domingo, 28 de julho de 2013

(es)correndo

Mia Minor

O relógio chegou mais depressa do que eu. Odiei os ponteiros, os carros, os caminhos. Tentei voar, mas não me cresceram asas quando foram precisas. Não sou um anjo na terra e o meu corpo, gota a gota, assim o confirma. Odiei o relógio, o Tempo e o desencontro. Porque cheguei atrasada aonde a minha vontade sempre esteve e permanece, nunca esgotada em mim.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Prova material

Ricardo Machado

5 segundos!... Que não chegaram a ser.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Em quem não sobra o perdão

 
Anton Okički

Sentou-se no seu canto à espera de envelhecer. E depressa envelheceu, mais depressa do que o normal. Cresceram-lhe cabelos brancos dentro da cabeça e o olhar foi ficando baço até que perdeu toda a luz que antes o transbordava. Deixou de ver, de falar e de sentir também. Ficou quieta no mesmo sítio até não lhe sobrar mais nada de juventude, como quem desiste da inquietude da vida e abraça a tranquilidade da morte por antecipação, incapaz de assumir o risco e o desconforto dos dias incertos. Envelheceu uma vida dentro da sua própria vida por opção. E enquanto vai desaparecendo de si mesma, segura de mão fechada ressentimento e o desperdício de acreditar que tem outra vida para viver. Olho-a à distância, tento chegar-lhe e caio sempre no chão, magoo-me. Já parti, por ela, vezes sem conta o coração.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Resumo

João Castilho, Linhas

A meio da noite, na escuridão de quase nada, havia, contudo, uma história maior interrompida. Mas nenhuma quis reparar. Deixaram-se morrer presas numa armadilha de teimosia, paralisadas e surdas, sem querer chegar a um abraço.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Sem lados

Sharon Johnstone

O Amor é como uma bola, é redondo, não tem lados. O amor não quer ter razão, quer dar-se e ser retribuído em partes iguais. O Amor não quer fazer braço-de-ferro com quem ama, só tem braços de ferro para abraçar. O amor é justo, não tem ângulos nem pontos de vista. O amor não divide, une quando está dividido. O Amor não compete por um lugar nem disputa o lugar que ocupa, nivela altos e baixos. O Amor não impõe nem se impõe. O Amor não se põe em bicos de pés para poder chegar. O Amor não se cala, fala mais alto do que  vozes desencontradas. O amor não é dois 'eus', é um 'nós' aprendido e guardado. O Amor não tem lados, é redondo como o brilho no olhar de quem o sente realmente incondicional.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Em falta...

Bertil Hansson. Red, 2010

Braços que carregam, que seguram sem cansar. Braços que não deixam cair e que apanham do chão se chegar a cair. Braços que não se viram de costas quando o frio lhes chega. Braços que, em dias do avesso, surpreendem e estremecem o corpo de quem amam. Braços que esticam até à alma para dissolver tempestades. Braços que abraçam simplesmente e secam lágrimas. Braços que esperam outros braços esticados e que, unidos, alcançam o inalcancável. Braços com a força de montanhas por quererem demasiado. Braços que são a força na fraqueza da ausência de palavras. E nesses braços, os abraços são tudo na alma em abandono, porque dizem pele na pele e debaixo dela 'estou aqui porque quero estar, porque tu és em mim todos os lugares no mundo'. Abraços que são Amor quando faltam as palavras.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Nem de um lado nem de outro

Nuno Borges

Dizes que não sabes mas afirmas-te quase sempre como se tivesses em ti todas as certezas do mundo. Porque te conheço para além do que 'não sabes' acho que não sabes porque tens medo de saber-te. Eu sei e sei-me. Procuro, não temo as minhas próprias perguntas, confio, duvido e revejo tudo o que aprendi. O que é conveniente não me serve, nunca me serviu. Tu não sabes do que estou a falar porque escolhes não querer saber. Mas eu conheço-te muito para além disso e sei que és mais do que afirmas e te conheces. O resto 'não sei, sei lá'... nem me interessa.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Dizem

Anabark, Auto-retrato [Out. 2012]

Procurei nos cantos, no chão da casa e até em cada rua por onde passei. A cabeça que perdi não voltei a encontrar. Não faz mal, não me faz falta. O essencial mora na alma, dizem...

