quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Pisar o risco

Yves Rubin, Above And Beyond, 2010

Que maçada seria se a vida fosse apenas um traço contínuo, numa recta sem altos nem baixos, nem direcções alternativas! Se andar em círculos é um desperdício de tempo, seguir involuntariamente uma linha, só porque tem de ser porque é a ordem das coisas, é caminhar moribundo para um ponto indefinido, incerto, inconsistente, numa viagem que deixa de fora qualquer esforço de descoberta. E quando caminhamos pela vida sem o prazer de descobrir a paisagem, sentimos o corpo velho antes do tempo, privado do sobressalto de espreitar desvios que nos desvendem segredos e nos revelem o desassossego interior que nos faz sentir vivos. A vida que quero contigo é a aventura da eterna descoberta, porque não te sei completamente e quero aprender-te tudo. Quero o desassossego permanente de te adivinhar o jeito, o corpo e o pensamento. Quero que corras atrás de mim para me atirar da cama para o chão e do chão para a cama, no divertido reboliço ateado pela pele incendiada uma na outra. Quero que as nossas noites de corpo aceso nunca cheguem ao fim, porque o desejo é infinito e nunca fica satisfeito. Quero continuamente pisar o risco, contigo, sempre, sentir-nos em alto e baixo relevo, sentir-te à flor da pele e em profundidade. Arriscar. Desvendar-te uma e outra vez, mil vezes mil, e inventar-nos segredos para nos partilharmos infinitamente com o mesmo brilho no olhar de quem se apaixona pela primeira vez. Quero arriscar continuadamente contigo, pisar o risco ao teu encontro, ao meu encontro, ao encontro do que a vida tem para nós.

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