço e tu avanças também que nos constrói o tempo, passado, presente e futuro. O nosso futuro é feito do que ontem conquistámos, do que queremos hoje e do que caminharermos amanhã. O futuro é essa vontade que nos embrulha uma na outra para chegarmos ao mesmo tempo onde quer vamos. E porque ninguém sabe realmente onde consegue chegar, porque o horizonte é uma miragem no coração de uma floresta, nós caminhamos convictas de que o mais importante não é a chegada mas a viagem que fazemos juntas. Porque nos cumprimos na partilha da paisagem, porque o futuro é um acto de fé e uma viagem de esperança. Porque o Amor é a nossa viagem sem fim, sem distância nem tempo. A intemporalidade do teu primeiro beijo é, para mim, uma visão luminosa de futuro.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Pisar o risco

Yves Rubin, Above And Beyond, 2010

Que maçada seria se a vida fosse apenas um traço contínuo, numa recta sem altos nem baixos, nem direcções alternativas! Se andar em círculos é um desperdício de tempo, seguir involuntariamente uma linha, só porque tem de ser porque é a ordem das coisas, é caminhar moribundo para um ponto indefinido, incerto, inconsistente, numa viagem que deixa de fora qualquer esforço de descoberta. E quando caminhamos pela vida sem o prazer de descobrir a paisagem, sentimos o corpo velho antes do tempo, privado do sobressalto de espreitar desvios que nos desvendem segredos e nos revelem o desassossego interior que nos faz sentir vivos. A vida que quero contigo é a aventura da eterna descoberta, porque não te sei completamente e quero aprender-te tudo. Quero o desassossego permanente de te adivinhar o jeito, o corpo e o pensamento. Quero que corras atrás de mim para me atirar da cama para o chão e do chão para a cama, no divertido reboliço ateado pela pele incendiada uma na outra. Quero que as nossas noites de corpo aceso nunca cheguem ao fim, porque o desejo é infinito e nunca fica satisfeito. Quero continuamente pisar o risco, contigo, sempre, sentir-nos em alto e baixo relevo, sentir-te à flor da pele e em profundidade. Arriscar. Desvendar-te uma e outra vez, mil vezes mil, e inventar-nos segredos para nos partilharmos infinitamente com o mesmo brilho no olhar de quem se apaixona pela primeira vez. Quero arriscar continuadamente contigo, pisar o risco ao teu encontro, ao meu encontro, ao encontro do que a vida tem para nós.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Um castelo de seda

Lester Weiss, Spider web in abandoned shed, San Francisco, Ca., 2004

A nossa casa é a luz que nos sabemos acrescentar na alma dia após dia. Porque é na alma que a vida se reproduz, se desenvolve e se estende ao que fica do lado de fora. Porque é na alma que devemos permanecer abrigadas, longe de todos os perigos, imunes aos temporais. Na alma viva nada é impossível, de tudo se recolhe força e vontade de ser maior. É na alma que nos devemos preservar e viver o que acreditamos sermos nós e o nosso sentido de existência. Muitas coisas se passam do lado de fora, muitas delas são ruído e distorção e nós sabemos que assim é. O que está do lado de dentro de nós importa como luz fundamental. A nossa casa são esses fios de seda em que nos embrulhamos indestrutíveis, como numa teia de aranha que, apesar da sua aparente fragilidade permanece eficaz e suficiente. A alma não tem paredes de cimento nem telhado. Porque a alma não tem limite, é tudo o que tu eu soubermos construir como a NOSSA casa, resistente e inviolável.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Supernova

 Lester Weiss, Modern Nature series

Logo mais à noite, as estrelas esperam por nós indiferentes ao céu de tempestade que se abateu desde a noite e durante todo o dia. A luz das estrelas, que não é de hoje mas de há muito tempo atrás, continuará cintilante, a iluminar-nos gestos, pensamentos, palavras e acções. Logo mais à noite, seremos nós a intemporalidade dessas estrelas e não há vento nem chuva suficientes que nos extingam a chama que vive de dentro para fora, quando somos um corpo só. Pele da minha pele, dirás tu, coração único, acrescento eu. Nem a noite invernosa nos arrefece o sentir que nos queima incondicionalmente e nos deslumbra como explosões de luz pelo universo fora.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Reacção em cadeia

Rob Oele, Streetart in the NL, 2004

Se fosse fácil, não seria um desafio. Se não fosse um desafio, seria entediante. Se fosse entediante, seria superficial. Se fosse superficial, seria dispensável. Se fosse dispensável, não seria importante. Se não fosse importante, não seria a sério. Se não fosse a sério, não faria sentido. Se não fizesse sentido, seria coisa nenhuma. Se fosse nada, nós não existiríamos. Mas nós estamos aqui e carregamos um universo inteiro entre as mãos. A minha força é a tua força e vice versa. A nossa força é um sentimento raro que, de tão simples, chega a ser de difícil convivência para quem não está habituado a reconhecer as suas infinitas possibilidades. Pode alguma coisa ser mais intensa do que sentir essa força ilimitada? Penso que não e acredito que concordas comigo.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Bip bip

Rob Oele, See Buoys 3, 2010

Saí à pressa de casa. Deixei coisas por fazer, desarrumadas, e outras tantas espalhadas pelo chão. Nem sei se me vesti completamente, nem reparei em nada a não ser nos ponteiros do relógios em nítida provocação. Saí à pressa de casa. Não sei se fechei a porta, se apaguei as luzes nem sei se trago comigo as chaves da porta para poder entrar logo mais à noite. Sei apenas que trouxe as saudades que tenho tuas porque me estão debaixo da pele, inevitáveis, constantes e incómodas como sal numa ferida. Corro pelo dia fora em carne viva, com a ansiedade de quem não sabe se o dia terá fim. Já passaram muitos dias desde que somos uma mas continuo ansiosa à espera de voltar-te como a vida que me corre nas veias, em tudo em que me cumpro e nos descubro em certeza e sentido.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Em contra-luz

Lester Weiss, Spilled oil, Mojave, Ca., 2004

Quando olho para o chão por onde ando encontro duas sombras paralelas debaixo do mesmo sol. Tu e eu. Quase inevitavelmente sigo às cegas as linhas que sei confluirem num mesmo ponto. Nós. Não estranhes a geometria descritiva de um percurso que não sabemos mas sentimos há muito tempo como nosso. Confia na sombra que segue à nossa frente com a certeza de saber por onde vai. Confia no movimento do sol que, dia e noite, se mantém num céu radioso, único, desenhado pela cintilância do que nos vem de dentro de forma tão inevitável. Temos a sorte de ser luminosamente recíprocas em qualquer estação do ano. Temos a sorte de termos um astro de luz na alma que nos descobre um mundo inesgotável que o Amor organiza à sua própria vontade.