terça-feira, 28 de novembro de 2006

Roubar tempo ao tempo

Escultura de Rui Chafes «Durante o Sono», 2002


Distraída dou por mim a perguntar-me o que fazer
quando nos sentimos correr contra o tempo,
como árvores estranguladas na floresta da chuva...
Felizes os lugares sem história e as histórias sem tempo
felizes aqueles que perdem tempo
por não saberem que ele existe
Eu vou passando o tempo a pensar o tempo que passa
sem saber se é o tempo que me falta
ou se faltarei eu ao tempo...
... a esse tempo que passa
ao tempo que não fica
o tempo que não espera
esse tempo ausente que não consigo alcançar
Não é a corrida que me pesa
mas o passo vagaroso que me prende
à incerteza de chegar ou não a horas

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Conforto

Rodney McMillian «Chair», 2003
Estou sentada à espera de mim mesma
aqui dentro já passou muito tempo
e não sei se vale a pena esperar
não sei se algum dia vou chegar-me
se ainda aqui estou é pelo incómodo que é levantar-me
porque agora estou sentada
e sentada estou mais perto do chão
às vezes faz-nos falta saber que o chão existe
porque se dilui a vertigem da queda
e maior se torna a ilusão de um estar entre tu e eu
estou sentada à espera
não de ti, de mim
cansei-me de esperar de pé
sentada distraio-me
talvez até passe por mim mesma
e nem chegue a reparar...


sábado, 25 de novembro de 2006

Amor concreto e definido

E o que é o amor
para além desse fogo ardente
que não se vê só se sente,
dessa vontade que corrói por dentro
e nos mata de saudade?
Prisão de alma talvez
uma dôr sem corpo, um respirar descontrolado
uma força maior que se nos impõe em todo o lado
um querer tudo e nunca ter suficiente
amor é um chorar e andar contente
num abraço que desejamos para sempre
mesmo sabendo que não existe a eternidade

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Quantas horas te sobram?


Sabes quanto tempo tem um dia vazio de horas? Sabes quantos dias tem o tempo? Sabes quando as noites não chegam a amanhecer? Sabes quando começa o fim do que só vai no princípio? Dizes que sim, mas não sabes. Dizes por dizer, porque te enganas, porque vives nesse equívoco de que o tempo tem uma aritmética definida. E vives um dia atrás do outro como se os dias existissem como medida segura do Tempo, que é infinito por definição. Eu não sei olhar para o relógio e dizer, como tu, o tempo que nos passa, o tempo que nos falta e o tempo nos esgota. Sei apenas quando fico fora de horas, quando sobro aos dias e escapo às noites para chegar ao que me falta. Porque eu estou sempre ausente dessa medida a que te dedicas com determinação, que te organiza essa existência controlada em que te escondes para não te pensares no que te adivinhas e no que já sabes de ti. Porque é mais fácil viveres seguindo em círculo os ponteiros do relógio do que traçares uma linha recta em que te sintas verdadeiramente. Porque precisas de distrações penduradas nas horas que passam por ti. Porque sabes o que acontece quando te esqueces das horas e te regressas sem restrições. Porque não queres essa liberdade de ser e de sentir que te torna frágil por não estares habituada. Não queres ser tu, queres ser a pessoa que te inventas aos outros. Queres acontecer sem custos nem riscos, como se a vida fosse uma lista de tarefas simples, sem sobressaltos nem imprevistos. Desejas e não sabes ter. Sabes usar e deitar fora. Sabes desperdiçar o teu tempo no tempo de toda gente. Existes numa fita do tempo, espartilhada em ti mesma. Quando olho para trás, tenho pena de não te ter avisado que não vives para sempre, que não és infinita. Talvez percebesses que quando te quiseres encontrar poderás não ter tempo suficiente para ficares finalmente em ti a tentar cumprir o que te falta para seres feliz. Mesmo que andes sempre a horas certas, às vezes é demasiado tarde.