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Chão de papel

S. Richardson, 'Balloon'

Da festa ficavam restos das horas em que o tempo se perdia sem dar por isso. Passos de despedida tropeçavam em fotografias do chão que, antes, era de dança e que, agora, só as partículas de pó colorido deixavam adivinhar essa vida anterior. Agora o chão desfazia-se ao som da voz como se as palavras fossem pedras arremessadas contra montras de papel e tudo nele se desequilibrava e caia, a música, as coisas, as horas, as memórias. Nos buracos abertos formou-se um abismo do que ficava por dizer e nesse vazio foram-se arrumando aos poucos... até que o silêncio as engoliu para sempre na indiferença.

sábado, 13 de julho de 2013

Sem música de fundo

Michael Van Ofen

Às vezes as palavras não nos encontram o tempo nem o tom certo. Às vezes ficamos perdidos na voz que não sabe dizer, nem talvez sentir, o que por dentro nos estremece. Às vezes somos apenas silêncio como música de fundo. E no silêncio deixamos de ser mas não morremos. Perdemos sem ter encontrado, acreditamos tudo e nada ao mesmo tempo e ficamos surdos também. E não são as palavras que nos salvam mas a honestidade que as trespassa e que deixamos chegar ao coração. Porque há coisas que, sentindo, não dizemos por não saber dizê-las correctamente. Escolhemos o silêncio. Calamos tantas vezes o que sentimos porque gostaríamos de o dizer com a eloquência e o ritmo das batidas de coração. E outras vezes calamos, porque são surdos os ouvidos que não sentem.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

A importância de 'nunca'

Seth Casteel

Nenhuma palavra é mais injusta do que a palavra 'nunca' porque ela obriga a um quase juramento e compromisso imediatos que, amanhã, poderemos não conseguir cumprir, porque o mundo mudou de lugar, porque nós mudámos em nós mesmos, porque deixou de fazer sentido, por milhares de razões. Mas existe, em mim, um 'nunca' que é uma verdade absoluta, quando nem o coração nem a alma sabem mentir: o que nunca fiz! Esse 'nunca', mesmo que ninguém o acredite, e por muito que me acusem do contrário, vale em mim a maior certeza de mim mesma, porque essa inocência me pertence de corpo e alma. Mesmo que me afogue nela.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Cativa


Tocou-lhe suavemente a pele e a marca dos dedos ficou lá. Ficou cativa, como quem fica preso na alma por um fio de uma força invencível, que ninguém se atreve a desenrolar. Os dedos, as mãos, o corpo desapareceram, mas a pele tocada relembrará sempre o doce enredo de quem lhe tocou, para além do corpo, a alma.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Cinzento

Werner Branz

- Uma memória vaga da última noite que até podia ser a noite passada! - disse de voz esvaziada no tom, quase cinzenta, e virou as costas. O quarto encheu-se de nevoeiro e os olhos, perdidos nessa distância, não voltaram a encontrar-se no que alguma vez tiveram.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

O poder das palavras

Web

Há palavras que caem no chão porque as ouvimos numa linguagem que não somos capazes de entender...

sábado, 6 de julho de 2013

Ar de lume

Mark Mawson

À noite, ao entrar no quarto, cheirou-lhe a incêndio e não havia nada a arder. Desfez a cama, abriu a janela e esperou que a lua entrasse. Não adormeceu nem tentou dormir. Viu as horas passar e os dias também. A lua deixou de deixar ver-se da janela aberta e ar de lume espalhou-se por toda a casa. E não há fogo nem vontade de dormir.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Do céu para debaixo do chão

