quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Manual de sobrevivência

Anabark, Espaço vazio (SET06)


Que falta nos faz quem nos quis morrer? Nenhuma.
Se esse destino nos fugiu importa agarrar o que ficou de nós e pensar os dias fora do nevoeiro que nos turva os sentidos numa noite interior sem fim, porque se não temos cuidado afogamo-nos sem ter tido tempo de aprender a respirar debaixo de água e assim ficamos no fundo do mar por muito tempo. A dor da perda é uma armadilha perigosa, um limbo onde nos fica presa a alma, suspensa e frágil, quebradiça.

Mas o mundo lá fora não repara e tempo não pára, a ordem das coisas mantém-se, só nós permanecemos desencontrados, porque os nossos hábitos foram bruscamente interrompidos pelo desacontecer do que acreditámos único e inesgotável.
E como sobreviver quando desacontecemos? Procura-se refúgio em coisas nos tornem mais fácil aceitar que perdemos, que nos enganámos, que nos enganaram porque nos fizeram acreditar que acertámos ou, muito simplesmente, que assim tinha de ser. E então inventamos, mentimos, pensamos coisas, umas que são outras que não, para suportarmos a ausência. É quando repetimos para dentro que quem partiu é apenas um hábito na nossa vida. As pessoas que amamos tornam-se hábitos - um hábito bom, contudo, um hábito. E quando quebramos um hábito custa... no início, mas depois passa, porque tudo passa, mesmo ficando sempre alguma coisa no fundo da alma, às escondidas. A princípio é difícil, depois encontramos uma substituição qualquer, porque o que nos faz realmente falta é o hábito. E assim conseguimos sobreviver à ausência e para além dela.
Se pensarmos bem só nos faz falta aquilo que temos, por isso temos. Do que não temos passamos bem sem - a falta é substituível. Se assim não fosse a saudade mataria. Mas não, o que nos consome verdadeiramente é a absoluta falta de clarividência.

5 comentários:

Anónimo disse...

(abrindo o meu saquinho Mary), digo:
- olha, tenho aqui uma tesoura que corta mal, uma bóia que não flutua, um adesivo cola pouco, um escafandro para aquários e uma bolinha de cristal rachada... hummm, e ainda, aqui no fundo, uns novos e uns velhos hábitos... Precisas de alguma coisa?"

Abraço tamanho daqui até ti

Always disse...

Heheheh... e eu respondo:

- Cá me vou amanhando com o meu velho canivete suíço e novos hábitos que vou guardando no meu saco, mas emprestas-me o adesivo cola pouco... cola mais do que o meu, se calhar?
Obrigada!

Um abraço do mesmo tamanho... de mim até aí.

Penélope Almeida disse...

Pois..essa (esta?) "falta de clarividência" é mesmo tramada..!

Até digo mais: Levada da breca!

;)

***

Always disse...

Moon_lady:

Por isso é preciso ter cuidado - cegos são aqueles que não querem ver...

:)

Anónimo disse...

Olha, eu não sei se é o hábito, a substituição, a clarividência, ou seja-lá-o-que-for, ou o excesso de tudo e a falta-de-nada, mas sei isto:

"e quem não mata é lampião!!!"

S.Star a saltar de braços no ar segurando uma super faixa que diz "A. é a maior!"