segunda-feira, 31 de outubro de 2011

31 de Outubro...

Anabark, Plástico, vidro e lua (OUT2011)

"...The spirit-world around this world of sense
Floats like an atmosphere, and everywhere
Wafts through these earthly mists and vapours dense
A vital breath of more ethereal air...."

Henry Wadsworth Longfellow in «Haunted Houses»

Raio X

Bogdan Szadowski, 2009

Está tudo arrumado e no seu lugar. O que sou, sempre fui e não tenho de explicar. Erros meus, decisões felizes, amores ardentes e corações desfeitos, ontem, hoje e sempre. Não serei outra, a essência não se despe, a alma não se pendura. Sou este pouco para alguns e este tanto para outros, pouco importa, não sei fingir o que não sou. O que sou aceito dos pés à cabeça, não ponho nada de lado. Está tudo arrumado, o que já vivi e morri e o que aprendi a renascer. Não carrego peso para além do que preciso, nem prometo o que não tenho. Não digo que sim quando sinto não, nem me engano a mim quando os outros me enganam. Sou muita coisa ao mesmo tempo mas não me baralho por dentro. Sei o que não sou capaz e assumo sem vergonha. Acredito na vida que aprendi e confio no que percebo de boa fé nos outros. Não tenho tempo para me entreter com equívocos nem sucedâneos, não quero gente à minha volta só pela companhia. Não tenho medo de estar comigo a sós porque nada é pior do que sentir-me mal acompanhada. Está tudo arrumado e no seu lugar devido.

domingo, 30 de outubro de 2011

Inconsciência

Anabark, Espera (JUL2010)

E anda aos tombos de braço dado com a desolação apoiada pela teimosia dos fracos de espírito que não acreditam. E tropeça todos os dias nos seus próprios passos, calçados de orgulho e de falta de amor. E vive de alma rasgada por um furioso orgulho próprio dos loucos que desconfiam, fechados na sua insegurança. E perde tudo quanto lhe dão de vontade e de mãos abertas, como se nada tivesse importância ou valor... se calhar não tem. Perde até as pessoas que juraram para si mesmas nunca partir e que nunca desistiram. Perde sem parar nem reparar, sem cuidado e sem vontade de agarrar. E, sem perceber, cai, a cada dia que passa, num buraco cada vez mais fundo e mais escuro dentro de si. Nunca irá entender que, lá em cima, há uma casa vazia á sua espera para se construir de raiz, com vagar e com amor.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Amor-granito

Anabark, Penedo (AGO2011)

O gostar de alguém não se desfaz como açucar fino num copo de água. Permanece, sobrevive, mesmo quando esse alguém nos morre. É a derradeira prova de que a alma existe, o ser lume que nos ilumina, nos aquece e nos mantém. Gostar de alguém é sentir que estamos vivos e com alguma finalidade, acreditar que existimos fora de nós, que não somos pontos isolados numa paisagem sem fim. Gostar de alguém é ter voz por dentro e um coração cheio de coisas para dizer, abraçar sem tempo e receber o abraço daquilo que dá pelo estranho nome de 'Amor', essa imaterialidade que nos sustenta o equilíbrio primordial. Gostar de alguém é amar e o Amor é um penedo nascido das entranhas da terra que nem o tempo nem a morte arredam de lugar.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Cinzento

Anabark, Cinzento (OUT2011)

Como se a vida fosse feita de nuvens que mudam de céu conforme o vento!... Não é. É apenas o céu que muda de cor conforme a vida que nos acontece na alma. Umas vezes deixamos o sol entrar, outras vezes deixamos teimosamente chover sem guarda-chuva que nos valha. E deixamos que  tempestades tomem conta de nós sem perceber que temos pouco tempo de Verão, que morremos todos os dias sem dar por isso. Porque a vida é tão breve quanto as nuvens passageiras e nós somos infinitamente pouco debaixo de um céu de vontade caprichosa. É preciso lembrar que o sol permanece acima das nuvens, que não escurece nem arrefece apesar da nossa cinzenta teimosia. Porque viver é cuidar na alma uma janela permanente virada para para o sol.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Andando

Anabark, Caminhar (SET2011)