Robert Vizzini

Foi num filme antigo, em technicolor, que elas se desencontraram, a olhar para cima, não para o céu mas para o topo do arranha-céus. Muito tempo passou, o filme envelheceu e elas perderam-se para sempre na esquina oposta da mesma cidade. Sobreviveu-lhes o arranha-céus e nem a saudade que as encontrou é livre de ser vivida, porque agora são enredo de cinema negro: os polícias são ladrões e não há heróis numa história de passado contada em voz passiva.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Águas paradas

Tito Mouraz

Já foi mar, um oceano sem fim por onde toda a fé do mundo nos navegava. Já foi esse azul infinito sem estações do ano onde o céu, sempre iluminado, se espelhava. Já foi uma vontade mais forte do que, no mar e na terra, todas as tempestades. E foi por vezes cabo das tormentas mas sempre da boa esperança, a noite e o dia como tudo na vida é. Foi o que pode ser e o que o verão bruscamente interrompeu pelo que escapou aos sentidos. De todo o mar que o tempo não cumpriu, ficou um buraco de pedra sobreposta em camadas. E, no fundo, um lago de lágrimas, onde a alma deserta lutou para não se afogar. Já foi mar onde, hoje, são as águas paradas do naufrágio do amor.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Nudez

Baptiste Léonne

Despia a alma a custo. Nunca tinha ficado nua para além do corpo. Escondia na nudez da pele o longe que a habitava dentro, onde ninguém chegava sem voltar para trás de tão perdidos no caminho. Ficava nua sem nunca despir quem era. Foi a primeira vez, e talvez a única, numa vida inteira, que deixou espreitar o que, de corpo nu, nunca foi capaz de revelar. E ninguém reparou.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Teoria das possibilidades

Akos Major

Entre a terra e o céu tudo é uma possibilidade. Todas as paisagens se tocam no longe e no perto, apenas o tempo é uma miragem. Até o fogo e o gelo se encontram como princípio e fim de vida. Tudo podemos ser e não ser no que a Natureza nos combina.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Real valor

Anastasia Zavalo, Chairs

E se tudo quanto existe fosse apenas impressões digitais únicas do Tempo, quanto valeria uma mancha numa parede de memórias ou as partes de uma história antiga desarrumadas pelo chão? Que valor teriam as ruínas de uma casa em nós há muito tempo desabitada?...

terça-feira, 18 de junho de 2013

Um dia?...

Alessandro Puccinelli, Mare Series -Cascais, Portugal

- Não sei, sei lá!

terça-feira, 5 de março de 2013

Neste dia aconteceu...

João Castilho, Série 'Temperos", 2009

... o fim da espera, o irrepetível quando se ama uma vez na vida...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Sem mais nem menos...

João Castilho, 'Tempero' Series, 2009

...num instante o infinito.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Ao vivo

João Castitlho, Tempero Series

...Porque as palavras são pequenas...

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Caixa do correio

João Castilho, Tempero Series

...Efemeridade...

sábado, 29 de dezembro de 2012

Bom ano...

Lucian Montean, Lumini Bucuresti

Votos de um ano com todos os dias felizes!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Feliz Natal

Akos Major

A todos quantos por aqui passam ainda ou passaram um dia, desejo um Natal feliz e que todos os dias do ano vos amanheçam com espírito de Natal.

domingo, 30 de setembro de 2012


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Quando os instantes da manhã se acumulam...

Regina Deluise, Three Chairs

Quando os instantes da manhã se acumulam nas
paredes da casa, eu rasgo as páginas onde te escrevo,
porque sei que tudo será desnecessário, tudo será
frágil, quando imagino o sol que não sei se poderei ver,
esqueço as paredes e,


com tanta força,

quero que sejas feliz.


José Luís Peixoto

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Maioridade

Autor desconhecido

Longe da vista não é longe do coração quando nele guardamos intacto quem amamos. Hoje uma estrela brilha mais do que o sol. Tornaste-te 'grande' longe dos meus olhos, mas eu estarei sempre onde me procurares, porque te guardo no coração que te viu crescer e nele caberás a vida inteira. Que sejas infinitamente feliz, Parabéns!