Depois do amor


E depois do amor, depois de nós, há dias que não são dias porque o tempo perde os ponteiros do relógio. Depois de nós há um espaço infinito entre o que fomos e o que julgámos ser. Depois do amor só vozes de silêncio respondem ao coração. Depois do adeus morre-nos o voltar a acontecer da mesma maneira. Depois do amor o longe é para dentro, na distância, na ausência, na falta. Depois, quando o tempo nos regressa, levantamo-nos do chão, olhamo-nos ao espelho e deixamos de olhar para trás. Se me rio depois do amor é porque desisto de pensar-te. Se não te penso não te desejo, se não te desejo não te quero e não te querendo não te amo. Depois do adeus não existes nem eu na primeira pessoa do plural do presente verbo amar.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

O gato que se tornou rato

Senhora Saudades aka F. - Trapped (Amesterdão, OUT06)

Lembras-te quando me escreveste que 'a liberdade é a única forma de amar'? Talvez hoje percebas melhor o que disseste, se calhar, sem te dares inteiramente conta do que isso significa. Porque é a única verdade que sei acerca do Amor, embora reconheça que essa liberdade essencial seja um esforço difícil quando amamos perdidamente - porque somos animais territoriais e assumimos o sentimento com absoluto egoísmo, porque queremos guardar para nós o tesouro que só a nós pertence. Mas a verdade é que quando amamos alguém devemos, acima de tudo, fazer com que esse alguém se sinta totalmente livre e que a escolha de ficar seja realmente uma escolha, porque aprisionar não é um acto de amor mas de dominação sobre o outro.
E a propósito das tuas suposições a meu respeito quando ainda mal me conhecias, expliquei-te que 'gostar' não é 'amar' e que há uma certa crueldade em receber amor e não dar igual. Não digo a palavra 'amo-te' facilmente, nunca sem o sentir, porque sei o quanto vale o verbo 'amar'. Não minto, omito. Seria uma má pessoa se mentisse e não minto em relação aos meus sentimentos. Não faço promessas que não posso cumprir. Quando oiço a palavra 'amo-te' baixinho no meu ouvido, não respondo o que não sinto ainda que goste muito, mas 'gostar muito' não é amar. Não engano. E sim, sinto-me responsável pela pessoa que diz que me ama, mesmo quando não sinto igual, e respeito-a, mas tal como tu, não obrigo ninguém a ficar. Dizes tu que temos sentimentos nobres e um bom coração, mas sabemos muito bem que isso é pouco para dar a quem nos confessa amor. A responsabilidade de ficar ou partir é de quem se sente mal com a situação, não achas? A culpa reparte-se - é menor quando não mentimos em relação aos sentimentos, mas ninguém sai ileso.
Quanto à palavra que não digo, não a temo. Não é por medo que não digo - não a sinto e se não a sinto, não vou mentir. Sei distinguir as coisas, já amei, muito poucas vezes, mas amei tão completamente que hoje já cresci o suficiente para não confundir 'amar' com 'gostar muito'. Quando te conheci vivia segura e intocável, com mil cuidados para ninguém me surpreender, para não me magoar. Esperava como um caçador espera a presa e era o mundo que vinha ter comigo e eu avisava quem chegava 'Por favor, não te apaixones por mim'. E tu disseste-me, 'Haverá um dia em que o caçador se torna a presa!' É verdade. 'É o risco e o desafio da caça - há animais que não conseguimos vencer, estejamos ou não preparados. Só posso desejar - tal como tu desejas - que seja um desafio justo - um dar e receber sem condições e em partes iguais.' – respondi eu.
E vieste tu. O que aconteceu entre nós foi tudo em partes iguais. E a meio de tudo, a luta pela sobrevivência.

domingo, 19 de novembro de 2006

Luz da Primavera (versão ficcionada)