Anda-se por aí... Dão-se passos uns á toa, outros á tona, uns seguros, outros a pisar o risco quase a resvalar. Anda-se por aí como quem se mexe do sítio para ocupar outro lugar. Anda-se apenas ou vai-se andando por onde sabemos sem chegar a caminhar. E o mundo envelhece, perde a cor e os olhos cegam por medo do que têm de enfrentar. Anda-se por aí num contentamento em contratempo a fingir que sim, que tudo está no devido lugar. Anda-se por aí calçado com desculpas para ser mais confortável o andar. E inventa-se um mundo como alternativa por ser mais conveniente a mentira em que se quer acreditar. Anda-se por aí sorridente por entre gente que não repara em ninguém nem o sorriso lhes apetece. Vai-se andando por aí num engano prolongado em que todas noites se adormece para, de manhã, acordar  cansado. Há quem ande por aí neste esforço desmedido de julgar que a vida é o que lhes chega ao ouvido. Anda-se por aí acreditando que o tempo é muito, quando, na verdade, é nada para tanta coisa desfeita e tanta coisa por fazer. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Anabark, Estandarte de fé (OUT2011)

Salva-me a fé em que me acredito e guardo. Ao amor eu já morri sem nunca ele me ter morrido a mim. Salva-me aquilo em que acredito e que nunca reneguei. Se o amor morreu porque assim quis, vivo eu para o testemunhar. Salva-me a fé no que sou e fui capaz. Se perdi não foi por desistir. Amei tudo mesmo quando me deixaram nada. Salva-me a fé que sempre tive e tenho ainda num coração infinito. Se acredito, com alma, no Amor que não se acaba, sei que, um dia, ele me voltará a encontrar. Porque em mim ficou iluminado o caminho por onde ele sabe caminhar. Salva-me a fé no que aprendi a sentir tão completamente. E sei que Amor não perde de vista quem nele se encontrou a valer.

domingo, 23 de outubro de 2011

De pedra

Anabark, Coração de mámore (FEV2008)

Os olhos que, de vez em quando, se perdem entre o céu e a terra, encontram no chão sinais convictos do bater do coração. O acaso desgastou a pedra rasgando-lhes um coração á vista de todos, ali, no mármore frio, á espera de ser encontrado. Eu vi, mas não agarrei. Já me basta o meu arrastar-se comigo de um lado para o outro, pesado como pedra. Toquei com os olhos e parti - espera-me outra viagem. No peito colecciono coisas com forma de alma e o  tamanho da minha. O coração que me pesa fica, por agora, em casa, até ganhar asas e poder voar.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Recolha

Anabark, Escombros (SET2011)

Já não sou o que era dantes. Sendo a mesma, sou distinta na confiança e na vontade. As paredes da casa cairam e já não há mais nada para arrumar. O que resta do eu de outrora é para limpar e deitar fora partes inúteis. Se todo o ser é composto de mudança, recolho do passado sem futuro pedaços mais inteiros para me lembrar de que nada é eterno senão aquilo que cuidamos com alma inteira. O que me sobrar depois disso é areia por entre os dedos, impossível de segurar com força de mãos. Já não sou feita do mesmo, sou o tempo de hoje na mudança de estação. Sou o que fica de pé depois da tempestade. Sou o passado mais o valor acrescentado pelo intervalo da mudança. No chão, debaixo dos escombros, desponta a promessa de uma outra vida.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Essenciais

Anabark, Antes de anoitecer (AGO2011)

Antes de anoitecer listo coisas essenciais para depois de amanhecer. Acordar é essencial. Viver... Deixar partir e encontrar um novo encanto. Respirar... Libertar-me do fim para encontrar outro princípio. Amar... por um dia, para a vida. Pôr de lado a saudade e quem não abraça por inteiro. Abraçar quem segura de verdade e de coração cristalino. Deitar fora o desperdício. Desejar... Querer mais, dar tudo e acreditar que vale a pena. Confiar no dia seguinte e caminhar hoje em mim. Não ter medo. Ousar encontrar-me de novo em Amor e respirar de alívio.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Não ter medo

Anabark, Empty, (JUL2011)

