terça-feira, 14 de setembro de 2010

Folhear o chão


Barry Green, Japanese Maple in Autumn 3, 2006

Hoje, quando acordei, havia um enorme silêncio no mundo inteiro e eu estranhei mas não soube explicar. Quando olhei à minha volta, por todo o chão do quarto havia folhas secas, caídas, imóveis à espera de vento que as levasse. Estranhei mas não soube explicar. As paredes continuavam brancas, as portas abertas e havia luz tímida e indefinida a entrar pela janela, mas, no quarto, apenas um chão de folhas se percebia, até a cama tinha desaparecido. Estranhei mas não soube explicar. Procurei-te um beijo como todas as manhãs mas encontrei a tua ausência como almofada. Estranhei e, só então, percebi o vazio que me visita quando o Amor não está em casa. Percebi que, durante a noite, coleccionei os milhares de folhas secas que jazem pelo chão, para escrever nelas frases soltas de histórias nossas, memórias, fragmentos de momentos que nos estão debaixo da pele. Escrevi também o teu e o meu nome em todas elas e não me lembro de ter dormido realmente. Quero mostrar-te cada uma das folhas quando chegares, para que acredites que me fazes falta, que a tua ausência é um silêncio imposto ao mundo, que as saudades são folhas mortas cheias de histórias de vida interior que transbordam o coração. Fica sempre comigo, mesmo que a vida se nos acabe fica em mim como tu, em mim, estás sempre.

6 comentários:

YeuxdeFemme disse...

Tens uma forma muito bonita de sentir o amor!

Always disse...

:)Sentir, de facto, o Amor é, por si, algo inevitavelmente belo!

YeuxdeFemme disse...

É. De facto. :) Mas tu escreves o que sentes e isso não é fácil de fazer.
É desse acto de sentir/escrever que eu acho inevitavelmente belo. ;)

Always disse...

Agradeço-te o elogio. O belo é um processo integrado do qual faz tb parte a capacidade de interpretação de quem lê. :-)

Edson Carmo disse...

O que é que vale mais, o cheio ou o vazio?

Quem gostaria de receber uma caixa vazia como presente de aniversário? O que a gente quer é uma caixa cheia. É o cheio que vale. Tanto assim que o cheio custa dinheiro. Mas o vazio não custa nada. Ninguém compra o vazio. Parece óbvio que o cheio vale mais que o vazio... Mas será mesmo? É gostoso comprar uma sandália nova. Mas uma sandália é para a gente pôr os pés dentro dela. Mas para se pôr os pés dentro dela é preciso que o dentro dela esteja vazio. Se o dentro dela estiver cheio, o pé não entra. É o vazio da sandália que permite o prazer de usá-la. Você gosta e quer tomar suco de suco de cajá. Precisa pôr o suco no copo. Mas, para pôr o suco no copo é preciso que o copo esteja vazio. Um copo é um vazio cercado de vidro por todos os lados, menos o de cima. Você pode até diz: "Eu não preciso de copo. Uso um canudinho de plástico..." Mas, o canudinho só funciona se estiver vazio. É preciso que ele esteja vazio para que o suco passe por dentro dele quando você chupa. Veja os pulmões: eles são cheios de buraquinhos vazios. Os buraquinhos têm de estar vazios para que o ar entre neles. Encha os pulmões de ar e tente respirar. Pulmão cheio não deixa respirar. No nosso cotidiano, a casa também é um vazio cercado de paredes. Para isso servem as paredes: para pegar o vazio e permitir que ele seja usado. Os arquitetos e arquitetas são os artistas que sabem a arte de pegar vazios por meio de paredes. E as janelas? Também são vazios. Buracos. Já imaginou uma casa sem janelas? Seria horrível viver numa casa sem janelas. Ora, se é o vazio entre os meus olhos que me permite ver o horizonte, a paisagem... É o vazio chamado "silêncio" que me permite ouvir a música...

Edson Carmo

Always disse...

Edson,

Antes de mais, agradeço-lhe a reflexão que aqui partilha.

É certo que o vazio é um princípio de vida: nascemos, aprendemos e crescemos (por esta ordem). Crescer é, por definição, preencher um vazio. Estruturamo-nos nesse sentido, de construção interior e, à medida que vamos sentindo a vida como o preenchimento do vazio, vamos conquistando uma alma maior, mais abrangente, onde cabem cada vez mais coisas e, então, sentímo-nos inteiros e realizados pelo caminho percorrido, pelo que vamos enchendo a nossa vida.
Por oposição, nada é mais dramático do que sentir uma alma vazia, que nada sente, nada aprende, nada dá, moribunda. Morremos lentamente quando o coração e alma estão vazios de uma paixão, seja ela qual for, e ausentes de amor. Esse vazio todos nós queremos evitar...