Anabark - Luz e Nevoeiro (NOV06)
"Foram os dias de ouro dos meus trinta e três anos, que eu julgava então – e ela também – próximos do fim, porque deslizávamos ambos sobre tapetes de risco. Já nem sei bem como me apareceu, a pedir conselhos, a falar-me dos meus quadros, com poemas nas mãos que desafiavam todas as regras da vida e da arte. Tinha – e de começo assustei-me – apenas dezassete anos e toda ela brilhava de confiança em si, de insubmissão, da ânsia de tudo ler, tocar e conhecer. Sentia-se que a Faculdade onde acabava de entrar seria apenas para ela o patamar de um espaço mais vasto da descoberta..." (*)
...Os dezasseis anos de diferença que nos separavam diluíam-se, de um lado e do outro, no prazer de olhar tudo à nossa volta pela primeira vez. Eu a descobrir o passado, ela a investigar o futuro. A sedução de ganhar tempo ao tempo embrulhava-me todas as noites no sonho de acordar mais depressa, para assistir à sua juventude irrequieta queimar-me a pele ao entrar-me por entre os dias. Não me lembro da primeira vez que ela olhou para mim. Lembro-me sim, de dar por mim a procurar-lhe o riso, a motivar-lhe o entusiasmo nesta ou naquela ideia ou, simplesmente, a dar-lhe espaço para uma pergunta maior à qual eu, de forma matreira, prolongava a resposta, só para a ter mais tempo a olhar-me nos olhos.
A felicidade que lhe iluminava a alma pelo muito que queria conhecer, alimentava-me, em segredo, o desejo de querer ensinar-lhe a paixão que, como um relâmpago estihaça a noite escura, me devorava a quietude dos dias. Sentia o fim do Inverno chegar ao ouvir-lhe os passos e a irreverência do estar num mundo demasiado pequeno para o infinito da sua ansiedade. Tudo era pouco para ela. Aprendia depressa e queria saber mais. Perdida na sua vertiginosa velocidade, ensinava-lhe tudo o que sabia, ao mesmo tempo que aprendia a agradar-lhe quase de forma inesperada.
Um dia percebemos que nos estavamos a aprender uma à outra. Um dia, ela deixou o mundo lá fora seguir a sua história e reparou no nosso mundo cá dentro, já demasiado consistente para ser ignorado. Esperei por esse dia todos os momentos em que sonhei acordada e todas as noites em que adormeci a percorrer-lhe o corpo e a desenhar-lhe um coração por cima da pele. Esperei que descobrisse por ela, que reparasse. Esperei que sentisse como eu. Lembro-me do momento em que me olhou, como se nascesse, e disse, 'E tu? Sabes quem és?'. Nesse instante, vi-lhe os olhos translúcidos atravessarem os meus e vasculharem-me o coração até eu ficar tão transparente quanto o princípio de lágrima com que me brindou na sua curiosidade. Pela primeira vez não respondi. Indefesa e transparente, a mostrar-me no meu silêncio, fiquei à espera de encontrar-lhe um caminho seguro para abrigar a palavra amor, que carregava, secretamente, na ponta da língua, em todas as palavras de todas as conversas que tivemos antes dela, nesse dia, perguntar por mim. Na minha exposição silenciosa, ela cresceu uma vida inteira e disse, 'Eu sei o que és para mim. És luz. És a arte e a poesia da vida. És tudo o quero ser para alguém'. E naquele momento renasci. O sangue voltou a animar-me as veias. Ganhei a cor dos quadros em meu redor. Lembrei-me do sol e roubei luz para olhar para ela. Senti a Primavera para sempre regressar-me quando lhe disse, 'Sou o fim do Inverno porque tu existes. Vivi séculos de escuridão até aqui e tudo o que aprendi foi para te descobrir. Sonhei-te de noite e pintei-te de dia, esperei-te em todas as telas da minha vida. Não existo se não fôr para ti.' E vivemos a vida inteira no nosso primeiro momento de paixão.
Vivemos um amor intenso e arriscado que a diferença de idades e o olhar acusador dos outros acabou por não poupar. E quando nos abandonámos, pensei em morrer. Morri muitas vezes na distância que nos separou. Sobrevivi a custo. Salvou-me a fé de um dia voltarmos a existir na Primavera dos dias. Ainda sinto que somos uma desde o princípio do mundo.
(Always a partir de um parágrafo de Urbano Tavares Rodrigues)
(*) Excerto do conto «Luz da Primavera» de Urbano Tavares Rodrigues

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Proporcional

Anabark (OUT06)


"É tão curto o amor,
tão longo o esquecimento."
Pablo Neruda

Cores partilhadas

Smarties
- Conseguiste?
- Sim.
- São de que côr?
- Azul.
- Sabem a quê?
- A azul...