A coragem é uma casa vazia, iluminada pela fé no que está para ser. A coragem é uma prova de grandeza, um sinal de que crescemos o suficiente para lutar pelo que queremos por nós mesmos. Uma alma grande ousa, vive pelo que sente e sente em total desassossego o que espera conquistar. Uma alma grande abre janelas, portas e vira o mundo de pernas para o ar. Pois se a alma não é pequena nela cabe a ousadia de agir, surpreender e vencer. Porque a alma só é pequena quando é cobarde e cega ao que vale a pena ganhar e preservar. A coragem de conquistar é a mesma de cuidar e segurar. A alma que ama ousa, não sossega. Porque não há maior ousadia do que o Amor contrariado. A coragem é um acto de fé em nós mesmos e no que queremos fazer entender aos outros. Admiro o estado de graça dos que ousam sentir que são capazes para além da dor, da escuridão e do medo - é essa coragem que me prende e me torna, do Amor, cativa.

domingo, 16 de outubro de 2011

Planos

Anabark, Olhos no céu (AGO2011)

Um dia tudo há-se ser céu pintado por vontade dos meus olhos perdidos de amor pelos teus. Um dia tudo há-se ser vontade de olhar o céu pintado de Amor. Um dia tudo há-se ser Amor de vontade pintado olhos nos olhos. Um dia hás-de olhar e ver. Um dia hás-de amar e perceber. Um dia vou pintar-te de Amor e cor de céu essa vontade.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Mudar um rio de lugar

Anabark, Cry me a river (SET11)

Nas noites sem dormir procuro, às escuras, um sentido, uma solução. Algo que o silêncio do mundo que dorme ajude a compreender o que não sei dizer. Procuro o momento que me escapou ontem e que, hoje, voltei a não encontrar. Procuro o tempo em que tudo era sempre e infinito. Porque desencontro, todos os dias, a sorte de te encontrar por aí, ao acaso, como se todos os lugares conhecidos tivessem mudado de sítio e, em nós, nada mais houvesse do que pontos de partida e nunca de chegada. Se calhar não há. Se calhar sobram apenas duas margens separadas por um rio e pontes flácidas e desfocadas. Nas noites acordadas, fico, na minha margem, à beira do rio a reinventar a geografia. E, quando adormeço, sonho que as pontes tomam forma e que as margens se encostam. E que a cidade se ilumina de nós por todo o lado.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Pelas nuvens

Anabark,  C.  (AGO11)

Não encontro na terra o teu nome. De vez em quando, um céu irónico recorda-me as tuas iniciais feitas de nuvens. E lá me perco no azul, a inventar formas de chegar perto das letras que, na terra, se perderam de mim. O teu nome não me procura nem eu te encontro aqui na terra. Tive tanto medo de perder-te um dia e acabei por perder por coisa nenhuma. Não te encontro por palavras porque já não estás onde antes existiam. Hoje és nunca, e 'nunca', para mim, é tarde e eu sou sempre, e 'sempre' é-te já coisa nenhuma. Passeio-me, de letra em letra, pelo teu nome desenhado no céu pela inconsistência das nuvens.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Não se Reconquista o Amor com Argumentos

Katjas, Every book tells a story, 2011

"...Para fundar o amor por mim, faço nascer em ti alguém que é para mim. Não te confessarei o meu sofrimento, porque ele te faria desgostar de mim. Não te farei censuras: elas irritar-te-iam justamente. Não te direi as razões que tu tens para amar-me, porque não as tens. A razão de amar é o amor. Também não me mostrarei mais, tal como tu me desejavas. Porque tu já não desejas esse. Se não, amar-me-ias ainda."