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O que não me dói

Corinne Mercadier, Une fois et pas plus

São, em mim, dor todas as palavras que já disse e que foram mal interpretadas, distorcidas ou esvaziadas de sentido. Dói-me tudo o que não quis dizer e que me ouviram de coração esquecido. Dói-me tudo o que não disse um segundo antes do orgulho ferido. Dói-me o quis dizer e que ficou no silêncio perdido. Dói-me a falta de sentido, o desperdício das horas e o caminho destruído. Dói-me o equívoco nunca esclarecido. Dói-me a dor de quem mal me entendeu quando eu própria me deixei de ouvir. Dói-me a falta de amor do erro, o abandono da alma no que gritei e o abraço que não recebi nem dei quando era preciso. Mas não me dói o que, no melhor e no pior de mim, nunca deixei de sentir. Amor.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Coisas a menos

Anabark, Pintura Incompleta (SET12)

Um céu à espera do azul que lhe falta. Um espelho imperfeito, de contornos distorcidos. Um copo de vidro de coração partido. Tempo perdido em verdades relativas. Um azul à espera do céu que lhe falta. Silêncio à solta e palavras cheias que sobram, proibidas, que não podem voltar a ser ditas ao ouvido, ensurdecido, de quem se escolheu como infinito. Toda a alma que o coração segura no que sente e não desmente. Tudo o que se adormece para não viver cansado, permanece. O sentido não se esquece mesmo sentindo só de um lado, apenas aprendeu a estar calado.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Andando

Anabark, Ramos de sol (SET2012)

Andando... no tempo ausente, o coração dormente. Passeando no beijo do vento, tão leve se torna o pensamento. Leve o que não se espera. Contudo impaciente o desejo, a vontade de ser tudo o que se sente. Andando pelas horas desencontradas entre as manhãs e as madrugadas. Levemente para não acordar quem dorme nos braços de um sonho leve que acredita como vida. O silêncio de quem não sente é a própria vida adormecida. Insidioso o vento que tudo leva e nada devolve. Coração que não ouve, coração que não resolve.

sábado, 15 de setembro de 2012

"Lá em baixo"

Emmanuel Correia 

"...Toda a gente passou horas
em que andou desencontrado
como á espera do comboio
na paragem do autocarro..."

In "Lá Em Baixo", SÉRGIO GODINHO

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Na varanda

Anabark, Center (AGO12)

Esta manhã encontrei cores no jardim da varanda. A luz que me despertou pintou tudo á minha volta da cor do jardim. Quando saí para a rua as paredes mudaram de sítio e todas as divisões da casa desapareceram nesse centro de cores imprevistas. E em todas as ruas por onde andei a ocupar o dia não havia nem carros nem passeios nem gente triste a passar ao lado da sua própria vida. Tudo era luz cristalina por entre árvores nascidas e crescidas durante a noite anterior. Voltei a casa na mesma canção que, de manhã, me ficou no ouvido e encontrei palavras coloridas no vidro do carro que me sorriram e abraçaram o anoitecer.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A chave

Jens Waldenmaier Waipapa, Point

O baú está fechado e a chave no fundo do mar. Alguém por mim a atirou para esse longe onde nada se volta a encontrar. E há uma promessa feita nesse instante definitivo, não procurar o que de mim se perdeu, o que não é meu não posso segurar. A chave está no fundo do mar. Alguém por mim se desfez dela nesse infinito onde se afundam tesouros que tempo enterra. E não falto á promessa que fiz e posso cumprir. O mesmo alguém me disse que o mar é grande e que a minha viagem não acaba aqui e não depende da chave. Prometi deitar fora o que me pesa e me prende em terra. Confiei a chave nessas mãos que me lembram o que ainda está por vir e que a chave do que passou o mar levou. 

domingo, 9 de setembro de 2012

Sete vidas te desejo...