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Manual de sobrevivência

Anabark, Espaço vazio (SET06)


Que falta nos faz quem nos quis morrer? Nenhuma.
Se esse destino nos fugiu importa agarrar o que ficou de nós e pensar os dias fora do nevoeiro que nos turva os sentidos numa noite interior sem fim, porque se não temos cuidado afogamo-nos sem ter tido tempo de aprender a respirar debaixo de água e assim ficamos no fundo do mar por muito tempo. A dor da perda é uma armadilha perigosa, um limbo onde nos fica presa a alma, suspensa e frágil, quebradiça.

Mas o mundo lá fora não repara e tempo não pára, a ordem das coisas mantém-se, só nós permanecemos desencontrados, porque os nossos hábitos foram bruscamente interrompidos pelo desacontecer do que acreditámos único e inesgotável.
E como sobreviver quando desacontecemos? Procura-se refúgio em coisas nos tornem mais fácil aceitar que perdemos, que nos enganámos, que nos enganaram porque nos fizeram acreditar que acertámos ou, muito simplesmente, que assim tinha de ser. E então inventamos, mentimos, pensamos coisas, umas que são outras que não, para suportarmos a ausência. É quando repetimos para dentro que quem partiu é apenas um hábito na nossa vida. As pessoas que amamos tornam-se hábitos - um hábito bom, contudo, um hábito. E quando quebramos um hábito custa... no início, mas depois passa, porque tudo passa, mesmo ficando sempre alguma coisa no fundo da alma, às escondidas. A princípio é difícil, depois encontramos uma substituição qualquer, porque o que nos faz realmente falta é o hábito. E assim conseguimos sobreviver à ausência e para além dela.
Se pensarmos bem só nos faz falta aquilo que temos, por isso temos. Do que não temos passamos bem sem - a falta é substituível. Se assim não fosse a saudade mataria. Mas não, o que nos consome verdadeiramente é a absoluta falta de clarividência.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Apetece-me brincar

THE CMONS
dias assim, dias de alma vaga
dias em que seríamos felizes num qualquer recreio de escola
entre o deve e o haver,
indiferentes e brincalhões
a mascar tempo numa pastilha.
Há dias assim, dias rebeldes e sem causa
em que apetece brincar e transpirar sorrisos
por tudo e nada ao mesmo tempo.
Dias assim sem horas, deitados fora,
e sem nada se perder.
C'mon!

Pequeno-almoço


Hoje quis chegar primeiro e preparar-te um pequeno-almoço como os que me deixas na imaginação a meio da manhã...
Bom-dia!

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Menos é nada


Anabark - Tempo (MAR06)
Ontem eras um tudo,
hoje o espaço breve de uma recordação.
Menos seria nada e mais do que isso pouco para mim
agora que aprendi o que não és.
Ser pouco a quem ficou sem nada é ser alguma coisa
e hoje és o que resta do que não me vês,
amanhã, no que não chega, um pouco menos ainda
e depois de depois de amanhã deixarei de querer saber
o que me ficou, depois do amor, no coração
que te inventou e se perdeu
no que não se cumpriu.

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

A medida exacta do imesurável

Anabark - Profundidade (SET06)

E não é no amor que não nos chega que descobrimos a medida exacta do amar?
O sentido das coisas está na força com que elas nos alteram a forma organizada como entendemos o mundo. Nada é o que julgamos ser com tanta certeza. Tudo pode ser de outra forma qualquer, basta que para isso nos demos conta de um sentir diferente do planeado.
A vida não acontece num todo mas nos dias partidos um a um, na soma das partes do que somos ou julgamos ser. A verdade que se descobre, e que nos descobre, vem em doses separadas e o amor que é tudo pode tornar-se nada, porque, às vezes, não somos suficientes para segurar e fazer acreditar o 'nós' que planeamos quando sonhamos acordados.
Às vezes, esquecemos a inevitabilidade da hipótese de fim que todo o princípio pressupõe. E caimos. E aprendemos um pouco mais sobre a medida exacta do amor que se diz infinito e da fronteira entre o delírio e a realidade. E assim se nos descansa a alma para voltarmos a respirar.