Antoine de Saint-Exupéry, in "Cidadela"

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Desabitar

Tomasz Dziubinski, Wrought in Silver - Gdanski Bridge, 2009

Não temo o caminho, nem a noite nem inimigos. Não temo a angústia nem a morte como destino de vida. As pedras sei que existem e os contratempos também. E no mundo há mais mundos do que aqueles que sei. Temo as portas fechadas e a falta de vontade de me encontrar. Temo o desencontro, os mal-entendidos e as coisas que nunca disse e que acreditam que se ouviram. Temo a alma desabitada e os escombros do coração partido de tanto sentir em vão. Temo a falta de fé que sobra pela casa por muito que se pendure nas paredes da memória. Temo que nada fique, que tudo se transforme em nada e que a vida se resuma às horas zangadas impostas pela fragilidade humana.

domingo, 9 de outubro de 2011

Cristal

Anabark, Atravessar (SET2011)

A nitidez das coisas vem-nos de dentro, duma parte particular do coração, se o tivermos no lugar. A claridade do que os nossos olhos alcançam não depende do que está à vista, mas do espaço que essa parte particular do coração nos ocupa na alma. E se a grandeza da alma se mede por tudo quanto sentimos que vale a pena, o coração que sente não tem fim. No coração que sente tudo acontece com perspectiva e cor, mesmo que o mundo que lhe fica de fora siga sombrio e mudo, numa outra vida, numa outra dimensão. Porque a luz que precisamos vem do que sentimos incondionalmente como alma que nos anima. E no que o coração nos ilumina não existe escuridão suficiente que nos apague a coragem de ousar para além do umbigo e de nos aprendermos nos outros também.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Luz

Tomasz Dziubinski, The upper Antelope Canyon, 2011

De repente, o sol chega ao chão e ilumina de cor a pedra escura. Quase inesperadamente, como a vida que acontece todos os dias, de forma diferente do planeado numa agenda imaginária. De repente, descobre-se chão firme, sem buracos, que nos convida a caminhar e a descobrir mais um bocadinho do que somos e a sentirmo-nos bem com isso. Faz-se luz quando temos a generosidade de a deixar entrar no coração. E ficamos mais leves quando descobrimos alma à nossa volta. Não há escuridão pior do que uma alma fechada por dentro pelo medo do que acontece fora de nós. Não controlamos nada nem ninguém, porque não somos donos de nada nem sequer da nossa própria vida. Não há sol que nos aqueça se não soubermos reconhecer calor, nem encontramos luz se a procurarmos na escuridão. Nada faz mais sentido do que aprender a dar o que queremos receber dos outros.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Risco contínuo

David Zimmerman, 2009

Não depende de mim - sinto o que sinto e aceito que o sinto. Não depende de mim e ainda bem! Se dependesse de mim, não teria alma nem um coração vivo no peito, seria escrava da razão e tudo seria preto ou branco, por vezes cinzento, mas nunca outra cor imprevisível. E seria uma pena porque a vida é uma soma de imprevistos que nos desviam e nos fazem voltar a sorrir e a chorar, porque somos humanos e dor e amor fazem parte da nossa condição. Não depende de mim, como a imensidão não depende da distância que não conseguimos calcular. Sinto porque sinto, não depende de mim este sentir. O Amor, descobri, é uma imensidão, um sem fim de encruzilhadas e um único ponto de referência que não se perde nem desaparece por cada vez que dobramos a esquina errada. Porque é Amor resiste. Não depende de mim, nem o erro nem o amor. Pelo que cresci até aqui, ainda bem que sou vulnerável.

domingo, 2 de outubro de 2011

O lugar que se perdeu

Queno, Sainte-Luce sur Mer, Rimouski, 2011

Pouco a pouco a paisagem desaparecia e, á vista, apenas os escombros pareciam ter vida, multiplicando-se da noite para o dia e ocupando todo o espaço que sobrava. O tempo passava apressado e deixava mais destroços de horas desgastadas á espera do que nunca havia de chegar. Deixou de haver vento há muito tempo, nada mexe, nada mudou de sítio para além do que está fora de lugar. As árvores, como promessas de vida, desapareceram deste lugar, já só restam velhos troncos, cansados, pelo chão. O verde perdeu-se desde que, um dia, tudo amanheceu cinzento do mesmo tom. O sol já não vem, deixou de ser preciso a tão pouco que sobra para aquecer ou iluminar... O silêncio tomou conta das casas, por todo lado não há vozes, não há música nem um som, tudo está vazio, ao abandono. Tudo desapareceu num abrir e fechar de olhos. Nada é para sempre, excepto esta minha minha vontade de zelar pelo impossível.