Peter Elköf, PSE_9006, 2006
Sinto-te debruçada numa janela com vontade de saber este lado de fora. Curiosidade, talvez - és curiosa. Ou talvez tenhas, realmente, percebido que falei a sério quando disse que não voltaria a bater-te à porta que fechaste atrás de ti para teres a tua paz de espírito e a tua vida de volta. Ficaste mais longe não por me teres vedado o acesso - posso saber o teu número de telefone em menos de cinco minutos e tu sabes que sim e também sabes que não o farei -, mas porque deixaste bem claro que eu não conto, que estou definitivamente do lado de fora e que isso não te incomoda nem hoje nem ontem, quando quase morri de frio a tentar chegar-te. Quiseste desaparecer nas estações do ano, uma atrás da outra, decidida e firme, para bem longe de mim.
Mas hoje sinto uma corrente de ar que vem de ti, e recordo o teu perfume. Sinto-te à escuta por detrás da tua porta trancada. Não me encontraste por acaso. Nem nada disto que sinto é por acaso. Sinto-te uma primavera de destroços, um silêncio cheio de coisas para dizer. Continuas longe, mas, às vezes, por breves instantes, pressinto-te encostada à porta a tentar ouvir se alguma coisa se passa deste lado, ao mesmo tempo que tropeço nesses olhos apáticos de um hipotético abraço.
Eu disse: "a frescura das maçãs matinais revela-nos segredos insondáveis" / Tu disseste: "sentir a aragem que balança os dependurados" / Eu disse: "é o medo o que nos vem acariciar" / Tu disseste: "eu também já tive medo. muito medo. recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da porta" / Eu disse: "acabamos a gostar do medo, do arrepio que nos suspende a fala"
MÃO MORTA "Tu Disseste" (cd «Primavera de Destroços» 2001)
4 comentários:
Independentemente de para quem é esta prosa, está uma maravilha:)
De facto não há acasos, tudo acontece por alguma razão, podemos é não o saber.
Também há quem diga que nós é que escolhemos as pessoas (sejam amigos/as, namorados/as, etc).
Lá divaguei eu:)
Wind, divagar sobre as coisas é importante, ajuda-nos a compreender melhor a existência.
Também acredito que nada acontece por acaso. E é verdade também que escolhemos as pessoas (amigos/as, namorados/as, etc) a quem nos damos, mas não determinamos nem controlamos as circunstâncias em que surgem na nossa vida. Provavelmente há um propósito em tudo o que nos acontece, bom e mau, que pressupõe um efeito sequencial, obdecendo a uma qualquer ordem que não sei explicar. Se calhar, é importante não contrariar a ordem com que a vida nos acontece se acreditarmos nesse efeito sequencial com vista a um objectivo indeterminado.
O acaso tem muito que se lhe diga! :)
Boa resposta a tua:)
Se percebi bem, falas do "efeito-causa/consequência".
Quanto à parte final do que escreveste, o "acaso" será possivelmente o destino, a nossa "missão" para quem acredita nisso.
Não desenvolvo mais que isto "dava pano para mangas":)
Tal como tu disseste no início, estou só a divagar. Não me atrevo a falar do destino. Mas sei que nada é por acaso e as escolhas que fazemos têm um efeito sequencial. :)
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