terça-feira, 19 de dezembro de 2006

O meu inverno

Senhora Saudades «Parallel Universe»

Às vezes tenho frio, outras vezes não. Hoje tenho infinitamente sono. Os dias de Inverno têm uma beleza impalpável que me toca pontos sensíveis da alma, como um diálogo interno, fechado em mim mesma. Apetece-me muita coisa, mas sobretudo descobrir outra vida, ser outra vez noutro lugar. É inútil pensar no que não tem remédio, naquilo que não tem retrocesso, no que perdido nunca se irá recuperar. De nada serve o desgaste de tentar mudar a ordem das coisas que nunca irão mudar. E enquanto o mal estar e o desconforto persistem, muitas vezes sinto frio, outras vezes percebo que, insensatamente, afasto o mundo e torno distantes os portos de abrigo que me querem segura em terra firme, talvez porque me habituei ao gelo que me ficou quando deixaste de me embrulhar no teu abraço, talvez porque o único calor que me aqueceu verdadeiramente foi o teu sol de Inverno que durou menos do que uma estação. Às vezes tenho frio, outras vezes não. Esqueço-me do corpo quando adormeço quase sem querer. Por isso durmo pouco e tenho infinitamente sono. Assim deixo de sonhar e sinto mais tempo o frio conscientemente. São momentos dolorosos aqueles em que nos sentimos ausentes. Acordada existo mais tempo neste estado de deriva que a falta de sentido das coisas pressupõe, mas sinto-me viva e sei o que é sentir frio e não sentir. Talvez se te perguntasse se sentes o Inverno passar por ti, tu respondesses 'O que é que isso interessa? É assim que tem de ser.' E eu ficaria a olhar-te nos olhos a tentar fazer-te entender que não, que não tem de ser assim e que é tudo uma questão de tempo até adormeceres e não te lembrares mais de ti. Um dia acordarás e não te vais reconhecer nos estilhaços do espelho em que te partiste durante o sono. Tenho medo de adormecer e acordar igual a ti. Sinto o frio desse teu Inverno em que te preservas até desistires de ti mesma e me esqueceres de vez, assim como sinto os momentos dolorosos em que te abandonas nas margens de ti mesma. Tenho a certeza que sabes que desistires de mim é desistires de ti também.

8 comentários:

wind disse...

Belíssima prosa poética e que os deuses me perdoem, quase te comparo ao grande poeta Al Berto:)
A foto é bela:)

whitesatin disse...

O frio do Inverno tem a capacidade de nos deixar dormentes. Primeiro estranha-se (dói, queima, quebra), depois entranha-se (até ao tutano dos ossos, até o cérebro congelar), e tudo deixa de fazer sentido.

Anónimo disse...

O tempo de invernia convida ao recolhimento, ao repouso e ao calor interior dos dias soalheiros, das noites aquecidas a lareira ou simplesmente por métodos mais sofisticados.
O estado permanente de vigilância pode levar-nos à loucura… ao cansaço e ao mal-estar, fazer-nos quebrar e definhar…
Não estará na hora de dormir?
Deitar mais cedo?
Acordar mais tarde?
Dormir profundamente e sonhar…?!
Sim! Sonhar!
O mundo não vai a lado nenhum. Estará aqui amanhã outra vez.

Quanto às desistências, essas, surtirão os efeitos que os supostos amantes quiserem.
Os dias de invernia não são para serem derrotados ou conquistados por uma alma apenas, qual D. Quixote.
Fazemos as nossas escolhas. Cabe-nos reflectir o quanto foram, ou não, más escolhas. Mais importante, se permitiremos que as más escolhas nos devorem até aos ossos ou se pelo contrário nos vamos encher de coragem para dizer: NÃO!
Toda a gente merece uma segunda oportunidade. Deus sabe o quanto até eu mereço, e eu não sou diferente de outra pessoa qualquer…
Amanhã logo se vê. A "bola" já não está no teu lado querida. Dorme.
;)
Bj
Até amanhã.

Always disse...

Wind,

Nem sei o que te responda agora... Os deuses vão zangar-se contigo certamente. Al Berto é grande demais e eu reclamo a insignificância de quem apenas escreve o que a alma dita livremente. Agradeço-te não o elogio - porque não mereço - mas o facto de te teres lembrado do poeta que eu aprecio muito, tal como tu. :)

Always disse...

Whitesatin,

O meu medo maior é perder calor e congelar. E nos dias que passam sinto um glaciar aproximar-se.

Always disse...

SK,

Dizes bem, está na hora de dormir há meses! D. Quixote é um tonto, sonhava acordado com moinhos de vento. Tens razão, toda a gente merece uma segunda oportunidade... menos eu. Não terei nunca uma segunda oportunidade - isso é apenas privilégio de alguns. O meu moinho é de vento, não tem nada dentro. Sou uma leve corrente de ar que passou por ele, útil por pouco tempo. Não se vencem moinhos feitos de vento.

Hoje sei que o jogo nunca foi a meu favor - estive dentro de campo por pouco tempo e, na verdade, a bola nunca esteve do meu lado. Fui o entretenimento do intervalo. O teu conselho é sensato: tenho de adormecer quanto antes e sonhar algo melhor do que ser um intervalo na vida de alguém. Amanhã conto-te o meu sonho. ;)

Beijos

whitesatin disse...

Não tenhas medo. Nada podes fazer com o medo. Aproveita a vinda do glaciar e abraça-o. Congela-te nele. Hiberna. Deixa o Inverno passar por ti sem te destruir. E quando a Primavera voltar, voltarás a acordar, sem te lembrares de nada. E então poderás começar de novo, com um novo Sol e uma nova Lua para te aquecer e iluminar.

Bom fim de semana e boas festas

Always disse...

Whitesatin,

Nada mais saudável do que essa ideia de começar de novo, um outro sol, uma outra lua, a luz e o calor de uma nova Primavera. Agradeço-te o cuidado, faz sentido o que dizes - se hibernar, adormeço e se dormir, sonho. Sonharei o que quero ser quando acordar e deixarei de pensar no que não interessa e no que não existe neste frio que me sobra.

Bom fim de semana... agradeço e retribuo-te desejos de Boas Festas. :)