domingo, 12 de novembro de 2006

Distância

Anabark, Feuilles mortes (SET05)

Longe se torna o teu corpo rasgado pelo meu apetite inútil.
Vago e efémero o sentido da minha vontade de ti.
Porque amo-te agora,
de manhã já te esqueci.

sábado, 11 de novembro de 2006

Red lamps

Senhora Saudades (aka F.)- In diferent colours (OUT06)
F.
I remember looking at the red lamps on my last day in town.
I remember the walls, the chairs and tables in that bar.
I remember the talk and the rain outside
I remember you holding my hand for a while
I remember us killing time to say goodbye
I remember you dressing me with a smile
I remember parallels and universes colliding

I remember you and I remember me
I remember it clearly
I remember...

Is all that we see or seem
But a dream within a dream?

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Azul algures...

Analogic, Pelo caminho (2006)
A.
Vou coleccionando os postais que me envias com a maior atenção ao que te dizes e à tua vontade de aprender-te. Gostava de poder dizer que tenho coisas úteis para te ensinar, mas tu sabes o que eu sei ou mais ainda. Tens muito, mais do que eu talvez. O caminho em que te procuras está à beira da tua vontade de ser completamente. Não me parece longa a caminhada - sabes onde estás e queres muito encontrar-te e há a promessa de um abraço de 10 anos no fim do caminho. Não será essa a força que precisas em cada passo que dás?
As perguntas que me fazes são importantes. Tenho receio de não saber responder, porque a minha noite é de outra natureza e a distância existe. Como posso ensinar-te a segurar quando não fui suficiente para ser guardada? Posso partilhar-me e receber-te, vigiar-te os passos e ouvir o teu grito em postais de ti. Tudo isso abraço e seguro, mas que posso eu realmente ensinar-te se não aprendi mais do que descobres em mim? Em que pode a minha noite ser-te útil se nem a mim me faz sentido?
Tudo o que aprenderes de mim são hipóteses, meras possibilidades de resposta. O resto, o essencial, está em ti e no esforço que te sinto disposta a regressar-te com o mesmo peito aberto com que me escreves e te revelas.
Gosto dos tons de azul que me dás a conhecer.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Curta

Analogic, Grito da cidade (2006)

Precisava de uma fúria que durasse mais tempo!

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Respostas

Anabark, Frágil (MAI06)

Lisboa, Agosto. 2006
"Que sabes tu do que me tem custado a mim? Perdi-te a ti, perdi-me a mim, e só aos poucos recomeço a encontrar-me. (...) Não desisti de ti, nunca desistirei, continuarei a querer-te e a amar-te à minha maneira (quem sabe, egoísta e cobarde, como dizes). Pode parecer-te crueldade da minha parte não querer saber dos teus sentimentos, te garanto que não é. Dói-me mais a mim que a ti – tenho quase a certeza."
Como podemos avaliar isso? Em noites sem dormir, dias sem comer, lágrimas permanentes, horas à deriva pelas ruas a tentar fugir de nós mesmos?... Achas que não me dói saber que tu aí também sofres? Achas-me tão egoísta que não pense que te dói também a ti? Achas que as minhas lágrimas não são as tuas também? Achas que não vou viver para sempre essa dor? Com que balança se pesa a dor? Foste tu que partiste. Quem criou a escuridão? Parece-me que és tu quem tem de caminhar até mim, se algum dia me quiseres voltar a encontrar, e não o contrário.

