segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Tu e as estátuas

Inês, Poema, 2007
"[Estátuas]...Como se conseguíssemos condensar, desenhando com a nossa ponta dos dedos, alguém que nos foi especial." (Inês, JAN07)
Num divagar de noite em branco, acorda-me a ideia da vida que as estátuas escondem na sua existência estática e fria como a tua. Neste silêncio de noite sem horas imagino-lhes uma história, um gesto, uma troca de olhares a condizer com a expressão fixa com que me contemplam em pensamento. Invento-lhes um poema feito das palavras que me deixam sentir nessa ausência de vida em que, aparentemente, as conheço. E lembro-me de ti e do que deixaste em mim. As estátuas são momentos de sentir desenhados na pedra e no metal. Não lhes corre sangue na matéria, mas o sentir está lá, na expressão suspensa que nos enfrenta sem tempo nem cansaço. Tu tens um coração e sangue a animar-te o corpo, mas escapa-te a vida, o sentir e a hipótese de imortalidade, porque as memórias não são estáveis e o corpo é finito. As estátuas ficam na história de que são feitas. Tu existes longe, num espaço e tempo incerto onde te não sei nem te queres mostrar. Anima-te a frieza da pedra num poema em que as estátuas ganham uma vida que lhes inventei mais próxima de mim.

9 comentários:

Anónimo disse...

Um dia quis ser escultora e foi eu que esculpi a mulher que achava que era perfeita para mim. Fui eu que a enchi de sonhos, gostos e desejos. Fui eu que a imaginei assim, que a esculpi assim. Só depois percebi que ela nunca ganhou vida por mim, que as minhas mãos que a esculpiram não foram suficientes para lhe darem cor e calor... olho para essa estátua que mantenho ainda dentro de mim e ela devolve-me um olhar pétreo, parado num tempo que foi há milhares de sentimentos atrás...

E repousa agora etérea no cemitério que se tornou a matéria de que é feito o meu sentir. Eu própria me petrifiquei ao tanto querer dar vida a uma estátua que sempre se manteve na sua "frieza da pedra"...

wind disse...

Há estátuas que apesar de serem de peda nos transmitem tantos sentimentos!
Por vezes mais que muitas pessoas.
Por isso são obras de arte:)

wind disse...

*pedra

Anónimo disse...

"No dia em que uma estátua é acabada, começa, de certo modo, a sua vida. Fechou-se a primeira fase em que, pela mão do escultor, ela passou de bloco a forma humana; numa outra fase, ao correr dos séculos, irão alternar-se a adoração, a admiração, o amor, o desprezo ou a indiferença, em graus sucessivos de erosão e desgaste, até chegar, pouco a pouco, ao estado de mineral informe a que o seu escultor a tinha arrancado".
Marguerite Youcenar

Assim, as estátuas, que somos, deveriam aproveitar e retirar o sumo deste segundo cósmico de existência que nos é dado viver, pois é nesta fracção de tempo que nós, matéria mineral e inorgânica, ganhamos pele, e sangue, e vida, para logo depois virarmos pó…
Mas há quem ainda não saiba haver aqueles segundos mais de vida, condensados, que se ganham com o amor, o dar e o receber.
O amor de quem olha por, demoradamente, de quem reconhece a dádiva que lhe é concedida, de quem cuida, de quem preserva e experiencia, de quem se dá, de quem luta contra todos os agentes destrutivos, o tempo, os fungos e líquenes, as chuvas ácidas, o Homem e a sua picareta arremessada num acto irreflectido e ilegítimo…
Há ainda que não saiba cuidar do melhor mármore branco que lhe cai nos braços.
Go figure...?!
Beijo.

Always disse...

Blue,

Neste jardim jaz uma estátua parecida com a que descreves. À forma tentei dar o conteúdo em que acreditei ou talvez sonhei. Por breves instantes senti vida. Quis cuidar desse princípio de vida que se acabou como um sopro de vento, sem me deixar sequer tentar. Resta a pedra fria, de formas alteradas pelo tempo, sem sangue nem vida nem expressão à superfície.

Tu mereces bem mais do que a pesada estátua que carregas. Tu mudaste a tua vida e o mundo à tua volta, não tiveste medo de te cumprir naquilo que te descobriste. Assumiste o risco, as consequências e deste a volta com a força e a coragem que faltou àquela que petrificou e se tornou estátua do meu recanto. Tu és vida. Não percas tempo a contemplar a pedra. Se a pedra recusa ganhar vida, então não merece a arte de quem sonha dar-lhe sangue e alma.

Digo-te o que me dizem a mim, ela não te merece.

Um abraço.

Always disse...

Wind,

Há estátuas que nunca foram pessoas e que condensam a expressão da humanidade na sua expressão universal - essas são as obras de arte.

E pessoas que se tornam estátuas, abandonadas na vida que não sabem segurar e aprisionadas na matéria em bruto de si mesmas.

Always disse...

SK,

Mais do que as palavras acertadas de Marguerite Yourcenar, valem as tuas naquilo que tão bem distingues, reflectes e partilhas com um saber e uma sensibilidade que muito te admiro.

Guardo o teu comentário com todo o cuidado e atenção, como se do 'melhor pedaço de mármore' se tratasse. Nele resumiste uma lição de vida que é o esforço adulto de ser um bocadinho mais do que matéria em bruto, o saber que acrescenta ao respirar de todos os dias a vontade de viver mais um dia depois do último e o fogo do sentir que nos confirma a existência da alma no amor que damos e recebemos por inteiro e livremente.

É verdade que "há quem ainda não saiba haver aqueles segundos mais de vida, condensados, que se ganham com o amor, o dar e o receber". Esses são os fracos e os frustrados que não sabem ser nem lutar "...contra todos os agentes destrutivos...", os que destroem o "melhor mármore que lhe cai nos braços", no gesto desequilibrado da deriva de si mesmos.

Obrigado pelo teu comentário. :)

Um beijo.

ic disse...

...e quando voltei a acordar, ela estava envolta num profundo sono de descanso que a finalmente o cansaço lhe tinha dado, sem me mexer e de olhos fechados percorri a sua face com a ponta dos dedos, descobrindo a textura da sua pele, os seus olhos, pestanas, a sua cicatriz, o seu nariz, seus lábios, sem parar e levemente a acordei. Perguntou-me, porque? Quero imprimir, nos meus dedos, a memória de ti, para que fiques tatuada dentro de mim. Mal ou bem, sentirei sempre os minutos, de um caminho de prazer, no qual, me fiz amor. Serei escultora?

;)

Always disse...

IC,

'tácteis'... recordo a palavra que procuraste para explicar o teu gosto por fixar estátuas em imagens(-poema) e leio estas outras palavras que condensam um momento de vida com a imortalidade de uma obra de arte na ponta dos dedos. Serás escultora? Que te diz a obra de arte? Sabes, pelo menos, criar arte através do olhar... uma fotografia, um poema, uma estátua com vida.

Obrigado. :)