Anabark, Home (MAI2012)

...Mas que sejam mais de sete. E que durem para sempre na memória e no coração dos que importam. Para muitos bens é o desejo infinito de quem te quer bem.

sábado, 8 de setembro de 2012

Poetas e Amor

Anabark, Single (AGO2012)

"Poets are the only people to whom love is not only a crucial, but an indispensable experience, which entitles them to mistake it for a universal one."

Hannah Arendt

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Ideal

Daniel Hachmann


"The human soul has still greater need of the ideal than of the real. It is by the real that we exist; it is by the ideal that we live."

Victor Hugo

terça-feira, 4 de setembro de 2012

As cidades de Dickens

Mark Westerby

"It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair..."

Charles Dickens, A Tale of Two Cities (1859)

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Patamar

Timmy Gambin

Encontrei uma vontade e junto tudo o que não foi para deitar fora e partir. Ao cimo desta escada, haverá uma outra escada para subir. As paredes deixaram de fazer sentido no sítio onde estão, o corredor, cada vez mais estreito e comprido, não tem qualquer utilidade. Encontrei uma vontade, refaço a casa inteira, subo a escada que me leva a outra forma de ocupar o espaço e o tempo. Tudo o que não preciso fica nos andares de baixo, na parte velha da casa, feita de paredes e corredores esguios e imcompreensíveis. Encontrei uma vontade e um quarto amplo, sem mobília, no andar de cima. Lá em baixo não chega o sol e tudo vai desaparecendo na falta de claridade. Desfaço-me do que não tenho, na sombra encontrei-me essa vontade.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

No cimo da escada

Anabark, Saída Luminosa (AGO2012)

Antes havia uma pressa de chegar, uma pressa de voltar, uma vontade de não sair. Antes havia uma urgência, um estado de ansiedade constante fora do abraço, um desassossego partilhado. Antes havia uma ideia crescente, um plano, um encontro de vontades numa escada sempre a subir. Havia luz ao fim do dia e estrelas à noite sobre a cama até o sol colorir a manhã. E havia o desejo sem fim de um corpo de perfume único e cores plenas transpiradas a toda a hora. E havia tempo contado que se vivia infinito, sem desperdício e sem descanso. E havia ausência que era saudade e havia saudade que era dor e havia dor que era Amor. E o pensamento voava sempre para o mesmo lugar e havia uma velocidade escaldante em cada regresso a casa. E havia palavras penduradas nos dedos como abraços à espera de se encontrarem. Antes, quando tudo era 'sempre' no fim das frases.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Fronteira

Anabark, No Ar (AGO2012)

Menos seria nada e o Nada já vem sendo, tomou forma e reproduz-se como as horas que passam na sucessão infinita dos dias. O relógio não parou, o tempo desencontrou-se mas não parou. Uma linha, que divide e não se vê, foi traçada e, de um lado e do outro nada acontece da mesma maneira. De um lado é passado e tudo se apaga, sentimentos, memórias, bem querer. Do outro, o sonho e um querer infinito que não morre. O Amor que, outrora, era tambor a marcar o ritmo da vida abrigou-se do lado que sonha e acredita o infinito. E tem vergonha de ser orfão, já não fala nem se deixa ver, vive no silêncio escondido. O relógio não parou, mas o Tempo não existe, só o princípio e o fim. E entre um extremo e o outro aconteceu o Tudo, mas dele só sobram palavras. Menos seria nada... como se nada tivesse acontecido.

domingo, 19 de agosto de 2012

Prémio dos Dardos #3


Obrigado Viajante  pela distinção, que muito me honra, atribuída a este blog com um prémio que tem como objectivo "...distinguir blogues que contribuem de forma significativa para o enriquecimento da cultura virtual, através da veiculação de valores culturais, éticos, literários, pessoais… premiando os blogueiros que demonstram a sua criatividade através do pensamento vivo e através das formas de comunicação que utilizam para o expressar...." 