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

A força que não tens

Anabark, Fear (2006)
Compreendo que te assuste que, de repente, te vejam outra pessoa que nunca suspeitaram em ti;
Comprendo que te incomodem olhares de incompreensão e outras formas de rejeição;
Compreendo que te custe explicar aos outros que mudaste não deixando de ser quem és;
Compreendo que tenhas medo de perder aqueles que te estimam como sempre te mostraste;
Comprendo que te escondas e te protejas porque o mundo não é justo nem tolerante e não estás habituadada a lidar com a diferença;
Compreendo que seja difícil mudar de vida e viver na corda bamba do que os outros possam pensar de ti;
Comprendo a tua angústia e incerteza quanto a pores em causa tudo o que construíste até aqui.
Compreendo-te como me compreendo a mim. Partilho os teus medos, sei que a liberdade de sermos por inteiro tem um preço elevado.
Mas eu nunca te exigi mais do que a forma discreta em que existíamos. E assim passámos algumas barreiras, as mais difíceis talvez. Na altura tive medo, mas mudei o meu mundo, não por ti, mas por mim, pela minha vontade de ti. Tu também mudaste o teu mundo por mim por breves instantes, depois voltaste atrás. Eu não posso voltar atrás em nada do que mudei. Não sorriram nem me abraçaram quando souberam de nós, mas ninguém me rejeitou nem deixaram de me amar por isso. No dia em que partiste, abraçaram-me com força e choram comigo porque sentiram a dôr de um coração desfeito em pedaços. Choraram e pediram perdão pelo abraço que não me deram no dia que me souberam feliz ao teu lado.
Compreendo o teu medo, mas não entendo o amor que, mesmo depois de partires, me dizes que será para sempre.
Falta muito para te cumprires em ti mesma e conseguires entender que amor é uma coisa diferente daquilo que julgas conhecer. E, se tens dúvidas, talvez te ajude saber, através de palavras outras que não as minhas, que quem ama não se esconde atrás de argumentos óbvios nem desiste sem lutar. Amar é querer ser feliz, ser inteiro e não ficar pela metade. Descobre as diferenças, mais uma vez, nas palavras da Blue do blog «Lésbica: Simples ou com Gelo»:

sábado, 4 de novembro de 2006

Eurythmics-You have placed a chill in my heart


"Take me to the desert where there's got to be
A whole heap of nothing for you and me
Take me to the desert take me to the sand
Show me the colour of your right hand..."