Prémio dos Dardos atibuido por: 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Querer para poder

Anabark, Before the rain (AGO2012)

Como se o tempo que está por vir fosse mais importante do que tudo o que já conheço, procurei desenhar momentos à escala do possível, brincar com ideias de coisas por fazer e ter fé no amanhã que sonhei nas entrelinhas do desejo.  E enquanto assim me tinha ocupada, uma certeza tomou forma concreta e definida: é preciso querer para poder e só podemos aquilo que decidimos querer. E querer é acreditar muito e nunca desistir nem ceder a caminhos fáceis. O difícil desanima e desencoraja mas, no fim, será certamente o mais feliz e recompensador. E é preciso ousar para lá chegar e sofrer para reconhecer a diferença. Desistir é deitar fora a oportunidade de saber aceitar e vencer o desafio que a vida nos propõe nesta breve passagem por aqui.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Percepção

Anabark, Perceptions (AGO2012)

"The truth is a battle of perceptions, people only see what they are willing to confront. It's not what you look at that matters but what you see, and when different perceptions battle against one another the truth has a way of getting lost and the monsters find a way of getting out."

In «Revenge» (ABC series, 2011)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Jardim de inverno

Anabark, Quase flor (AGO2012)

Recordo flores que eram ideias cheias de cor e ideias que nunca se tornaram flores. Recordo flores que segurei na alma à procura de casa e que ficaram à porta rejeitadas como ervas daninhas. Recordo a noite que me chegou no instante em que, sem terra nem semente, me atiraram ao chão. Recordo flores que apanhei pelo caminho e levei para casa com a pressa de quem tem um beijo urgente para dar. Recordo a urgência que não encontrei nos lábios que tanto eu queria beijar. Recordo sinais e prenúncios de fim e tudo o que me desacreditava preferi ignorar. Recordo um jardim inteiro que definhou à falta de água por preguiça de regar. Recordo Amor, que acreditei de pedra e foi de vidro, julgado e condenado. Recordo a primavera e toda a luz do infinito em mim sacrificada ao passado.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Cegueira

William Rivelli, The Wall


Não se pode ir ao encontro do nada, só existimos realmente no que sentimos, no que nos está por debaixo da pele e não se vê mas que nos define a essência. Não se pode encontrar quem não sente como nós na justa proporção. No nada nada cresce, no nada tudo morre. No que não se sente por inteiro a alma definha aos poucos até secar completamente e assim, toda a vida que pudesse ser será demasiado tarde. No nada morre-se depressa mesmo que continuemos a respirar à vista de toda a gente. Crescer para além da cegueira dos muros é ser adulto e humano também. Não será preciso uma escada, mas apenas compreender que ninguém é perfeito nem feito à nossa imagem e semelhança, porque nós não somos deuses nem podemos esperar dos outros aquilo que não somos.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Azul sem casa

Anabark, Azul (AGO2012)

Às vezes acreditar é força suficiente para acontecer e há dias felizes em que nos acorda essa força de ser e o mundo vem, generoso, ao nosso encontro. Hoje a manhã chegou cheia do azul-água que, ontem, segurei, com fé, nos braços. Hoje acreditei em cores luminosas e num céu que está quase a acontecer. Hoje acreditei que as boas pessoas podem mudar o mundo e apostei na minha fé. O que ontem era nada, hoje é um céu aberto e amanhã, talvez, o paraíso. Hoje o verde de esperança é a cor das horas decrescentes. Amanhã será um dia azul, infinito nos olhos e na alma que os espera. E um sorriso no coração de quem neles, hoje, acreditou.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Mar-a-mar

Anabark, Cabos (JUL2012)

E tudo o que navegar não será em vão. Na alma levo um oceano e os olhos rasos de água e parto, todos os dias, para alto mar. Já naufraguei na maré vazia e morri na areia mesmo à beira do mar. Tudo o que fui não chegou para me salvar, o que me resta foi-se nas ondas e eu não sei nadar. Construí um barco de vento que empurro com a minha vontade de salvar quem sou no que me conheço como alma. E no coração me navego neste barco à vela e, nesse mar, tudo o que navegar nunca será em vão.