De copo vazio

Anabark, Parabéns (MAIO6)
Lisboa, 18.Agosto.2006
Escrevo-te para te dizer que desisto de ti como tu desististe de mim através do silêncio e da distância que escolheste para delimitar territórios e seguires em frente pelo caminho mais fácil. Não voltarei a incomodar-te - compreendi que não te faço falta, que as saudades não te incomodam a alma e que nada do que me disseste e juraste foi verdadeiro, logo não faz sentido eu continuar a perder tempo e a morrer aos poucos naquilo que só eu sinto.
Passaram alguns meses de distância e durante este tempo desvalorizaste os meus sentimentos para 'seguir em frente'. Tens a vida que querias, onde não há espaço para mim, nem sequer como amiga. Pediste para me ir embora, como se tivesses vergonha do que aconteceu entre nós. Esperei que as saudades te fizessem pensar melhor, que o amor te fizesse olhar para trás e que percebesses que há outras saídas. Só falou o silêncio e o silêncio disse-me "Não vale a pena. Se ela te amasse não poderia viver sabendo-te infeliz – a culpa seria demasiado pesada para aguentar a distância."
Obviamente não sentes culpa, sentes, sim, medo de ti própria porque, comigo, descobriste a verdade de ti mesma e não sabes lidar com isso – vives num processo de negação e recalcamento e, como funcionas por objectivos, vais conseguir desligar e ‘seguir em frente’ pelo caminho por onde sempre andaste, pelo que pude perceber, sem te sentires especialmente feliz e muito menos realizada como pessoa. Não digas que não tens outra saída, porque não é verdade. Um dia talvez percebas que a vida é demasiado curta para deixar de ser vivida por inteiro. Um dia talvez entendas que só a morte não tem remédio e que os problemas, por incontornáveis que possam parecer, têm sempre uma solução se amarmos verdadeiramente, formos pacientes e pensarmos com bom senso. Viver é um risco constante, quis correr esse risco contigo porque acreditei em nós e numa relação discreta, equilibrada e saudável para ti e para as tuas filhas, tal como tinhas planeado quando te apaixonaste por mim.
Tenho de respeitar o teu 'seguir em frente', ou melhor, o teu 'andar para trás' e, acima de tudo, tenho de me respeitar. És o amor da minha vida, mas tenho de ser adulta, aguentar a dor e curar-me amando alguém que me mereça mais do que tu demonstraste merecer – quem não nos acompanha atrasa-nos. Não tenho vergonha nem me arrependo de te amar – voltaria a fazer tudo de novo. Fizeste-me imensamente feliz, deste-me vida e algo que vai ficar para sempre, deste-te por inteiro enquanto acreditaste em ti, em mim, em nós. E eu correspondi, acreditei em ti, num compromisso, dei-te felicidade e amor incondicional, fiz-te sentir inteira, completa e fiz-te amar com uma intensidade única. Para mim, não foi uma aventura.
Pediste para me afastar - quem ama não faz isso, quem ama protege e segura. Está bem, vou embora, não volto a incomodar-te para além do teu dia de anos. Não tenho feitio para arrastar-me como vítima triste e abandonada, 'cos I’m much too tall to feel that small', como diz uma canção dos Eurythmics. Perdi-te, mas a tua perda é maior: perdeste-te a ti mesma e a oportunidade de seres tu por inteiro com alguém que te ama perdidamente e sem condições. Se alguma vez sentires a minha falta, tens um muro de paredes duplas à tua espera para destruíres. Não te amo menos mas... 'you have placed a chill in my heart', como diz a mesma canção dos Eurythmics.
Um beijo meu. Always.
A.
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PS (Novembro.2006) - Se pensas que és a única mulher heterossexual, comprometida com um 'homem fantástico' e com duas filhas, que se apaixonou perdidamente por uma mulher, ouve quem viveu o teu dilema e soube resolvê-lo respeitando os envolvidos:
Triste de facto (autoria: Blue)

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Postal de viagem

Anabark, Paço d'Ilhas (MAI06)


Nem pensamentos nem imagens de ti se sucedem já numa cadência relevante, porque a iniquidade da situação acabou com o último sopro de uma imaginação sonâmbula. Já nada sobra de sonho e ilusão, agora que a viagem fica para trás no tempo e regresso a mim e à fria consciência das coisas.
De ti, fico apenas com um postal - um postal turístico, bonito e cheio de cores, pouco parecido com a realidade, como todos as fotografias manipuladas - o teu próprio reflexo, talvez o teu todo, devidamente acomodado na colecção das minhas memórias.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Coragem de mudar de vida

Anabark, Letting go (OUT06)


O que é que te faz pensar que a tua decisão é a decisão acertada? Achas que todas as pessoas que vivem uma situação idêntica à tua tomam a mesma decisão? Achas que todos aqueles que tomaram uma decisão diferente erraram e falharam as suas responsabilidades? Achas que os que têm coragem de assumir o amor com coração são irresponsáveis, inconscientes e loucos? E já agora, achas que eu, por não ter filhos, não tenho responsabilidades?
Perguntei-te isto há tempos, mas nunca me deste resposta.
Navego todos os dias no blog «Lésbica: Simples ou com Gelo» que, simultaneamente, me diverte e me faz pensar - é bom saber que o mundo é maior e mais interessante fora dos pensamentos que me fecham em ti e que há gente inteligente e adulta, com experiências de vida que confirmam que o amor é acreditar no outro e conquistar as dificuldades, é darmo-nos de forma absoluta e total a quem se ama, apesar do risco que esse sentir implica, porque o egoísmo e a cobardia são incompatíveis com o amor. Todos os dias aprendo exemplos de coragem nesse blog.
Hoje ao passear por lá, li num dos textos, escrito por uma das colaboradoras - Blue -, um parágrafo que me fez lembrar o que tu NÃO ÉS - corajosa e adulta.
Aqui fica o link para que não restem dúvidas.

Intensidade








"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."
FERNANDO PESSOA